Capítulo XXVI | Adeus, Albertine

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O corpo de Albertine fora repousado sobre uma grande mesa forrada por um longo lençol branco, que cobriu até as pernas do antigo móvel. Ao seu redor Jeremy montou uma discreta corrente de flores amarelas, flores que estranhamente brotaram naquela manhã como se já conhecedores de seu triste destino. As mãos de Albertine estavam unidas, os dedos entrelaçados em posição de morte. Imóvel, como em um sono profundo, parecia ainda mais bela.

Jeremy velou a esposa com todo o pesar que um só homem seria capaz de sentir. A seu lado, Ringo compartilhava do momento fúnebre em silêncio, de orelhas baixas, os pequenos olhos negros sem o brilho costumeiro. A manhã correu lentamente, assim como a tarde e a noite, e o jovem Ridell permaneceu lá, observando pelos últimos momentos aquela tão rara beleza. Albertine se fora, mas ele se recusava a aceitar. Não conseguiu entender o que realmente arrancou sua vida, embora isto não importasse realmente. Ele jamais ouviria novamente sua doce voz, jamais receberia mais uma vez seu toque suave, seu beijo e seu abraço. E na escuridão da madrugada, Jeremy não dormiu. Nem mesmo levantou-se de seu assento – nada mais importava, nem o frio ou a fome. Queria apenas olhar para ela, para a face inerte e para os lábios gelados depois de receberem o beijo da morte.

Foi apenas ao raiar do dia que o próximo passo da cerimônia fúnebre começara a se realizar. Jeremy saiu pela porta da frente segurando uma grande chave – a chave do mausoléu de sua mãe. Mais uma vez o abriu, empurrando a tampa de pedra que selava o sepulcro. O esqueleto de Dianne surgiu frente aos olhos dele, trazendo-lhe uma leve náusea. Não sentiu asco pela visão horrenda, mas sim por saber que em algum tempo Albertine nada mais seria do que um amontoado de ossos como aquele à sua frente. Havia levado consigo uma urna de tamanho médio que arranjara no sótão, e nela depositou o que restava do corpo de Dianne Ridell. A urna foi selada com um cadeado e depositada ao lado do túmulo de pedra – túmulo este agora pronto para receber sua nova ocupante para todo o sempre.

Minutos depois, após retornar à mansão, Jeremy trazia sua esposa nos braços. A seu lado, Ringo acompanhava como em um cortejo final. O vestido caía sobre o corpo morto, e em suas mãos unidas uma flor já murcha havia sido descansada. O corpo então foi entregue ao cubículo de pedra fria, forrado por dentro por longas faixas de tecido vermelho, provocando um belo e mórbido contraste entre a pele branca de Albertine e o forro escarlate.

Jeremy tentou orar pela alma de Albertine, mas apenas conseguiu pedir pela própria. Estava ajoelhado frente à tumba, sem saber exatamente o que fazer. Pediu perdão e misericórdia, orou para uma força celestial que jamais havia antes procurado, embora soubesse que não seria digno deste perdão. O mal que causara a várias vidas jamais poderia ser esquecido pelo criador. Logo tornou a pôr-se de pé, fitando a esposa falecida por mais alguns instantes. Deu-lhe então um beijo na testa, e sem prolongar o terrível sofrimento, empurrou a tampa do sepulcro até que nenhum milímetro de seu interior ficasse visível. Virou-se na direção da porta, sem olhar para trás, e saiu.

— Adeus, Albertine – sussurrou para si mesmo.

E assim seguiu de volta ao lar,ansiando chorar e aliviar o peso de sua tristeza, mas as lágrimas não surgiram.A porta foi fechada, e de alguma forma, Jeremy sabia que para ele jamais seriaaberta outra vez.HG

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora