Capítulo.14.

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Mais tarde me sento do lado de fora, num dos muitos deques da Rachel. 

Olho as montanhas que ficam em volta da casa com as suas luzinhas minúsculas. Imagino as outras famílias por lá, terminando o jantar ou lavando a louça. 

Se estiverem brigando, provavelmente é por algum motivo recorrente, por hábitos antigos que já deixaram marcas. Nesta casa somos estranhos. Nem um pouco como uma família. 

É estranho pensar em como as coisas eram aqui, antes de o meu pai e eu chegarmos, antes da morte do pai do Theo. Será que todos se sentavam e jantavam juntos, como a minha família? 

Estou com o telefone, mas muito cansada para mandar mensagens para a Scarlett. Estou sem disposição até para ver se recebi mais um e-mail do AN. Quem se importa? Ele provavelmente não passa de outro merdinha rico, como todo mundo no Wood Valley. Até ele já admitiu isso. 

A porta de tela se abre e se fecha atrás de mim, mas não me viro para olhar. Theo se aboleta na espreguiçadeira ao meu lado e pega uma embalagem de cigarro e um saquinho de maconha. 

– Não sou um escroto, tá? – diz Theo, e começa a enrolar o seu baseado com uma precisão carinhosa. Grosso e reto. Um trabalho elegante. 

– Posso ser sincera? Você não me deu nenhuma prova do contrário – digo eme arrependo no mesmo instante. Eu não poderia ter simplesmente dito é sim ou Me deixa em paz? Por que eu falo às vezes como uma pessoa de 60 anos? 

– A sua mãe não vai ver isso?– É cem por cento legalizado e medicinal. O meu psiquiatra que prescreveu. 

– Sério? – pergunto. 

– Juro pra você. É pra minha ansiedade.Posso ouvir o sorriso na voz dele e me pego sorrindo de volta. Essas coisas só acontecem na Califórnia, penso. Ele estende o baseado para mim, mas faço que não com a cabeça. 

O meu pai já teve trauma suficiente por um dia. Não precisa ver a filha boazinha fumando com o novo enteado. Para um farmacêutico, ele é surpreendentemente conservador com relação a substâncias medicinais. 

Theo continua: 

– De qualquer modo acho que ela ficaria aliviada porque é só um baseado. No ano passado um garoto da escola morreu. Overdose de heroína.

 – Que horror – retruco. Na minha antiga escola usavam toneladas de drogas. Duvido que as substâncias que eles usam aqui sejam mais pesadas, provavelmente só são mais caras. 

– Eu me pergunto pra quê seria a receita dele. Theo me lança um olhar e demora um momento para perceber que estou brincando. Costumo fazer piada em horas inadequadas e pego pesado no sarcasmo. É melhor ele descobrir isso sobre mim agora.

 – Sabe, em qualquer outra situação eu poderia nos ver como amigos. Você não é tão ruim. Quero dizer, a Ashby ia amar dar um trato total no seu visual, mas você já tem a matéria bruta. E dá pra ver que você é meio legal, a seu modo. Engraçada. 

– Theo não olha para mim, mandando os seus elogios duvidosos para as montanhas. – Mas o seu pai é um babaca. 

– E você é meio escroto. De verdade. 

Theo gargalha e estremece em reação a algum vento invisível. Aqui faz frio à noite, mas ainda está quente demais para o cachecol que ele enrolou no pescoço. Ele dá um trago no baseado, longo e com força. Nunca fumei maconha, mas consigo entender o apelo. Posso senti-lo relaxando perto de mim, afundando mais na espreguiçadeira. A taça de vinho também me acalmou. 

Eu queria que a Rachel tivesse me oferecido mais uma  – seria um presente que eu não teria recusado. 

– É, eu sei. Mas você tem ideia de quanta merda vou ter que aguentar no colégio por causa dele ?Meu Deus. 

– Não sinto pena de você.

– É, provavelmente você não sentiria. 

– Isso é uma droga pra mim também, Theo. Tudo. Cada minuto de cada dia –digo, e assim que desabafo, percebo como estou sendo verdadeira. Papai, você estava errado: a coisa poderia ficar pior. Ficou muitíssimo pior. 

– Em Chicago eu tinha uma vida. Amigos. Pessoas que diziam olá pra mim nos corredores. 

– O meu pai morreu de câncer no pulmão – diz Theo, do nada, e dá outrotrago no baseado. 

– É por isso que eu fumo. Acho que, se você consegue correr 30 quilômetros por dia e ainda assim desenvolver câncer no pulmão, eu posso aguentar. 

– Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi. 

– Eu sei, tá? – Theo apaga o baseado e guarda cuidadosamente o que sobra. Em seguida se levanta e olha direto nos meus olhos. Não resta nenhum traço do seu chilique. 

– Ei, se é que conta alguma coisa, sinto muito pela sua mãe. 

– Obrigada. Sinto muito pelo seu pai. 

– Obrigado, acho. Aliás, por favor, dá pra você começar a comer na cozinha? Glória fica pegando no meu pé por sua causa. Disse que todo aquele macarrão vai deixar você guapa. 

– Vai me deixar bonita? 

– Gordito. Gordita. Sei lá. Vai transformar você numa gorda enorme. Certo, minha boa ação de hoje está feita. 

– Uau, continua sendo um escroto – digo, mas desta vez deixo o sorriso penetrar na voz. Na verdade Theo não é tão mau assim. Não é ótimo, mas também não é uma pessoa ruim. 

– Então provavelmente ainda não vou falar com você na escola – diz ele, e por uma fração de segundo imagino se ele pode ser o AN.–

 Foi o que pensei – digo, e ele confirma fazendo movimentos rápidos com acabeça antes de me dar as costas e entrar. 

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Fim do capítulo

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Três coisas sobre você ( imagina com Dylan K.)Onde histórias criam vida. Descubra agora