A chuva continuava a despencar do céu completamente fechado por agourentas nuvens. O vento soprava melancolicamente, levando consigo as folhas das copas das árvores e destruindo tudo que de mais frágil ousasse se impor a ele. Os trovões já se tornavam sons comuns a todos, como uma segunda voz na melodia da torrente encontrando-se com a terra. Jeremy estava em sua sala, os cotovelos apoiados à mesa, uma das mãos sustentando o queixo largo e coberto pela barba escura. Seu olhar permanecia fixado à janela, vendo os pingos chocando-se contra o vidro e em seguida escorrendo ao parapeito de pedra. Estava mais uma vez completamente livre de documentos ou termos ou qualquer outro tipo de tarefa no escritório. A movimentação da Ridell, após o início das chuvas, tornava-se imensamente fraca dia após dia. A grande maioria dos inquilinos vivia nas cidades vizinhas, por isso era indiscutivelmente provável que nenhum deles se atrevesse a tomar as estradas lamacentas ou se arriscasse a transpor aquela vasta floresta que encobria mais da metade do caminho até a cidade mais próxima. A localização do escritório central da Ridell não era agradável, disso Jeremy tinha certeza, e tal fato mais uma vez fez com que ele questionasse o modo de administração de seu pai. O que impedia o escritório de não permanecer completamente parado eram os próprios moradores da vila indo quitar seus débitos locatários, visto que pelo menos oitenta por cento de todas as casas e estabelecimentos comerciais do local eram de propriedade da Ridell. De fato era uma empresa com certo prestígio, até mesmo nas cidades maiores. Jeremy sentia-se desconfortável, porém, com a desgastante queda nos lucros e ocasionalmente a diminuição dos fundos da empresa – algo que agora era de seu encargo administrar. O velho Joseph agora, mais do que nunca, parecia abandonar à própria sorte aquilo que sua família levara toda uma vida para construir. Nunca estava em casa, como sempre, mas havia cultivado o hábito de, antes de cada viagem, retirar despreocupadamente generosas quantias do cofre central. Obviamente retornava sem uma mísera moeda, com aparência esgotada e roupas cheirando a perfumes baratos. Pena era talvez o único sentimento que Jeremy ainda nutria por ele, e de fato sentia um inquietante medo de descobrir que da noite para o dia a Ridell pereceria diante das irresponsabilidades do velho. A partir dali passou a reservar tudo que ganhava em salário, criando um pequeno fundo de garantia para ao menos não passar fome caso o que ele temia chegasse a acontecer.
Foi em mais um dia monótono e sem trabalho que Jeremy resolveu ocupar-se. Colocou na cabeça a ideia de reorganizar sua sala e livrar-se de tudo que não fosse útil dentro dos armários e prateleiras. Começou atirando ao lixo centenas de contratos expirados e não renovados que se amontoavam no armário maior, partindo para as prateleiras, de onde retirou mais de trinta livros tomados pela poeira e mofo. Após uma longa tarde havia desocupado generosa quantidade de espaço, e a sala agora exibia-se muito mais organizada, algo que não se via durante muito tempo. Só havia um único armário que Jeremy não abrira. Aquele no canto da sala, do qual Ellie jamais havia lhe apresentado o conteúdo. Por algum motivo ele sentiu vontade de não mexer no que descansava intocado por tantos anos, mas já que havia iniciado o serviço era de bom grado que o terminasse. As pequenas portas do armário não haviam sido abertas por tanto tempo que suas dobradiças pareceram resistir a dobrar-se, emperrando e emitindo um estalo a cada tentativa de movimento; cederam à quarta ou quinta tentativa, revelando uma atordoante quantidade de envelopes, todos muito estufados de papéis em seu interior, amarelados e afetados pelo tempo. Não demorou até que Jeremy notasse que eram apenas documentos arquivados relativos a imóveis fora de catálogo, seja por terem sido vendidos a outra imobiliária ou mesmo condenados por serem muito velhos para ainda serem comercializados. Era como um cemitério. Havia três pilhas específicas – uma para os vendidos, uma para os condenados e uma sem identificação. Interessou-se por esta última, retirando-a do compartimento após remover algumas teias de aranha emaranhadas entre si. O cheiro de papel velho tomou conta da sala; alguns envelopes continham focos de mofo, outros se encontravam roídos por traças. Foram colocados com cuidado sobre a mesa quase vazia após a limpeza.
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Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?
TerrorAlbertine e Jeremy cresceram juntos, e com eles cresceu também o amor. Após tragédias familiares, separações e infortúnios do destino, os dois jovens realizam o tão sonhado casamento. Uma cerimônia simples, proferida naquela que seria sua nova morad...