Os portões foram novamente fechados com dificuldade por Jeremy; estavam mais uma vez nos terrenos da família Ridell. Albertine nada via, nada sentia, apenas era carregada pelo esposo como uma criança adormecida. Seus braços feridos, tingidos de sangue, pendiam abaixo de seu corpo, deixando para trás uma indiscreta trilha de gotas vermelhas. A porta da frente havia sido deixada escancarada, e por ela Jeremy atravessou cuidando para não deixar Albertine esbarrar em nada pelo caminho.
A sala estava escura e silenciosa, apenas Ringo descansando em sua almofada trazia alguma vida ao deprimente recinto. Não havia qualquer sinal dos outros criados. Jeremy seguiu até as escadas e subiu lentamente cada um dos degraus sem parecer cansado pelo peso que carregava. Abrindo a porta do quarto, sem delongas adentrou no cômodo escuro, e com toda suavidade que lhe fora possível, deitou Albertine na cama, por cima do emaranhado de lençóis. Não pode deixar de notar que suas roupas, assim como as dela, estavam banhadas em sangue. Quantos litros do líquido encorpado e escarlate ela havia perdido era impossível dizer.
Depois de limpar parcialmente os ferimentos da moça e amarrá-los com faixas de tecido, Jeremy não deitou-se ao lado de Albertine. Ao invés disso, retornou ao andar de baixo; pretendia finalizar algo que havia começado.
* * *
Pouco após as seis da manhã Albertine acordou-se. Sentiu-se paralisada, confusa e totalmente decepcionada por olhar ao redor e ver que estava de volta naquele maldito quarto. Não sabia o que havia acontecido na noite anterior – tudo fora apagado de sua mente como uma borracha apaga rabiscos de uma folha de papel. Seus braços formigavam, mas mesmo assim foi possível sentir que estavam terrivelmente feridos. O vestido que usava fora trocado – usava agora um de mangas curtas, cor de creme. Ao lado da cama, sob a cômoda, estava um pequeno café da manhã provavelmente deixado para ela. Não sentia fome nem sede; apenas gostaria de entender tudo que ocorrera enquanto estava fora de si.
Após levantar-se e descobrir que mais uma vez estava a fraquejar de todo o corpo, espiou pelo corredor à procura de qualquer sinal de movimento. Estava tudo completamente quieto. Deixando a porta do quarto entreaberta para um rápido retorno, caso necessário, investigou cada um dos outros aposentos do corredor. Não encontrou ninguém em nenhum deles. Decidiu assim ir ao andar de baixo, talvez estivessem todos na cozinha, apenas esperando que ela descesse. Estariam agindo normalmente, como se nenhum plano de fuga houvesse sido posto em prática?
Do topo das escadas Albertine notou com espanto que nenhuma das cortinas, de parte alguma da casa, havia sido aberta. Todos os ambientes do andar de baixo encontravam-se em quase total penumbra. Deste exato momento, seu coração disparou e o frio na barriga fez com que se sentisse desnorteada. Algo de muito errado havia acontecido, ela sentiu no fundo de sua alma.
Chegando ao piso da sala principal, caminhou lentamente para que seus passos não denunciassem sua presença. A escuridão dificultava o trajeto, fazendo com que Albertine esbarrasse em pequenos móveis segundo após segundo. O silêncio ainda continuava imperando absoluto.
Chegando exatamente ao centro da sala de jantar, Albertine ouviu alguns poucos ruídos que sem dúvidas vieram do lado de fora. Um som inconfundível, que imediatamente levantou as mais terríveis possibilidades. Prosseguiu cautelosa sustentando-se à mesa, seguindo o som que continuava a se repetir. Chegou então a uma das gigantescas janelas encobertas pela espessa cortina; suas mãos tremiam e suavam. Com a ponta dos dedos, enquanto tentava controlar a respiração, abriu uma pequena brecha entre as duas metades da cortina, e viu o exterior da mansão, e nada além disto. Seguiu até a próxima janela, repetindo a investigação, e nada conseguiu encontrar. Ao dirigir-se à próxima vidraça, antes de levar as mãos ao tecido que a escondia, tomou um susto que a fez saltar para trás. Assustara-se ao ouvir o som de algo sendo caindo ao chão. Algo como um corpo humano. Retomou o ato, desta vez abrindo um espaço ainda menor entre as cortinas. Seu rosto foi tomado pelo pavor naquele instante. Lá estava Jeremy, usando roupas velhas, sujas de barro e umedecidas pela neve que se derretia. Em uma de suas mãos havia uma pá, e a seu lado quatro buracos cavados no chão.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?
HorrorAlbertine e Jeremy cresceram juntos, e com eles cresceu também o amor. Após tragédias familiares, separações e infortúnios do destino, os dois jovens realizam o tão sonhado casamento. Uma cerimônia simples, proferida naquela que seria sua nova morad...