Epílogo | Descomeço

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Alguns invernos haviam se passado quando uma carruagem atravessava a longa estrada que se estreitava por entre a floresta. O cocheiro sabia que por anos ninguém passara ali – não haviam marcas de rodas ou de cascos de cavalos durante todo o decorrer do trajeto. A estrada de terra se mostrava parcialmente encoberta pelos arbustos primaveris que transbordavam seus ramos sobre ela; os dois cavalos cavalgavam confortavelmente, sem pressa. Dentro da carruagem, apenas duas mulheres viajavam em silêncio, e assim permaneceram até que o veículo parou, e o cocheiro, com sua voz grave e intensa, disse que já haviam chegado a seu destino. Elas então desceram em frente a um gigantesco portão enferrujado, coberto de heras e trepadeiras que cresceram ano após ano.

— Vamos? – perguntou Rosa.

— Sim. Vamos. – respondeu Albertine, em tom decidido, porém assustado.

Nos portões não haviam correntes ou cadeados – estava apenas fechado pela camada de plantas que foi facilmente removida a um leve empurrão. Estavam então mais uma vez na área externa da mansão.

A grama chegava à altura dos tornozelos, e o caminho de pedra não aparecia por baixo dela. Caminharam juntas, desviando dos inúmeros galhos espalhados por toda a extensão do que um dia fora um jardim. Ao lado da mansão viram, de longe, o coreto de madeira construído pouco antes de deixaram aquele lugar; assim como os portões ele estava envolto por plantas daninhas, que aplicavam a ele uma aparência de completo abandono. A fonte, em frente à grande casa, estava vazia e suja por uma camada verde e asquerosa, exatamente como da primeira vez em que Albertine a vira. De fato, tudo estava como Albertine vira quando visitou pela primeira vez o que seria seu novo lar: uma velha mansão abandonada e entregue ao tempo e o que ele poderia lhe causar. Algo que desta vez tornava tudo diferente era, sem dúvidas, o medo de encontrá-la realmente abandonada.

— Onde estão? – Rosa perguntou, procurando algo pela extensão do terreno.

— Estão ali – respondeu Albertine, apontando para a lateral direta da mansão.

Rosa dirigiu o olhar até lá e conseguiu ver, destacando-se por entre a grama muito verde, cinco montes de terra, lado a lado. Quatro deles tinham o comprimento do corpo de um ser humano adulto, enquanto o último mostrava-se bem menor, como se cavado para o último lugar de descanso de uma criança ou de um animal.

— Acredito que nosso amigo canino também esteja naquele local, agora – Albertine concluiu, com tristeza.

Rosa suspirou, afagou o ombro esquerdo de Albertine e caminhou lentamente até alcançar os túmulos dos antigos amigos e colegas de trabalho. Iria, enfim, poder rezar diante deles.

— Tome o tempo que precisar. Estarei aqui.

Albertine assentiu com um movimento de cabeça e logo assim as duas seguiram por diferentes caminhos. O trajeto da jovem pareceu estranhamente mais longo, e ela agradeceu por isso em seu interior – quanto mais tempo levasse para chegar até lá, mais tempo levaria para saber como sua história naquele lugar realmente acabaria.

Estava então diante da porta principal da mansão. Estava empoeirada e repleta de teias de aranha, o que por si só já demonstrava que aquela entrada, há muito, não era mais usada. O selo natural fora violado quando Albertine girou a maçaneta e abriu a porta de madeira. A luz penetrou na já conhecida sala, e a jovem não hesitou em entrar; parou logo após a entrada e apenas observou tudo que a circundava. Tudo no interior da mansão era caos. Nenhum dos móveis da sala estava de pé – eram apenas destroços, pedaços de madeira e vidro. As cortinas mostravam-se apenas em trapos, os sofás rasgados e perfurados. As almofadas, que um dia serviram de cama ao cachorro de estimação da casa, encontravam-se fora de seu lugar, perfuradas e violentamente rasgadas. Até mesmo os quadros da parede preenchiam o piso, muitos deles destruídos e fora de suas molduras. Não parecia, no entanto, um ambiente destruído pelo tempo. Tudo ali fora causado por mãos humanas e aparentemente furiosas.

Albertine | Por onde seguir quando o amor e a morte cruzam o mesmo caminho?Onde histórias criam vida. Descubra agora