Capítulo.30.

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-Esse poema é longo demais – diz Dylan. – É meio irritante e complicado. Não consigo entender todas as vozes.

Estamos de volta ao Starbucks, ao que agora chamo de o nosso Starbucks, coisa que eu jamais admitiria ao Dylan, nem em um milhão de anos. Estou tomando o latte que ele comprou para mim depois de perguntar se eu queria o mesmo da semana passada. Até lembrou que eu gosto excepcionalmente quente.

Foi muito casual com relação a isso – pediu, tirou um cartão de crédito da carteira –, então eu nem me senti esquisita por não me oferecer para pagar. Na próxima vez vou dizer algo como "eu pago esse" ou "esse é por minha conta".

Ou talvez não.

– Concordo. Quero dizer, eu escrevo poemas terríveis, mas sei lá. Não consigo deixar de escrever com a minha própria voz. Sou quem sou. Gostando ou não.

– Uma rosa é uma rosa é uma rosa. Jessie é Jessie é Jessie.

– Mentira que você já leu Gertrude Stein? – pergunto. A minha mãe era uma grande fã de Stein, daí, quando ela adoeceu, era o que eu lia para ela em voz alta. Principalmente a Autobiografia de Alice B. Toklas, mas também um pouco da poesia. "Sacred Emily " é um poema que é uma
cantiga de ninar tranquilizadora e, por acaso, é de onde vem uma rosa é uma rosa
é uma rosa.

Não de Shakespeare, que seria a minha primeira aposta.

Outras coisas que aprendi naquela época foi que a quimio cega a pessoa. Rouba o cabelo e cega. No fim, a minha mãe nem conseguia ler. Uma rosa é uma rosa é uma rosa.

– Não muita coisa. Só Toklas. Aquilo que é falar com a voz de outra pessoa. Como ele arranja tempo para ler tudo? Se eu não tivesse insistido em trabalhar nesse projeto, sem dúvida ele teria mesmo tirado 10. Pensando bem, posso até acabar diminuindo a nossa nota. Contei para ele:

– A minha mãe era professora de inglês na faculdade perto de onde morávamos, e ela vivia citando Gertrude Stein. Chamava-a de G. S., como se fossem amigas ou algo do tipo. Na verdade, quando ela fez 40 anos, o meu pai e eu lhe demos uma edição antiga de O mundo é redondo. É um livro infantil bizarro. Acabei de pensar nisso aleatoriamente!

Olho pela janela para recuperar o equilíbrio. Não falo da minha mãe com ninguém, nem com a Scarlett. Certamente nem com o meu pai. Falar sobre ela é como reconhecer que ela morreu, um salto no imensurável. Tornar verdadeiro o que não pode ser.

Mas estamos falando de Gertrude Stein, o que significa que já estamos falando da minha mãe, e, não sei, as palavras simplesmente saíram.

Dylan me olha e espera um instante. Ele fica confortável com o silêncio, percebo. Fica confortável com tudo.

Dylan é Dylan é Dylan .

– Só quero dizer que lamento pela sua mãe. As pessoas falam muito por aqui. De qualquer modo, isso é uma merda – diz ele. – Sei que é simplificar demais a situação, mas é muito escroto as pessoas terem que morrer e não podermos fazer nada a respeito. E portanto, é... Eu só queria reunir coragem e dizer que sinto muito.

– Obrigada – digo para a minha xícara de café, porque não consigo olhar para ele.

Não tenho coragem suficiente para levantar os olhos. Não sei o que haverá ali: pena ou empatia. Mas vou ter de acrescentar "corajoso" à minha lista interna sobre Dylan , e "honesto" e "certo", porque é muito escroto mesmo e ele é a primeira pessoa a me dizer isso. Todo mundo na FDR murmurou "sinto muito", talvez porque os pais tenham mandado, e ficaram obviamente aliviados quando as palavras saíram, por terem ticado esse item da lista de afazeres, por poderem seguir em frente, ainda que eu não pudesse. Não que eu os culpe. A morte deixa todo mundo sem jeito.

Três coisas sobre você ( imagina com Dylan K.)Onde histórias criam vida. Descubra agora