Capítulo XIII | A falsa rosa

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Mais da metade da tarde de Albertine gastara-se na leitura de um livro, abaixo de uma das árvores do jardim. A sombra e a brisa fresca, muito mais do que o conteúdo monótono do livro, faziam a moça não querer voltar para a mansão, de onde já ouvira Jeremy chamá-la um par de vezes; sabia que não se tratava de algo de suma importância, frente à calma em que ele tornou a dizer seu nome. Ringo, agora já usando uma fina coleira vermelha, saltitava de canto a canto, ora caçando borboletas, ora importunando a vida de pobres caracóis que se arrastavam pela grama.

A casa estava muito calma naquela tarde. Apenas Albertine, Jeremy e Rosa encontravam-se por lá. Os empregados haviam ido à vila a fim de buscar suprimentos; o estoque de óleo para as lamparinas estava a findar-se, assim como o carvão e os itens de limpeza da casa. Albertine não saberia dizer a hora exata, mas pela posição do sol, algo que ela aprendera quando criança, arriscaria afirmar sobre as três horas da tarde se aproximando. O céu brilhava num tom muito claro de azul, mais uma vez, em total contraste a seu estado na tarde anterior. Entre um bocejo e outro, causados pela inexpressividade do livro que ainda se esforçara em não abandonar, ela sentiu o estômago avisar-lhe sobre uma leve fome. Levantou-se, sacudiu a saia do vestido, fazendo pequenas folhas desgrudarem-se dela, e seguiu pelo caminho de pedra, o grosso livro entre seus braços. Ringo seguiu em seu encalço, sempre feliz e saltitante.

Já na sala, tudo estava mergulhado em absoluto silêncio. Jeremy estaria provavelmente perdido em um cochilo, e de Rosa não ouvia-se qualquer sinal em parte alguma. Silêncio era algo que não deixava a moça feliz, e esta sensação fortalecia-se como uma doença não cuidada dia após dia, desde que aquela antiga mansão passara a ser seu novo lar.

Seguindo à cozinha, Albertine decidia sobre onde esperaria os empregados retornarem, pois só após isso poderia ajudar a preparar o jantar. Passou pela entrada da sala de música, mas não atraiu-se por ela. Alguns metros à sua frente, a porta da cozinha estava aberta, como costumava ficar durante o dia, e só isso foi o suficiente para fazê-la perder a fome; ainda não havia esquecido o terrível incidente de algumas noites atrás, e não acolheu a ideia de estar sozinha naquele cômodo. Retornou pelo mesmo caminho, subiu as escadas e parou no corredor. No fim dele, a luz do sol espalhava-se em inúmeras cores e formas ao atravessar o vitral colorido. Albertine nunca havia parado para observá-lo, nunca percebera como era atraente.

O corredor era repleto de portas – do lado esquerdo levavam aos quartos, e do direito levavam a ambientes variados. A primeira porta era a da biblioteca, e foi até ela que a moça, decididamente, se dirigiu. Uma fina camada de poeira que descansava sobre a maçaneta foi removida ao ser apalpada pela visitante. Quando a porta se abriu, um forte odor de papéis velhos e embolorados escapou, fazendo Albertine recuar. Após recuperar o fôlego, girou o corpo e adentrou; Ringo permaneceu no corredor, sentado. Nenhum dos inúmeros chamados foi suficiente para fazê-lo mudar de ideia.

— Ringo? Não quer vir? Vai ficar aí, sozinho? – ela perguntou, realmente esperando que respondesse, mas ele apenas se deitou frente à entrada da biblioteca, apoiando a cabeça às patas da frente. Um suave choramingo fez sua dona desistir de fazê-lo entrar.

Suavemente, Albertine fechou a porta. Como ela já sabia, as prateleiras de livros estavam dispostas e separadas por gêneros, dos mais variados estilos, mas como sempre, ela somente dirigia-se à prateleira de romances. Nunca tivera paciência para livros acadêmicos, embora gostasse de vez ou outra folhear alguma enciclopédia de assuntos mistos. Na estante dos romances, o espaço vago foi novamente preenchido quando Albertine recolocou, cuidadosa como sempre fora, o entediante livro que carregava. Seus olhos moviam-se com rapidez, à procura de algum volume que lhe prendesse a atenção, e foi em Decameron que isto aconteceu. O livro estava imundo, coberto de poeira acinzentada, suas bordas corroídas por traças. Após leves tapinhas com as costas da mão ferida da moça, o pó esvaiu-se, tornando a aparência do objeto um pouco menos afetada pelo tempo de abandono. Após apoiar o livro sobre o peito com um dos braços, Albertine olhou ao redor, e pensou em ficar ali mesmo, no confortável sofá vermelho num dos cantos da biblioteca, mas lembrara-se de como o sol estava agradável naquela tarde, o que era raro nos últimos dias. Preferiu voltar para o jardim onde, além de tudo, poderia inspirar ar puro, e não aquele odor pestilento de bolor e papéis velhos que logo lhe causaria alergias.

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora