Dylan, Dylan Kingwell já está na biblioteca quando chego. Está usando a sua camisa do Batman, claro, e olha pela janela, fascinado, mas não imagino com o quê. Só consigo ver outro céu limpo, sem nuvens. A mão direita massageia o queixo, como se estivesse dolorido por causa de todas as conversas que ele se recusa a ter. Eu não me incomodaria em tocar a sua face áspera, sentindo o nó onde os ossos se encontram.
Eu acabei de falar isso? Sério? Retiro tudo o que disse. Claro, ele é gato. Mas também é meio babaca, e é uma perda de tempo ter uma paixonite pelo único cara que todas as garotas da escola desejam. Não tenho a menor chance.
Vamos tirar um 10 em inglês e seguir em frente. Tenho muito o que fazer: trabalho, escola, o vestibular. As coisas estão começando a parecer sob controle pela primeira vez desde que nos mudamos. Tenho um emprego, por motivos de: dinheiro. Tenho a Dri, que está rapidamente virando uma amiga de verdade, e AN também, com quem troco mensagens o dia inteiro. AN e eu "falamos" principalmente abobrinhas, mas é divertido tê-lo no meu bolso o tempo todo.
– Oi – digo, e me sento cruzando as pernas embaixo do corpo.
Casual, relaxada, como se não me sentisse nem um pouco sem jeito. Por acaso não sou uma atriz terrível, então quase acredito em mim. Mas quando olho para baixo e vejo um único fio castanho brotando do meu tornozelo, isso me desequilibra, e preciso de todo o autocontrole para não puxar a bainha da calça Fica fria, Sn. Ele não está olhando os seus tornozelos. Movimentos súbitos fazem parecer que você está nervosa.
– Oi, Sn. – Aquele sorriso voltou, e o rosto dele se abre apenas por um segundo antes de se fechar de novo. – Preparada?
– Claro – digo, e me pergunto se algum dia vou conseguir ir além das respostas monossilábicas com esse cara.
Scarlett fala mais quando está nervosa, a adrenalina a deixa esperta, não lenta. Mas o meu cérebro fica sobrecarregado. Como se eu tivesse saído de mim.
Dylan cheira a lavanda e mel. Um aroma refrescante, o oposto do daquele spray corporal que todos os garotos de Chicago usam, aquela horrenda cúpula de perfume químico que permanece no ambiente por um tempo enorme depois de a pessoa ter se afastado. Será da colônia ou do sabão em pó? Será que o Dylan lava essa camisa todas as noites? Provavelmente ele tem a própria Glória para isso. Ou talvez tenha um Batman para cada dia da semana. E sim, percebo que estou começando a parecer a Dri na sua obsessão com o Liam, coletando detalhes para ficar pensando neles depois.
Preciso. Parar. Agora. Tenho um número limitado de células cerebrais, e é melhor guardá-las para me preparar para o vestibular.
– Você costuma ler poesia? – pergunta ele, mas não de verdade, pois está olhando de novo para o Grande Além.
Dylan está em outro lugar. Não como eu na maior parte do tempo – fora de mim mesma e olhando para dentro –, mas completamente fora de si. Reconheço essa expressão. Já me senti assim: permaneço fisicamente presente e reconhecível, mas depois, quando olho para trás, percebo que trechos inteiros do dia foram roubados. Um corpo sem alma. Na verdade, não é diferente da minha mãe: lá, em algum lugar – fisicamente localizável, enterrada –, mas nem um
pouco lá. Ausente em todos os sentidos que importam.– Sim – digo. Uma sílaba. De novo. Ainda bem que ele não está ouvindo. – Quero dizer, sim, eu gosto de poesia, e li A terra desolada há algum tempo, mas não saquei direito, entende? É como uma mistura de um monte de vozes diferentes.
– Totalmente. Eu pesquisei no Google, e parece que tudo tem relação com outra coisa. É quase como um código – diz ele, e depois me olha. Está voltando a si outra vez.
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Três coisas sobre você ( imagina com Dylan K.)
RomanceE se a pessoa que vc mais precisa for alguém que vc nem conhece?