Capítulo V | Galeria de família

61 5 2
                                    

Menos de cinco minutos gastaram-se até que Jeremy alcançou a charrete e preparou-a com dois cavalos, sempre olhando por cima dos ombros, esperando não ser visto. O mapa, cuidadosamente guardado em um de seus bolsos, estava transcrito em uma folha branca de papel, exatamente igual ao que fora rabiscado invertidamente no verso das velhas fotografias. Depois de pronto, acomodou-se ao banco forrado a couro da charrete, agarrou-se às rédeas e comandou partida aos cavalos que tentavam despreocupados arrancar um pouco de grama do chão. Ao sair pelo portão, ele desceu e o fechou para não parecer desleixado; seguiu pela estradinha e, conforme indicado no mapa, tomou a saída ao sul da vila – a saída que desbocava na floresta.

Assim que atravessou os limites da cidade Jeremy viu-se cercado por muitas árvores altas. No início a floresta mostrava-se bastante aberta e iluminada, e até quase um quilômetro adentro ainda existiam casas, distantes umas das outras. Eram todas muito velhas, mas de aparência aconchegante, exalando leves baforadas de fumaça por suas chaminés enquanto crianças brincavam e suas mães lavavam roupas ou alimentavam galinhas. Pouco a pouco elas foram ficando para trás, enquanto as árvores pareciam ganhar terreno; estavam tornando-se maiores e mais largas, suas copas unindo-se quase a ponto de esconder o céu por completo. A estradinha destacava-se com palidez, dividida pelo estreito espaço por onde o chão se tornara morto e o mato não crescia. A charrete levantava uma nuvem de poeira que impedia Jeremy de enxergar o que ficava para trás.

Tudo o que restava de vida logo desapareceu, dando espaço ao silêncio quebrado apenas pelo galopar dos cavalos. A estrada seguia cortando-se entre arbustos muito volumosos, e estava cada vez mais se estreitando, mal fornecendo espaço suficiente para a charrete trafegar sem arrastar a vegetação nas laterais. Jeremy percebeu algumas placas que apareciam por trás dos troncos, tão velhas que não se permitiam ler. A floresta, à medida que avançada, transfigurou-se do tom verde vivo a um tom acinzentado, sem vida. O caminho se estendia suntuoso, e Jeremy por um segundo pensou em retornar, mas percebeu o quão difícil seria manobrar a charrete naquele tão estreito corredor de troncos. As árvores agora pareciam mortas – as copas completamente desfolhadas e os troncos de aparência seca reforçavam esta ideia. Discretas pontadas de medo abateram-se sobre Jeremy, mas não foram suficientes para fazê-lo desistir.

Ele açoitou os cavalos com quanta força tinha, e eles dispararam relinchando descontentes. Tudo ao redor da charrete era quase monocromático, até mesmo a luz do sol que arriscava cintilar por entre as frestas abertas pelos galhos secos demonstrava-se descolorida. Mais uma placa muito antiga, de madeira, coberta pela poeira de muitos e muitos anos, fez-se cruzar o caminho de Jeremy; poucos metros à frente dela estava o fim daquele caminho único, dando início a outros três. Puxou as rédeas fazendo os cavalos porem-se de pé nas patas traseiras, checou o mapa e confirmou que deveria tomar o caminho do meio, aquele que estava marcado com um 'X'.

Este novo trecho pareceu ainda mais estreito, mesmo que isso não fosse possível. Os galhos riscavam o ar bem próximos ao rosto de Jeremy, que agora defendia-se com o antebraço estendido sobre a testa molhada de suor frio. Fechou os olhos por alguns segundos, evitando assim receber partículas de poeira que caíam das árvores, e quando tornou a abri-los viu que agora adentrava uma clareira, muito ampla, onde as árvores pareciam mais saudáveis. Já avistava a poucos metros o fim deste caminho, um espaço largo entre os troncos que se prostravam como um muro natural. Talvez estivesse apenas vendo coisas, mas em certo momento virou-se bruscamente para trás achando ter visto alguém – ou algo – esgueirando-se por trás de um tronco tomado por ervas parasitas. Nada viu, no entanto, além de troncos e arbustos completamente silenciosos.

A estrada findou-se e os cavalos por fim pararam. Jeremy se viu em frente a um portão absurdamente grande e oxidado, repleto de detalhes arredondados entre uma barra e outra, por onde alguns ramos se enroscavam de maneira selvagem. Um imenso muro coberto de hera se estendia à esquerda e à direita, sumindo de vista por entre os troncos um pouco mais à frente. Jeremy saltou da charrete e acariciou os cavalos cansados; teriam gasto cerca de uma hora até chegarem ali.

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora