Capítulo VI | Uma carta de Paris

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A mente de Jeremy agora estava dividida entre dois principais pensamentos: a saudade que sentia de Albertine e a ânsia em descobrir a verdade sobre a mansão. Se por um lado a dor da ausência da moça o deixava impaciente e irritado, a ideia de um dia ser dono daquela majestosa casa o confortava por completo. Talvez ele estivesse sendo precipitado ao nutrir tal ambição, mas nada era concreto o bastante para arrancá-la de sua cabeça. Já estava decidido: na primeira oportunidade mostraria os documentos ao velho e faria que ele contasse a verdade. Esperava que Joseph não mostrasse resistência, mas se não conhecesse o pai ou mesmo se não tivesse herdado o mesmo tipo de personalidade – cabeça dura e inflexível – até pensaria que uma conversa educada pudesse esclarecer tudo.

Já se contavam quase vinte dias que Joseph não aparecia em casa. Viajara com a carruagem desta vez, o que denunciava ainda um longo período fora da região. Sempre carregava de dois a três malões repletos de roupas, sapatos e chapéus – algo que um homem viajando a negócios jamais precisaria carregar. Parecia prever a conversa que Jeremy o dirigiria, por isso estaria prolongando a viagem por tanto tempo, e a julgar pela absurda quantia que retirara desta vez no cofre da Ridell, ainda teria muito tempo antes que ficasse sem dinheiro para socar no decote das vadias ou para desperdiçar em jogos de baralho em cassinos.

O barulho da máquina datilográfica na sala vizinha fazia as têmporas de Jeremy pulsar no mesmo ritmo das teclas. Ellie não descansava nem mesmo meio minuto entre uma folha preenchida e outra. Seus dedos pareciam automáticos, programados a parar apenas quando o serviço fosse concluído. Por vezes Jeremy sentia vontade de também padecer desse mal, especialmente ao olhar de lado e encarar desgostoso mais uma pilha de papéis a serem lidos, assinados e carimbados. Após um longo e quase doloroso suspiro, apanhou uma porção de laudas e largou-as sobre a mesa. Procurou a caneta e encostou a ponta no papel, mas antes que pudesse assiná-lo ouviu a sineta da porta tilintar discretamente, e a porta principal se abrir e fechar no mesmo ritmo. Era difícil distinguir as palavras abafadas que vinham de lá, ainda mais com Ellie datilografando sem parar nem mesmo para atender corretamente quem quer que houvesse entrado. Poucos segundos depois a sineta foi novamente tocada, e o visitante foi embora tão rápido que Jeremy nem conseguiu ver seu rastro ao sair de sua sala, na direção da recepção.

— Quem era, Ellie?

— Oh, Jeremy, você me assustou! – ela guinchou levando uma das mãos ao volumoso peito. – Era o carteiro, deixou algo para você aqui.

— Para mim? Nunca recebo cartas!

— Parece que veio de Paris, não consegui ouvir direito.

— Tento adivinhar por quê? – ele respondeu sorridente imitando os movimentos velozes dos dedos da secretária. Ela pareceu não dar-lhe ouvidos.

A carta estava largada ao lado da máquina de Ellie, quase saltitando naquele desgastante movimento. Jeremy ergueu-a até perto dos olhos e viu que realmente era de Paris. Naquele momento sentiu como se não houvesse estômago dentro do corpo – aquele frio percorreu suas entranhas tão rápido quanto os dedos da secretária. Seria mesmo uma carta de Albertine, quase um ano após sua partida?

Talvez não. Cécile Marmont era o nome do remetente. Num curto esforço em vão, Jeremy tentou lembrar-se daquele nome, mas não obteve sucesso. Pensou que talvez pudesse ser algo relacionado à imobiliária, mas desde que soubesse a Ridell não possuía nenhum imóvel fora do país. Foi com a ajuda do abridor de envelopes que ele removeu o lacre; de dentro retirou uma única folha de papel de tom amarelo-pálido. Teve a impressão de sentir um cheiro... um perfume muito conhecido, mas talvez estivesse delirando. Desdobrou o papel, vislumbrando uma caligrafia fina e ligeiramente deitada, muito bem contornada. Era a letra de Albertine.

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora