uma jornada para a cidade

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Elas pegaram as suas bicicletas e foram até a estação de trem mais próxima. O veículo de Betty era amarelo como o sol e o de Florence era azul como o céu daquele dia. O vento batia em seus cabelos e fazia com que as suas almas dançassem em uma bela melodia, criada pelas rodas na grama e os pássaros cantando livremente.

Não havia sequer uma nuvem no céu, mas o sol não machucava suas peles. Também não havia muitas pessoas no caminho, mas as poucas que ali estavam as assistiam, surpresos. Não estavam acostumados com tanta beleza e barulho. Elas gritavam uma à outra pelo caminho enlameado e não conseguiam parar de rir, apesar de não contarem piadas uma a outra. Riam apenas porque a vida em conjunto era adorável. Adorável como nunca foi antes.

Era um dia normal de verão, como diversos antes, mas havia algo de diferente no ar. Era quase como se aquela pequena vila houvesse parado no tempo em preparação para algo grandioso, algo mágico.

Florence olhou para a sua namorada como se não existisse ninguém no mundo que pudesse se aparentar como um anjo tanto quanto Betty, enquanto a ruiva não tinha ideia da admiração da garota da cidade enquanto andava de bicicleta o mais rápido que podia. Suas pernas começaram a doer e seu cabelo estava em seu rosto, mas não havia nada que pudesse pará-la. Ela finalmente sentia que podia engolir o mundo, ao invés de ser devorada por ele.

Sentia-se forte e preparada com o seu corpo a doer e o som da natureza à sua volta. Era como se não existisse problemas insuperáveis em sua vida, como se não existisse nenhuma questão em sua mente, tirando-lhe a paz de espírito. Naquele momento, nada e tudo importava. Finalmente, sentia-se jovem e destemida, como tantos na sua idade.

Elas chegaram à estação de trem e amarraram as suas bicicletas no poste mais próximo. Compraram quatro ingressos para a ida e a volta. Não era a cidade onde Florence cresceu, tão grande como era possível, mas era a mais próxima de vida urbana naquela área rural onde viviam e ela só queria ter uma aventura fora dali por um dia enquanto tinha o tempo.

A viagem de trem foi agradável. Não era a primeira viagem de Betty, mas foi definitivamente a melhor. As vezes em que foi à cidade com os seus pais só tinham intuito comercial e ela nunca sequer aproveitou a cidade, tirando quando lhe compravam sorvete na loja mais antiga dali antes de voltarem para casa.

As duas garotas seguraram as mãos uma da outra durante a jornada. A mão de Florence era suave, enquanto a de Betty era dura. A garota ruiva dormiu nos ombros da namorada por alguns minutos depois que Florence leu um romance para ela, antes da chegada.

No entanto, Florence não conseguiu adormecer. A vista da janela era boa demais para ser verdade e ela não podia perder aquilo. A transformação da área rural para a cidade, mesmo que não fosse uma particularmente grande, começou com algumas lojas locais pequenas na estrada. Ela pôde ver um velho casal vendendo belas flores para jovens casais, um jovem adulto assando pão para os seus clientes, algumas crianças andando de bicicleta e patins o mais rápido que podiam.

A garota havia esquecido como a cidade também pode ter os seus detalhes mágicos porque era tão triste em sua casa. Ali, com a companhia certa e a novidade de tudo, ela podia ver novamente. Até as crianças gritando tinham o seu charme. Ela lembrou de quando era criança e como não conseguiu aproveitar a sua infância tanto como aqueles pequenos estranhos. Talvez, no futuro, seria capaz de correr tão livremente e fazer coisas estúpidas simplesmente pelo prazer de fazê-lo. Esperançosamente ainda teria a companhia certa ao seu lado.

Quando o trem parou, ela acordou a sua namorada e, entrelaçando suas mãos, pegaram o ônibus para o centro da cidade. Havia tantos prédios pequenos, o tipo em que não se vê em uma cidade moderna como aquela em que Florence cresceu. Casas a cafeterias, livrarias, lojas de música e mercadinhos. Na rua principal, acontecia uma feira dos fazendeiros e ela decidiu que queria entrar, nunca abandonando a mão de sua garota.

Betty estava maravilhada. Ela havia estado ali antes, mas, agora, era uma pessoa do lado de fora, procurando comprar e se divertir, ao invés de vender e trabalhar. Ali, encontrou belas e coloridas frutas, como aquelas que ela própria plantava em sua casa, e flores vibrantes. Ela soltou a mão de Florence e se permitiu andar sozinha para comprar-lhe um buquê.

A menina, no entanto, não sabia o que escolher. Gostaria de comprar alguma flor que refletisse a beleza de sua garota, mas era difícil encontrar algo tão divino. Além disso, Florence vivia na fazenda com as flores mais lindas da região. A menina fazendeira procurou por muitos minutos, até que desistiu.

Não existia nenhuma flor que refletisse o gênio e a luz de sua namorada.

Então ela foi atrás de Florence, que havia desaparecido na multidão de pessoas. Betty entrou no grupo e a encontrou escutando a música de um artista de rua, tocando o violino. Ele era jovem, talvez apenas alguns anos mais velho que elas, e tinha cabelos longos e castanhos. Ele tinha o seu chapéu no chão para receber um pouco de dinheiro pela sua performance.

A menina da cidade grande movia a sua cintura junto à melodia, fazendo com que o seu vestido flutuasse. Betty a viu e a abraçou por trás. De repente, Florence virou-se e tomou a cintura de sua namorada com as mãos.

- O que está fazendo? – a ruiva tímida perguntou, colocando suas mãos no pescoço de sua garota.

- O que parece que estou fazendo? – Florence riu, e a sua namorada decidiu seguir o fluxo.

Betty nunca se viu dançando em público, especialmente com estranhos a observá-la. A própria música vinha de um estranho. Mas, por alguma razão, havia liberdade em não ser conhecida. Ninguém sabia que ela era a garota tímida da fazenda que nunca olhava nenhum cliente nos olhos e só esperava os seus pais terminarem o trabalho; naquele momento, ela apenas era si própria. Completamente sem vergonha, com o cabelo voando no vento e a garota que amava à sua frente.

Florence teve que segurar as suas lágrimas para que Betty não as visse. Viviam um momento feliz, que viveria em suas memórias pelo resto de suas vidas, mesmo se não fossem destinadas a ficarem juntas para sempre – e ela não podia arruinar aquilo. Mas o violino soava tão triste e o músico parecia tão sério, tudo ficou mais difícil. A garota desejou pelo poder de viver aquele momento para todo sempre, ao invés de ter que ser uma adulta e realizar escolhas complicadas sozinha.

A escolha mais complicada de sua vida, ela sentia, seria aquela. Não havia nada mais difícil do que escolher ser independente, como sempre havia sonhado, e ser maravilhosamente apaixonada e ter uma vida em conjunto, como nunca havia imaginado.

Enquanto dançavam, ela não podia parar de imaginar se poderia achar algo como aquele amor em algum outro lugar. E ela sabia, em seu coração, que não poderia. Nem todos são tão abençoados de ter um grande amor como aquele. 

um segredo de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora