lágrimas de mãe

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Betty acordou com a sensação de que o mundo pertencia a ela e à Florence, e apenas elas. Não havia nada parecido.

Apesar de que não podia se imaginar saindo daquele lugar e se via cuidando do pequeno chalé para sempre – mesmo que não fosse o seu maior sonho – ela acreditava, agora, que havia um caminho diferente para ela. Talvez ela pudesse estudar e ser algo maior do que havia sido escolhido por ela. Talvez ela pudesse escolher.

Ela saiu da cama em um pulo. Oliver se assustou, mas voltou ao seu sono quase instantaneamente.

- Meu bebê gordo. – Betty falou, enquanto beijava a sua cabeça peluda. Ele abriu um de seus olhos mas não se incomodou em cumprimenta-la com o mesmo carinho.

Ela correu pelas escadas até a cozinha para comer um pequeno café da manhã antes de ir para a casa de Florence. Elas haviam concordado em se ver novamente no dia anterior. Na verdade, elas deveriam ter passado a noite juntas, mas os pais de Betty tinham outros planos.

A mãe e o pai da garota estavam agindo de maneira estranha. Enquanto preparavam o jantar, a mulher sequer lhe olhava. Havia algo de diferente na atmosfera, Betty podia sentir. Mas ela não estava incomodada; contanto que pudesse ver Florence naquele dia, ela não se importava com mais nada.

O café da manhã consistiu em panquecas de mirtilo com uma xícara de café, temperada com canela – assim como ela gostava. Tudo sobre aquele dia parecia brilhante demais: o sol iluminava a terra, pássaros cantavam belamente e a casa cheirava à sua comida favorita.

- Bom dia, mãe. Como você dormiu? – ela perguntou.

- Eu virei a noite inteira, não consegui dormir tão bem... - a mãe respondeu – E você, querida?

- Dormi maravilhosamente. Estou tão feliz! Tudo está tão lindo hoje.

- Estou feliz por você, Elizabeth.

A garota, agora, tinha certeza de que algo estava errado. Sua mãe tinha o olhar engraçado, como se não estivesse acostumada a ver sua criança tão animada ou a escutar sua voz em um tom tão alto. Além disso, ela havia acabado de chamá-la de "Elizabeth". Ela era sempre "querida" ou simplesmente Betty.

- Há algo de errado, mãe? Aconteceu alguma coisa enquanto você estava fora?

- Não. – Seus olhos estavam úmidos. Betty nunca havia a visto chorar; sua mãe sempre saía da sala antes para suspirar sua tristeza para longe – Nada.

A jovem não sabia o que fazer. Aquilo não encaixava nas suas expectativas para o dia. O sol deitava raios amarelos por todos os cantos, mas a casa parecia incrivelmente cinza. O ar estava pesado. De repente, as panquecas de mirtilo não pareciam tão deliciosas e tudo perdeu sua graça.

Mas, como ela nunca havia visto a sua mãe daquela maneira, assumiu que era melhor ignorar o que estava ocorrendo. Tinha certeza de que sua mãe lhe agradeceria por fazê-lo, mesmo que não o fizesse verbalmente. Então ela respirou fundo para acalmar seus espíritos e tomou um gole de sua xícara de café. Estava um pouco frio, mas ainda a acordava.

A menina não perdera a esperança para o dia. Ainda podia ser bom, mesmo que algo estivesse lhe pesando, quase que a proibindo de sair da casa.

O pai de Betty acordara antes das duas mulheres e estava do lado de fora da casa, cortando madeira para a velha lareira. Era um dia extremamente quente, então não havia sentido algum na sua atividade. No entanto, a garota simplesmente jogou seus ombros. Seu pai era um homem excêntrico; pensava que não havia nada de diferente.

O silêncio, entretanto, era demais para suportar. A adolescente desejou que o gato aparecesse, fizesse alguma bagunça na sala, de modo que todos gritassem até que aquela atmosfera pesada sumisse. Mas Oliver estava feliz, enrolado no cobertor da cama da garota.

Suavemente, sua mãe levantou e se sentou novamente. Havia lágrimas em seus olhos. A menina não pôde mais ignorar.

- Mãe! Você pode me falar, por favor, o que está acontecendo?

- Eu... - a mãe de Betty pegou uma maçã da mesa e mordeu-a fortemente. Ela precisava de algo em sua boca que a impedisse de falar.

- Mãe! – a garota estava desesperada. Tinha medo de que suas lágrimas tivessem a ver com ela (ou pior, com Florence).

Talvez seus pais haviam compreendido tudo e a proibiriam de sair da casa enquanto a menina da cidade estivesse na fazenda de Barbara. Eles poderiam fazer isso. Poderiam trancá-la em seu quarto. Ou um deles ficaria dentro de casa o tempo inteiro, assistindo todos os seus movimentos.

Ela enlouqueceria caso isso fosse verdade. Florence iria embora em algumas semanas e não poder vê-la, tocá-la e amá-la tão intensamente como poderia até o momento em que ela fosse embora... era simplesmente cruel.

- Nós ouvimos de alguns vizinhos... que você é estranhamente ligada à neta da Barbara.

Ela estava certa. Seu pesadelo se tornara realidade.

Foi como se o sol tivesse parado de iluminar aquele pedaço de terra. Betty estava fria. Seus dedos começaram a tremer e ela não tinha mais controle de suas partes corporais. Sentiu-se quebrando por dentro – seu coração em um milhão de minúsculas partes, de repente, no chão.

- Sim. – Ela confirmou. Não havia razão para mentir. Mesmo que tentasse, não seria capaz de manter a mentira. Seu amor por Florence sairia brilhando de seus poros, a maneira que suas bochechas ficariam vermelhas, a maneira que suas mãos tremeriam e seu cabelo subiria.

- Mas não somente como amigas, certo? – As mãos da mãe também tremiam.

- Não.

- O quão próximas vocês são? – A voz da mulher estava falhando. Mas, por alguma razão, Betty se sentia cada vez mais forte enquanto as palavras caíam de sua boca. Confirmando o que sentia fez com que o mundo inteiro parasse de se mover em torno do sol – e ela sentia sua história tocar os seus lábios como mel. Estava pronta para falar sobre, mesmo se sua mãe não fosse capaz de suportar.

- Como chão e as raízes das árvores. – Ela esperou alguns segundos para que os olhos da mãe se movessem até os olhos dela. Ela esperou um pouco para respirar, preparar-se para as próximas palavras. Ela sentiu um formigamento dentro de seu corpo, apenas pensando nelas – Como namoradas.

- Oh, querida...

- Eu não quero a sua aprovação, se é isso que você vai falar. Eu a amo, se é isso que está pensando.

A mãe da garota andou ao redor da mesa até chegar à sua filha. Colocou as mãos sobre os ombros da jovem. De repente, ela percebeu o quanto a sua menina havia crescido. Era até mais alta do que ela. Seu cabelo era selvagem como a natureza – impossível de domar.

Betty era uma mulher agora.

Tudo o que a mãe podia fazer era envolver sua filha e prometer-lhe que amaria conhecê-la, sua própria filha, de novo. Sentia que, em algum momento, havia perdido o seu jeito como mãe e deixou a menina crescer cedo demais, rápido demais. Sentiu que, talvez, se ela tivesse prestado mais atenção aos sinais, teria sabido antes; ou, melhor ainda, a garota simplesmente lhe teria contado o que estava dentro de seu coração.

- Sinto muito por ter perdido o seu crescimento. – Ela chorou – Se eu tivesse prestado mais atenção, teria visto isso acontecer. Eu realmente queria que você crescesse com a capacidade de ter um amor tão divino, e eu perdi esse acontecimento!

Betty não estava esperando aquilo. O aperto de sua mãe era forte. Lentamente, pôs suas mãos nas costas da mulher e colocou sua cabeça no espaço entre seu pescoço e seu ombro. De repente, começou a chorar – assim como a sua mãe.

Teve tanto medo de perder a mãe e Florence quando aquele amor estivesse ao ar aberto. Mas o sol ainda brilhava, os pássaros ainda cantavam, e as flores ainda cresciam. Seu coração era livre para ser verdadeiro.

um segredo de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora