✨Capítulo.6.✨

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Aqui começa a história de verdade.

Eu me recuso a comer no banheiro, porque é o que as pessoas patéticasfazem nos livros e nos filmes, e também porque é nojento.

 Os maconheiroscolonizaram o gramado dos fundos, e de qualquer modo não quero sacrificar osmeus pulmões no altar da amizade falsa. 

Tem aquele negócio esquisito de Karrinho de Kafé, que normalmente teria aver comigo, apesar do nome idiota: Por que os "K"? Por quê? Mas mesmo queeu voe para lá depois da aula de cálculo, as duas poltronas confortáveis estãosempre ocupadas. 

Numa está o cara esquisito que todo dia usa a mesmacamiseta antiga do Batman e calça jeans preta justa. Ele lê livros ainda maisgrossos do que os que costumam me agradar. (Ele está lendo mesmo? Ou oslivros são para enfeitar? Qual é, quem lê Sartre por diversão?) 

A outra poltronaestá sendo revezada por um grupo de garotas que riem alto demais e flertamcom o Batman, cujo verdadeiro nome é Dylan– o que só sei porque temos aulade inglês juntos. 

Naquele primeiro dia fiquei sabendo que o Dylan passou o verão comovoluntário numa colônia de férias para crianças autistas. Não pilotou umliquidificador como eu, de jeito nenhum. Lado positivo: ele não me lançou umdaqueles olhares penalizados que recebi do resto da turma quando falei sobre omeu trabalho incrível preparando vitaminas e sucos, mas se bem que issoaconteceu porque ele nem se deu o trabalho de olhar para mim. 

Apesar do máximo empenho das garotas, o Batman não parece interessadonelas. Faz apenas o mínimo; dá um meio abraço, sem contato visual, e se encolhedepois de cada um, com o esforço custando caro, de algum modo invisível.(Acho que há muitos abraços e dois beijinhos nessa escola, um em cadabochecha, como se fôssemos parisienses e tivéssemos 22 anos, não americanosde 16 ainda desajeitados em todos os sentidos.) 

Não consigo imaginar por que elas continuam indo até ele, todas as vezesnaquela bolha de felicidade, como se o ensino médio fosse divertidíssimo! Falasério, preciso repetir? Para a vasta maioria de nós, o ensino médio não édivertido; o ensino médio é o oposto de diversão. 

Fico imaginando como deve ser falar usando superlativos como aquelasgarotas: Ethan, você é superengraçado! Na moral. Tipo, o mais engraçado domundo! 

– Você precisa de um pouco de ar puro. Venha passear com a gente, Eth – dizuma garota loura, e desgrenha o cabelo dele, como se ele fosse uma criançadesobediente. 

Dar mole aos 16 anos é igual em Los Angeles e Chicago, mas eu diria que asgarotas daqui são ainda mais barulhentas, como se achassem que existe umacorrelação direta entre voz alta e atenção masculina. 

– Não, hoje, não – responde o Batman, educado mas frio. 

Ele tem cabelo escuro e olhos verdes. Bonitinho, se você curte aquele ar deestou cagando e andando. Entendo o motivo para a garota desgrenhar o cabelodele. É denso e tentador.Mas ele parece mau. Ou triste. Ou as duas coisas. Como se também estivessecontando os dias para se formar e nesse meio-tempo não fizesse questão deesconder isso.

 Pois é: 639 dias, incluindo os fins de semana. Até eu tento esconder isso. Namaior parte do tempo.Não houve chance de olhar de verdade sem ser percebida, mas tenho quasecerteza de que o Batman tem covinha no queixo, e há uma grande possibilidadede que use delineador, o que... Eca! Ou talvez as olheiras realcem os seus olhos,porque o menino parece cronicamente exausto, como se o sono não fosse umluxo concedido a ele. 

– Tudo bem – diz a garota, que finge não ter ficado chateada com a rejeição,mas é óbvio que ficou.Em resposta, ela se senta no colo de uma garota na poltrona oposta, outraloura, tão parecida com ela que podem até ser gêmeas, e finge fazer carinhonela. Sei qual é a desse showzinho.

 Continuo andando, ansiosa para chegar ao banco perto da porta. Pode ser umlugar solitário para almoçar, mas também é uma área livre de ansiedades. Lánão tem como eu fazer nenhuma besteira.

 – O que você está olhando? – rosna a primeira loura para mim. 

E ali estão elas: as primeiras palavras que outro estudante me dirigevoluntariamente desde que entrei para o colégio Wood Valley, há duas semanas:O que você está olhando? 


Bem-vinda à selva, penso. Bem-vinda. À. Selva


Três coisas sobre você ( imagina com Dylan K.)Onde histórias criam vida. Descubra agora