reescrevendo o futuro

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Depois daquela tarde, elas se encontraram todos os dias. Mesmo que não houvesse muito o que fazer naquele pedaço de terra no meio do nada, era o suficiente para ficar juntas. Elas se escondiam no jardim da avó da Florence, cheio de lavandas, ou caminhavam pelo bosque. Elas sempre paravam no mesmo lugar onde tiveram o seu primeiro piquenique, mesmo querendo explorar mais. Aquele cantinho era especial para elas.

Enquanto estavam juntas, nada podia machucá-las.

Conversavam sobre seus passados e escutavam as dores e os desejos uma da outra, e guardavam aquela informação em um local secreto em seus corações. A garota da cidade deixava as palavras saírem de sua boca fácil e rapidamente, principalmente aquelas sobre sua relação com a sua mãe e seu pai – palavras que nunca professara a ninguém.

Seu pai era a sua maior decepção. Ele nunca estivera muito presente em sua vida, mas quando estava, ficava com raiva pela simples existência da mulher e da filha. Ele era frustrado demais com a sua própria masculinidade que jogava o peso nas mulheres da casa.

Ele nunca a permitiu crescer e descobrir quem era. Era uma flor delicada, incapaz de autodefesa, de modo que ele podia manipular a sua mente o quanto quisesse. No entanto, ela queria ser uma criatura selvagem, uma fera – forte o suficiente para que nada a derrubasse.

E era por isso que ela tinha planos de sair do país para sempre. Eles tinham dinheiro o suficiente para investir nesse sonho dela e, apesar de seu pai ter medo do que ela poderia se tornar, finalmente se livraria dela – isso era uma certeza.

E Florence não se importava. Ela não o amava o suficiente para se importar com o fato de que ele não sentiria a sua falta. A única coisa que lhe quebrava o coração em milhares de pedaços era a ausência de uma família que ela gostaria de ter e que ela tinha certeza que não teria no futuro pois ela tinha medo demais de repetir os erros da mãe.

Conhecia pelas histórias que o pai não fora sempre do jeito que era. Na verdade, era um homem charmoso que mentiu sobre si mesmo para uma garota jovem que só queria amor. O resto é história.

Ela era um produto daquela mentira, e ela queria ser mais.

Ela queria ser a sua própria pessoa, ao invés de ser definida pelos traumas e erros de sua família. Ela queria ter erros para chamar de seus, mas nunca conseguiu ser livre o suficiente para tê-los.

Na escola, em seus últimos anos, focava apenas no prêmio: uma fuga doce da cidade grande que não era grande o suficiente para ela. Era popular pois era bonita mas não encaixava no grupo de meninas que pegavam-na e andavam com ela como se fosse um animal de estimação.

Sua forma de expressão era desenhar, mas ela perdeu a paixão pela arte quando se perdeu no estresse. Não havia desenhado em anos. Sua primeira tentativa depois do período de seca foi o retrato de Betty, um que refez durante todas as noites que estava sem a menina pois queria a sua presença ao seu lado de qualquer modo.

A menina ruiva assistia Florence falar, seus lábios movimentando-se rápido como se a conversa fosse uma competição. Ela adorava a adrenalina da garota urbana, parecia que elas precisavam viver rápido pois não havia tempo o suficiente.

E, parando para pensar sobre, ela percebeu que realmente não tinham muito tempo.

Mas Betty era um pouco mais devagar. Ela teve uma vida bem quieta e os dias perduravam por eternidades. Ela aproveitava o presente, não tinha nenhum lugar para ir.

Foi para a escola como todas as crianças dos casais que moravam por perto mas nunca pensou em sair da região. Algumas das pessoas que cresceram com ela haviam ido embora com seus parceiros e ela se sentia presa no tempo, como se estivesse atrasada para algo, apesar de não saber para o quê estaria atrasada ou o que devia fazer, o que devia querer.

Gostaria de ir embora, pensou. Mas como sequer começaria a fazer isso? O que deveria fazer? A fazenda era tudo o que conhecia.

Gostava do conforto da natureza à sua volta e o cheiro de canela a penetrar a casa por dias após preparar biscoitos com a sua mãe. Mesmo que não falasse muito com os seus, sabia que eles se amavam e amavam-na. Seu melhor amigo era o seu gato Oliver e ela não poderia abandoná-lo.

Então ela permaneceria ali, por enquanto. Mas, desde que conheceu Florence, poderia se ver em algum outro lugar – mesmo que fosse só para segui-la e admirá-la de longe. Não pedia muito da vida ou do mundo – apenas queria ser entendida, vista e amada.

Após compartilharem seus corações, as meninas se beijavam sob o sol e escutavam os pássaros cantando suavemente em seus ouvidos.

um segredo de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora