poder interno

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Betty levou Florence para casa e, assim que a garota da cidade virou as suas costas para entrar na fazenda de sua avó, ela começou a chorar. As palavras de sua namorada ressoavam em seu interior e a balançavam até a base. Ela sabia que tinha tempo limitado, mas não sabia que havia tantas escolhas no meio do limite.

A menina ruiva nunca havia tido nada como aquilo então, pessoalmente, acreditava que foram feitas uma para a outra. Florence era a mulher de sua vida e as pessoas que viriam depois em sua vida seriam sempre comparadas aquela brilhante moça.

Ela sabia que era o tipo de pessoa que teria um grande amor e pronto. Um amor inesquecível, que consome tudo. Ela sabia que daria o seu coração para a pessoa que amava alegremente, mesmo conhecendo todos os riscos de um coração partido e desconfiança.

E, apesar de nunca terem falado as três palavras mágicas, as duas adolescentes o haviam feito de maneiras não-verbais. Segurando a mão uma da outra através do bosque, preparando comida uma para a outra, saindo escondidas de casa para ver uma a outra quando a noite é escura e o mundo é quieto, tocando suas testas quando a tristeza chegava sem convite, entrelaçando seus lábios com a natureza cantando à sua volta.

Para Betty, aquilo era amor. Era amor, acordar pensando nela, em como poderia fazer os seus dias melhores. Era amor, deitar na cama, necessitando de seu calor ali. Era amor, imaginar um futuro com ela, em um chalé confortável cheio de plantas e animais e o cheiro do outono. Era amor confiar nela, dividir todos os seus pensamentos bravamente. Era amor ser capaz de ser si própria ao seu lado, descobrir mais de si própria.

Mas o fim era iminente e ela não podia controlar isso. Florence iria embora, tinha que. Betty não podia deixá-la ficar só por um amor adolescente, desistir de seus sonhos de sair do país e conhecer o mundo porque ela pensava que tinham algo fantástico.

A garota merecia viver mais do que uma vida provincial. E Betty não iria pará-la.

Ela só queria que Florence fosse feliz. E se isso significava ter um coração partido, estava tudo bem.

Ser humano e amar é sobre isso, de qualquer maneira. Ela estava satisfeita por ter sido capaz de viver algo como o que estava vivendo.

No entanto, Florence não tinha uma visão tão positiva sobre sua situação. Seu coração ardia no seu peito. Ela devia escolher. Ir embora, como sempre desejou, ou permanecer e se aproximar da garota pela qual era apaixonada.

Antes de falar com a sua avó, não havia percebido que era um daqueles momentos na vida onde se é preciso fazer uma escolha que pavimenta o caminho futuro. Mas agora que ela sabia disso, sentia que a responsabilidade era pesada demais para aguentar. Tinha apenas dezoito anos, afinal.

Apesar de não ser mais criança, queria que a sua mãe estivesse ali para abraçá-la até que adormecesse, de modo que tudo se tornaria apenas um sonho. No entanto, já estava crescida – mesmo que achasse que não tinha o conhecimento para se considerar como tal.

Ao invés de adormecer, a menina ficou acordada durante a noite inteira. Quando o sol bateu em sua janela, ela foi para o banheiro e tomou um longo banho. Após, desceu as escadas e preparou um belo café da manhã para a sua avó. Sentia que precisava dar algo de volta pela generosidade dela, por deixá-la ficar em sua casa e balançar o seu mundo durante aquele verão.

Barbara acordou e seguiu para a cozinha, onde viu a sua neta, e sorriu. A idosa tinha o seu cabelo cheio e indomável e ainda vestia a sua camisola.

- Bom dia, minha querida. – Ela olhou para a mesa, cheia de comida como pratos com ovos e salsicha, pãezinhos quentes e suco de laranja fresco. – O que é tudo isso?

- Eu sei que você acorda mais cedo que todos então quis te acompanhar. – A menina respondeu. – Queria ter mais tempo com você.

- Bom, então sente-se. – Barbara pegou um dos pãezinhos e o cortou pela metade. Lentamente, colocou geleia sobre a massa e a cheirou. Depois, derramou suco em seu copo e respirou fundo. Gostava de começar o dia pacientemente. – Quer conversar sobre algo? Posso ver que sim no seu rosto.

Florence ficou vermelha de vergonha.

- Eu queria saber como escolher, vovó. Se eu fico ou se vou. Como você decidiu?

- Eram tempos diferentes, Florence. Eu não podia ficar e casar com uma mulher, você sabe...

- É claro. Mas você poderia ter... feito algo. Você poderia ter ficado.

- Sim, poderia ter feito. Mas eu não queria ficar aqui, com a minha família. Eu tive a oportunidade, eu fui. Só olhei para trás anos depois.

- Você se arrepende?

Barbara tomava o seu café da manhã quase como uma experiência religiosa. Não esperava aquelas grandes questões logo cedo, mas entendia as necessidades de sua neta. Encheu o seu prato de ovos mexidos e algumas salsichas e começou a comer enquanto Florence sequer conseguia pensar em se alimentar.

- Não. – A senhora respondeu, mastigando a comida. – Minhas escolhas me levaram aonde eu deveria ter chegado. Deram-me uma linda filha, algumas histórias e acabei voltando para cá de qualquer maneira, e fiz a nossa fazenda a melhor da região.

- Mas e a menina, vovó?

- Querida, quando eu era jovem, eu era a única garota que eu devia cuidar. Estava tão preocupada em ir embora que não me importei com o que deixava para trás, mesmo o que, ou quem, eu amasse.

- Não posso fazer isso – Florence falou, com uma lágrima caindo de seu olho.

- Não se atreva em pensar que eu sou má por seguir os meus sonhos, garota. Você não faz ideia de como era. Só te contei a minha história porque queria te ajudar com a tua.

- Não, por favor! Sinto muito se te ofendi. – A garota estava emotiva. – Eu só estou dizendo... como você disse, são situações similares, mas também diferentes. E não acho que preciso fugir tanto assim, para deixá-la para trás.

- Você acha que ela é o seu verdadeiro amor?

- Como sequer devo ter certeza?

- Com o seu instinto, querida. – Barbara apontou para o colo da menina com a faca que usava para cortar um pedaço de bolo. – Todas as mulheres dessa família têm boa intuição.

- E a minha mãe? Ela achou que o meu pai era o amor dela e eles se odeiam profundamente.

- Talvez ele era o seu amor naquele momento. A vida muda. Pessoas mudam. Você mudará. – A senhora tomou um gole do suco e lambeu seus lábios. – Mas eu acho que, nesse caso, poderia ter sido evitado.

- O que você quer dizer? – a jovem chorava silenciosamente. Seu estômago tremia de fome mas não conseguia comer até ter suas respostas.

- Sua mãe se negou o próprio poder, negou a sua intuição. Eu acho que ela sabia que ele era problema, e foi isso que a atraiu. Pensou que podia mudá-lo.

Barbara acabou de comer e se levantou para lavar os pratos e seu copo, mas Florence não queria que ela fosse. Ainda precisava de palavras motivadoras e uma direção.

- Você vai se negar esse poder, querida? De confiar nos seus instintos?

- Eu não quero nega-lo.

A sua avó ligou a torneira e lavou tudo o que precisava. Ainda estava sonolenta pois não havia tomado uma xícara de café, mas estava feliz pela sua neta não ter tentando fazê-lo para ela. Gostava de prepará-lo para si própria, era um ritual de amor próprio.

O silêncio na cozinha era insuportável para as duas, porque a avó sabia que precisava falar algo mais. Sabia que a neta esperava uma resposta, mas ela não podia decidir o caminho da vida da menina por ela. Havia feito erros o suficiente em sua própria vida, então não podia ter aquele tipo de responsabilidade.

- Então coma. Não negue energia ao seu corpo. Não negue poder ao seu corpo. A resposta chegará eventualmente, se você somente confiar no que a sua mente te diz. – E então ela saiu para trabalhar.

um segredo de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora