Capítulo XXIV | O demônio de olhos amarelos

41 3 1
                                    

Ao soar da décima primeira badalada do relógio, leves batidas na porta do quarto retiraram Albertine de um cochilo que a havia capturado. Ela levantou-se num salto e abriu a porta tão rápido quanto a alcançara; lá estava Rosa, usando o vestido que ganhara de presente de aniversário, os ombros cobertos por seu belo xale bordado. Encararam-se na escuridão até que puderam se enxergar com mais clareza.

— Já está pronta? – perguntou a governanta.

— Sim. Já estou pronta há algum tempo.

— Não descansou?

— Não senti sono, preferi apenas sentar e esperar.

Rosa sabia que Albertine estava mentindo, sabia que ela não conseguiria deitar-se ao lado de Jeremy como se nada houvesse de errado.

— Ele está dormindo?

— Acho que mais do que isso. Parece morto, a pulsação é quase inexistente e a respiração é imperceptível.

— Jullian deixou claro que era uma poção muito especial. Derramei apenas três gotas no chá conforme ele recomendou.

— Olhe para ele, parece uma estátua.

Ambas puseram-se a observar o homem desacordado, envolvido em lençóis brancos, de cabeça apoiada confortavelmente no travesseiro. Exibia uma expressão serena, porém completamente rígida. Não respirava, não demonstrava qualquer sinal de que ainda tinha vida pulsando em suas veias.

— Não se preocupe, ele ficará bem – disse Rosa procurando parecer convincente. –Está pronta, então? Poderemos esperar lá embaixo.

— Me dê só mais um minuto. Logo estarei lá.

Rosa assentiu com a cabeça e sem delongas deixou-a sozinha com o esposo adormecido. Albertine esperou até que Rosa estivesse no andar de baixo, caminhou até a cama e olhou Jeremy por mais alguns rápidos segundos. Deitou-se então a seu lado. Suas mãos deslizaram pelo rosto frio, descendo ao pescoço, alcançando os fios de cabelo negro e grosso de sua nuca. Sentiu seu cheiro, tocou-lhe a pele. Levou os lábios aos dele – lábios inanimados e quase rígidos – e assim percebeu que aquele beijo frio não era assim tão diferente de como vinha sendo nas poucas e últimas vezes que se permitira acontecer.

— Adeus, Jeremy.

O sussurro ecoou pela mente de Albertine como uma melodia indesejada e inevitável. Ela levantou-se com delicadeza, e sem olhá-lo mais uma vez, abriu a porta e saiu.

Na sala de estar, em frente à lareira, estavam Rosa e os outros criados esperando a chegada de Albertine. Ringo também fazia parte do grupo; parecia compartilhar da ansiedade de cada uma daquelas pessoas. Não conversavam, não produziam qualquer som. Apenas esperavam. Albertine seguiu até uma poltrona vazia no canto da sala e uniu-se a eles, compartilhando do silêncio aterrador.

Exatamente às onze e quarenta da noite, Rosa levantou-se repentinamente e anunciou que chegara a hora. Em poucos instantes Jullian já estaria lá, esperando na floresta. Todos os outros repetiram esta ação, e por alguns segundos aconteceu uma breve cerimônia de despedida, mista entre abraços e promessas de visitas futuras, ainda que incertas. Ringo compartilhava da despedida enroscando-se e arranhando o vestido de Albertine, como se já ciente de que nunca mais a veria outra vez.

Equipadas com seus casacos e uma lamparina para iluminar o caminho naquela noite manchada de negro, Rosa e Albertine seguiram pela trilha que levava ao portão da mansão. Os criados cessaram seu caminho na porta, e de lá assistiam a partida da jovem patroa.

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora