Capítulo 2

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Eu encarei o arranha-céu diante de mim com uma imparcialidade friamente calculada; talvez um pouco fora de mim.
O fato de que eu precisava entrar naquele prédio não era importante o suficiente para me fazer sair de onde eu estava, encostada no assento da moto que me trouxera até ali.

O prédio da Força de Inteligência e Combate Japonesa conseguia ser graciosamente intimidante. Eram noventa e três andares de paredes de vidros espelhados, mostrando toda a cidade de Tokyo em cada centímetro, desde as linhas aéreas de trem até os outros arranha-céus da cidade. A sigla da FICJ se destacava acima da entrada; enormes letras em linhas retas, sóbrias e negras.
Assim como tudo ali dentro, aquelas letras eram simples e diretas, tão objetivas quanto a maioria dos nossos 395 agentes. As letras - e os agentes - não deixavam espaço para interpretações erradas ou frases entrelinhas, e tampouco floreios ou eufemismos. Era o que era, era o que precisava ser. Nada mais ou menos que aquilo.

Se eu fosse honesta, me surpreendia o quanto todos nós conseguíamos manter os valores da força japonesa.
É claro, para alguns era muito mais fácil que para outros.
Haviam as pessoas que levavam vidas simples e gentis, os funcionários das divisões de A a L, que formavam a polícia comum do Japão; e então... Havia os trinta e cinco membros da divisão S. Sete inspetores e vinte e oito cães de caça que se dividiam em sete esquadrões de cinco membros. Nós erámos os únicos em todo aquele prédio autorizados a caçar, prender, torturar, matar ou interrogar demônios.

E nós... Bem, nós éramos a divisão das pessoas estranhas, divertidas e... complicadas. As coisas que víamos, os seres que nós perseguíamos todos os dias... Algo mudava um pouco dentro de cada um dos nossos agentes todos os dias. Ser parte da divisão S poderia fazer emergir e transbordar o melhor de cada agente, ou o pior.

Mas apesar de sermos excêntricos, não era como se eu pudesse reclamar. Para se tornar um cão de caça, era necessário fazer dois testes físicos de média e alta intensidade e duas provas teóricas. E para se tornar inspetor, era preciso três testes físicos de alta intensidade e três provas teóricas. Eu jamais ousaria abrir a boca para reclamar sobre onde eu havia conseguido chegar ali dentro, mas isso não significava que eu não tinha do que reclamar, porque todos tinham...
E ali, enquanto meus cabelos ruivos gotejavam sangue humano e o sangue negro dos demônios, eu me encostava contra a moto para assistir o sol refletido no arranha-céu, e eu tinha um motivo claro para reclamar. Na verdade, eu tinha motivos o suficiente para explodir aquele lugar ainda naquela mesma manhã.
E, a pior parte, e que eu admitiria para quem quisesse ouvir, a visão de ver aquele prédio explodir naquele momento seria deliciosa.

Por um momento, a neblina mórbida que vagava através da minha mente implantou nela a imagem daquele arranha-céu indo ao chão. A imagem de todos os vidros explodindo e as chamas alcançando os céus... Eu não admitiria o quanto aquele pensamento me colocava em um impasse.
Prensei os meus lábios para conter um sorriso preocupante, sentindo as minhas mãos começarem a tremer com o frio que me cercava.

- Vamos entrar? - Misaki se aproximou.
Ela não se deu ao trabalho de me olhar enquanto digitava algo no holograma em seu pulso. Não me importei com sua falta de atenção, mas pela forma como estava alheia ao que acontecia ao seu redor, eu sabia que estava trabalhando em algo.

- Precisamos nos limpar e trocar essas roupas. Quando começamos os relatórios, Hana? E todo o resto? - Naoki tirava o seu casaco pesado e cheio de sangue enquanto me olhava.
Ele sacudiu o tecido levemente, fazendo uma careta ao ver as gotas de sangue negras e vermelhas que mancharam a calçada. Senti o meu estômago apertar um pouco com a cena. Sangue humano e sangue demoníaco não pareciam feitos para serem vistos próximos, ou sequer para serem vistos de qualquer forma.

- Pensarei nisso com calma quando estivermos no nosso andar.
Meus subordinados pareceram entender o meu comentário, já que não perguntaram mais nada enquanto passávamos pelas portas de vidro.

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