– Na verdade é pertinho da sua escola. Vou ser atendente da farmácia no mercado Ralph's – responde o meu pai.
Fico me perguntando o que ele acha de Rachel ganhar muitíssimo mais do que ele, se o faz se sentir menos homem ou se considera atraente.
Quando contestei o fato de ela pagar a mensalidade do meu colégio, ele simplesmente disse: "Não seja ridícula. Isso não é para ser questionado!"
Ele estava falando sério. Nada podia ser questionado: o casamento, a nossa mudança, o colégio Wood Valley. Antes de a minha mãe morrer eu vivia numa democracia. Agora é uma ditadura.
– Espera aí, o quê? – pergunta Theo, e finalmente tira os fones.
– Você NÃO vai trabalhar no Ralph's. O meu pai levanta os olhos, confuso com o tom agressivo do Theo.
– Vou, sim, no da avenida Ventura – responde ele, mantendo a voz afável, leve.
Ele não está acostumado a discutir com os outros, só comigo, e faço o estilo passivo-agressiva. Na verdade sou muito mais passiva, com uma tempestade ocasional de rispidez. Só fico irritada quando estou sozinha, no meu quarto, às vezes no ritmo da música.
– Os benefícios são bons, tem até plano odontológico. Vou ser estagiário de farmácia por um tempo, já que preciso fazer uma prova para poder exercer a profissão na Califórnia. Mas, sabem, é pago, não é como um estágio propriamente dito. Vou fazer a mesma coisa que eu fazia em Chicago, enquanto espero o registro profissional – completou ele. Então solta uma gargalhada nervosa e fica com aquele meio sorriso. Está falando por falar.
– Você arranjou um trabalho no supermercado perto do MEU colégio? – grita Theo.
– Na farmácia. Sou farmacêutico. Você sabe disso, não sabe? Ele sabe? –pergunta o meu pai, agora completamente pasmo, a Rachel.
– Não vou empacotar compras.
– Você só pode estar brincando. Mãe: ele tá falando sério?
– Theo, pegue leve – diz Rachel, e estende a mão. Quem são essas pessoas?, penso, não pela primeira vez. Pegue leve?
– Como se eu já não estivesse humilhado o bastante. Agora os meus amigos vão vê-lo trabalhando no supermercado com um daqueles crachás ridículos?
–Theo joga o garfo do outro lado da sala e se levanta. Não deixo de notar a mancha de molho shoyu na cadeira branca da sala dejantar e resisto à ânsia de procurar um produto de limpeza. Ou será que isso é uma tarefa para a Glória?
– Me dá um tempo. Já é difícil demais sem essa merda – completa Theo, que vai embora intempestivamente, batendo os pés e bufando ridiculamente, como uma criança de 4 anos. O negócio é tão exagerado que sinto vontade de rir. Ele aprendeu a dar chiliques assim na aula de teatro? Depois vejo a cara do meu pai. Seu olhar está triste. Humilhado.
– Olha esse linguajar! – diz Rachel, apesar de o Theo já ter saído há um tempo e de ele ter 16 anos. Quando era pequena eu adorava brincar de farmacêutica. Vestia um avental da minha mãe e usava os tubos vazios de vidro que o meu pai trazia para dar cereal aos meus bichinhos de pelúcia.
Até a minha mãe morrer, nunca me ocorreu ter algo além de orgulho do meu pai, e mesmo depois as minhas dúvidas eram somente com relação à sua capacidade de sobreviver, e não à capacidade profissional.
Na verdade gosto da ideia de ele estar trabalhar no Ralph's, pertinhodo colégio. Sinto falta dele. Há cômodos demais entre nós. Danem-se o Theo e os seus amigos ricos; nós não tínhamos plano odontológico em Chicago.O meu pai é um otimista.
Duvido que ele tenha previsto que seria tão difícil assim, ou talvez, quando éramos só nós dois achatados na nossa casa guerreira, ele tenha pensado: De jeito nenhum pode ser mais difícil viver na Califórnia doque aqui.
– Vou ter que recusar o emprego só porque ele fica com vergonha? – diz o meu pai, como se estivesse consultando a Rachel, e de novo descubro que preciso desviar o olhar. Mas desta vez não é para me poupar, e sim para poupá-lo.
– Eu preciso trabalhar.
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Fim do capítulo.
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Três coisas sobre você ( imagina com Dylan K.)
RomansaE se a pessoa que vc mais precisa for alguém que vc nem conhece?