Capítulo XVI | Perfume de violetas

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Jeremy levantou-se da cama depressa, com um só movimento, e em uma fração de segundo já estava parado em frente à janela. A manhã estava muito fria, e seus olhos perceberam, maravilhados, um majestoso tapete branco que cobria todo o jardim da mansão, enquanto pequenos e formosos flocos brancos caíam do céu.

— Albertine, acorde!

— Hmm... que houve?

— Venha até aqui!

— Qual o motivo de tanta animação tão cedo da manhã?

Albertine levantou-se, cheia de preguiça, e sentiu nos braços o frio que tomava conta do quarto. Envolveu-se a um dos lençóis e moveu-se cambaleante até onde estava seu esposo. Apertou os olhos ao olhar para fora, e imediatamente exprimiu uma agradável surpresa ao perceber que a primeira neve do ano estava a cair.

— Que maravilha! – ela exclamou, esgueirando-se para fora e permitindo que flocos de neve enfeitassem seus cabelos louros.

— É lindo, não? Venha, vamos lá fora!

— Jeremy, espere! Preciso pôr um vestido e...

— Vista um roupão e luvas, vamos!

— Tudo bem, tudo bem.

Um minuto depois o casal deixou o quarto e dirigiu-se à sala em meio a floreios e sorrisos animados, porém, antes de descer as escadas, Jeremy pediu um minuto a sua esposa. Retornou ao quarto, gastou alguns segundos por lá, e logo saiu, endireitando o sobretudo. Ringo já os esperava ao pé da escada, como se também almejasse o encontro com a tão bela e adorada neve – a primeira de toda sua jovem vida. A porta principal foi aberta, e o trio ganhou o jardim coberto de branco. Ringo disparou por entre os arbustos, Jeremy mexia na neve com as mãos cobertas por grossas luvas de lã, e Albertine apenas observava, maravilhada, como tudo aquilo era belo e agradável. O efeito branco era incrivelmente mais agradável naquele local do que sempre fora todos os anos que viveram na vila; para Albertine, talvez o único ano em que presenciara uma chegada de inverno tão esplêndida fora o que passara em Paris.

— Querida, venha até aqui!

— Não! Estou usando um roupão, Jeremy!

— É a última que vez que vou pedir com carinho – ele respondeu enquanto formava uma bola de neve entre as mãos.

— Não se atreva, Jeremy!

— É sua última chance!

— Já disse, não se atreva!

Mal se findou o último aviso de Albertine, e uma bola de neve foi arremessada contra ela, chocando-se e se desfazendo em mil pedaços às pernas da moça, cobertas pelo roupão de linho que descia até o início de seus tornozelos.

— Eu avisei para não fazer isso! – ela exclamou em um estranho misto de raiva e alegria, pondo-se em disparada atrás de Jeremy, que já carregava mais duas bolas de neve prontas a serem lançadas.

Tudo que havia ao redor da mansão, e até ela mesma, parecia moldado à mão para a construção de uma delicada maquete. O cenário emoldurado de branco revigorava o cansaço causado pela monotonia de, dia após dia, apenas receberem dos céus chuva e algumas poucas horas de sol. O carpete de neve pouco a pouco se tornava repleto de pegadas – algumas grandes, feitas pela botina de Jeremy, outras um pouco menores, porém mais largas, pelas galochas de Albertine, e as últimas, bem pequenas e precisas, pelas patas saltitantes de Ringo. Talvez por pura imaginação, ou mesmo por simples alucinação, Albertine atentara a um quase imperceptível detalhe em meio a toda aquela excitação. Enquanto prosseguia-se a perseguição entre Ringo e Jeremy, de um canto a outro do jardim, a moça permanecera afixada ao centro das centenas de pegadas, girando-se sobre o próprio eixo, observando atentamente o chão sob seus pés.

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora