Já passava das duas da tarde, uma tarde branca como todas as outras naquela semana, quando um aroma adocicado e atraente propagou-se pelo ar, chegando às narinas de Albertine. Estava ainda na cama, incapaz de levantar-se – embora nem mesmo sentisse vontade de deixar o confortável leito. Pôs-se a imaginar o que exalava aquele tão bom cheiro, algo entre calda de açúcar e mel, e não demorou até que sentisse o estômago produzir o conhecido som da fome. A bandeja do café trazida por Rosa encontrava-se ainda intacta, exceto por alguns cristais de açúcar sendo carregados por uma comprida fileira de formigas.
As pernas magras, estendidas por baixo do cobertor, pareciam ainda adormecidas. Albertine mal conseguia mover a coluna sem receber os golpes de dor por toda a extensão do corpo. Algo que ainda não havia assumido era que aquilo, há muito, tornara-se decididamente insuportável.
Antes que pudesse concluir a difícil tarefa de pôr-se confortável entre os travesseiros e tentar voltar a dormir, alguns ruídos vindos do jardim atraíram a atenção de Albertine. Ouvindo com mais cuidado, percebeu que se tratavam dos portões sendo abertos, logo em seguida sendo atravessados pelas duas carruagens, e novamente fechados após alguns pares de segundos. Achou curioso não ter ouvido os veículos saindo – provavelmente estava penetrada em seu sono quando deixaram a mansão – e imaginou o que criara a necessidade de duas grandes carruagens como aquelas irem juntas onde quer que fosse. Não poderia levantar-se e ir até a janela, o vento trazendo um sopro de baixa temperatura poderia fazê-la desmaiar em segundos; só lhe restava esperar alguém surgir no quarto para pôr-lhe a par do que acontecia no andar de baixo. Em certo momento Albertine sorriu por dentro, relembrando fatos passados que antes não compreendia. Lembrou-se de Jeremy gritando com ela após divertir-se inocentemente com uma cena para ele humilhante, durante uma de suas crises de dores por todos os ossos. Não só lembrou-se disto, mas também sentiu, de certa forma, que se encontrava em posição incrivelmente similar.
Pouco mais de uma hora já havia passado desde que as carruagens retornaram, e desde muito pouco após aquele instante, uma sequência de outros ruídos fazia-se ouvir de forma incessante: batidas em madeira, tábuas chocando-se ou sendo serradas – sons comuns a uma carpintaria. A curiosidade de Albertine vagou entre um reparo no estábulo, algum novo bloqueio para os portões, ou até mesmo uma casa de madeira para Ringo.
Foi apenas após mais uma porção de minutos que a porta do quarto novamente se abriu, mas não foi Rosa quem surgiu desta vez. Era Martha, trazendo mais uma bandeja.
— Rosa pediu que eu trouxesse até você. Ela preparou um ensopado leve de carne e legumes. Disse que deve tomá-lo para recuperar um pouco de energia. Também fez um bolo coberto com caramelo. Ah, não comeu nada da outra bandeja?
— Não estava com fome. Vou experimentar este ensopado, o cheiro está muito bom.
— Rosa estará aqui em alguns minutos trazendo água quente para seu banho.
— Obrigada, Martha.
A criada recolheu a bandeja trazida mais cedo, assoprando sobre os talheres a fim de livrá-los das formigas que ainda caminhavam alinhadas, e antes que pudesse sair foi chamada por Albertine.
— Martha... o que está havendo lá fora?
— Não sei dizer exatamente. Jeremy saiu com Robert e Thomas, e voltou com muitos pedaços de madeira nas carruagens, assim como muitos pregos, martelos e serrotes. Acho que está montando algo no jardim, mas não quis ainda falar a respeito.
— Hum, está bem. Muito obrigada.
Albertine esperou até que Martha saísse para apanhar a tigela preenchida quase até a borda. O aroma do ensopado revigorou por alguns instantes os sentidos da moça enferma, trazendo um apetite que ela há muito não sentia. O som incessante do trabalho tornou-se inaudível até que a saborosa refeição fosse concluída, apenas retomando o espaço sonoro do quarto após a última porção do caldo amarelo ser ingerida. Desta vez, porém, ninguém apareceu para buscar a bandeja.
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Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?
TerrorAlbertine e Jeremy cresceram juntos, e com eles cresceu também o amor. Após tragédias familiares, separações e infortúnios do destino, os dois jovens realizam o tão sonhado casamento. Uma cerimônia simples, proferida naquela que seria sua nova morad...