Florence sentou na mesa da cozinha e Oliver, o gato de Betty, imediatamente sentou em seu quadril. A sua dona ficou surpresa, até porque ele sequer o fazia com os seus pais. O velho gato laranja somente gostava dela porque ela entendia e respeitava seus momentos de introversão. Os pais da garota estavam sempre tentando animá-lo e brincar com ele, sendo que, para o gato, um dia perfeito consistia em sentar ao lado da garota e vê-la assar um bolo e tocar seu violão.
- O que você está fazendo aqui? – a ruiva perguntou à vizinha.
- Eu só queria te conhecer. Você me fez esperar mais do que eu imaginava que faria, para ser sincera.
- O que quer dizer? – o rosto de Betty estava vermelho de vergonha. Florence pensava que ela era adorável, com as suas sardas virando estrelas em uma constelação demasiado rosa.
- Bom, você me mandou flores e um bolo! Eu vim parar na sua porta algumas vezes, esperando que você sairia e passaria o dia comigo, mas você esteve se escondendo! – Florence riu.
Betty estava hipnotizada. A garota tinha cabelos pretos lisos que enquadrava seu belo rosto oval, com aquele nariz de boneca e olhos verdes. Sua voz soava como uma harmonia de anjos que desciam à terra e abençoavam os humanos. Suas mãos pareciam macias e polidas, enquanto as da menina ruiva eram ásperas e brutas.
- Me desculpe... - era tudo o que ela conseguia dizer. Ela sentia que era uma grande decepção para aquela linda garota e que esta voltaria murmurando à casa sobre o quão entediada estava em apenas alguns momentos, e Betty seria deixada sozinha a sofrer o luto causado pela própria timidez. – Eu não sei exatamente o que dizer.
A verdade era que Betty queria contar-lhe tudo sobre a sua vida. Como ela sentia que aquele lugar era pequeno demais para ela, mesmo pensando que ela também era pequena demais para o mundo. Ela não era tão bonita ou brilhante como era necessário para ter sucesso lá fora. Morria de medo de ir embora mas também faria qualquer coisa para voar para um lugar bem distante. Sua única companhia era aquele grande gato, que às vezes desaparecia para caçar os ratos em torno da casa.
Ela queria lhe dizer como se sentia sozinha o tempo todo. Apesar de ter bons pais que tentavam ser divertidos, Betty sabia que não pertencia àquele núcleo. Eles eram perfeitos demais e ela tinha defeitos demais. Sempre que estava perto deles, sonhava com um alguém, longe daquele lugar, que apreciaria todas as coisas que a faziam não se encaixar.
Florence a olhava com atenção. Ela achava que Betty era primorosa. Seus cachos ruivos estavam em um coque desarrumado, de onde algumas madeixas caíam sobre seu rosto. Sua pele mudava de cor quando tinha sensações muito fortes, como a vergonha, e suas sardas moviam-se quando sorria. Seus dentes eram levemente tortos, o que simplesmente adicionava ao seu charme.
- Está tudo bem. Eu não me importo com isso.
- O que você quer que façamos juntas? – Betty perguntou.
- Bom... - Florence olhou para o teto e ponderou. – Podemos simplesmente sentar e conversar. Mas, se você não estiver confortável com isso, talvez possamos assar alguns biscoitos e assistir um filme.
- Não temos uma televisão aqui.
- Podemos ir para a fazenda. Ou ficamos aqui, escutamos um pouco de música e dançamos pela cozinha!
Betty ficou pálida. Ela nunca poderia mostrar àquela garota como o seu corpo movia. Ela nunca sabia o que fazer com as suas mãos, onde botá-las – com certeza seria uma bagunça. Não podia ser.
- Vamos lá. Vamos assar alguns biscoitos! – a vizinha exclamou – Quer com gotas de chocolate, amêndoas ou aveia?
- Acho que temos canela e açúcar marrom.
- Ótimo.
As duas meninas seguiram a procurar ingredientes pela casa. Florence abriu a porta de todos os armários da cozinha e Betty estava sobrecarregada. Ela se sentia ridícula por não saber onde estavam os ingredientes em sua própria casa. Ela sempre ignorava quando a mãe falava sobre, já que não se via ali no futuro.
- Me desculpe – ela sussurrou.
- Que isso!
Florence achou os dois ingredientes que precisavam no armário sobre a pia e pulou de alegria. A garota ruiva sentiu aquela sua alegria a contagiar e quase pulou junto. Queria abraçá-la e chorar em seus ombros por todas as dores e toda a solução que sentia por tanto tempo.
Aquela garota era como um anjo enviado pelos Céus para fazer com que ela se sentisse pertencente à algum lugar; e mesmo que elas ainda não fossem amigas e mal se conhecessem, Betty sentia em seu coração que aquela garota ia mudar a sua vida.
Estava tudo silencioso exceto pelo vento batendo nas janelas e suas mãos mexendo na massa de biscoito na mesa de madeira. Oliver já havia as abandonado para aproveitar o belo dia fora de casa. Apesar do sol, tanto Florence quanto Betty estavam mais felizes dentro daquele chalé preparando petiscos.
Quando os biscoitos estavam prontos para levar ao forno, a menina ruiva esquentou um pouco de água.
- Gostaria de algum chá? Ou café? – ela perguntou, ganhando mais confiança.
- Eu adoraria uma xícara de café, muito obrigada. – Florence disse, enquanto checava os biscoitos a assar.
Betty pegou suas canecas favoritas, umas que ela sequer deixava os seus pais tocar, e as colocou na mesa. As duas eram de cerâmica. Uma delas era pintada de verde claro, com pequenas flores desenhadas na superfície pela dona. Ela deu esta para a bela garota e ficou com uma preta, onde ela pintou um gato laranja.
- Essas canecas são tão fofas! Adorei a arte nelas.
- Obrigada. – a menina falou, sorrindo – Eu os fiz! Os desenhos, quero dizer.
- Sério? – Florence tinha seus olhos abertos em surpresa por saber mais um fato daquela menina misteriosa. – Eu amei!
- Queria que eles tivessem uma melhor aparência, no entanto... vê essas manchas? – ela apontou para o gato da sua caneca – Não sou tão boa desenhando mas queria estilizá-las para que parecessem um pouco mais... minhas.
- Eu desenho um pouco! Gostaria de ver?
Betty assentiu e entregou um velho caderno seu, cheio de rabiscos estúpidos, para a garota. Sua vizinha começou a desenhá-la sem seu conhecimento em um ritmo incrivelmente rápido. Alguns minutos mais tarde, Betty já tinha tirado os biscoitos do forno e deixou-os a esfriar quando Florence terminou e virou o caderno para que a outra garota pudesse ver os resultados.
- O que acha?
Ela achou incrível. Em um esboço, a garota mostrou que a via como um ser humano fantástico e livre – como ela sempre quis ser. No papel, ela se via com um avental como aquele que usava no momento, mas muito mais bonito pelas mãos de Florence, e seu cabelo parecia uma juba de leão. Seu sorriso era poderoso e seus olhos, brilhantes.
Era como se Florence tivesse visto o que tinha dentro de seu coração no momento que passara pela porta. Ela estava verdadeiramente contente, finalmente.
- É tão bonito, estou sem palavras! – Betty tentou manter as lágrimas dentro de seus olhos.
- Pode ficar com você. Posso fazer muitos mais um dia, se quiser.
Betty sorriu.
Elas sentaram no sofá da sala de estar e comeram os biscoitos enquanto bebiam café. Florence começou a contar a sua nova amiga sobre como tinha aprendido a desenhar assim que ela a perguntou sobre e seguiu falando sobre como a sua vida estava indo naquela grande casa rural até que os pais de Betty chegaram e ela decidiu que estava na hora de voltar.
Ela cumprimentou o casal e correu para a fazenda, onde a sua avó a esperava sentada na varanda.
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um segredo de verão
RomanceUma garota da cidade visita a fazenda da sua avó e ali fica durante o verão, antes de se mudar para outro país para seguir seus sonhos. Imediatamente, ela fica fascinada com a vizinha - uma menina ruiva e tímida chamada Betty, que, por sua vez, tamb...