Capítulo 5

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Meus olhos se encontravam marejados quando meus lábios se uniram novamente. Esfreguei as mãos nos olhos, afastando o pouco líquido que se acumulou ali.

Olhei ao redor do cemitério monótono e mórbido e, de alguma forma, aconchegante, vendo tudo ao redor através das lentes dos óculos.
O caminho de pedras horizontal diante de mim se estendia até uma escadaria de mármore amarelado pelo tempo, e do outro lado, levava a uma pequena colina, onde uma cerejeira de galhos secos se erguia como a guardiã de algumas lápides.

Três pessoas desciam a pequena colina com lenços nas mãos e lágrimas nos olhos, murmurando palavras uns para os outros enquanto vez ou outra olhavam sobre o ombro para as lápides acima da elevação.

E diante das pessoas devastadas e do clima ainda frio, eu suspirei. E quando um casal passou por mim em direção a uma lápide a dois túmulos de onde eu estava acomodada, eu não me preocupei em como me parecia sendo vista através das expressões confusas de ambos.
Talvez fosse o fato da plataforma de pedra onde eu estava sentada ser aquecida, ou talvez fosse a minha doce falta de vitalidade habitual, mas eu estava, na realidade, apenas com sono. Não, não estava de luto. Ou pelo menos não mais.

Eu encostei a cabeça na lápide cinzenta atrás de mim, onde as minhas costas estavam apoiadas. A única indicação de que eu estava sentada sobre um túmulo era a plataforma de pedras abaixo de mim e a lápide na qual eu me apoiava, mas eu não ligava para como aquilo se parecia, ou o quão estranho parecia. Aquilo era uma espécie de superação pessoal que havia se tornado rotina, e não me incomodava nem um pouco que continuasse sendo exatamente daquela forma.

No começo, há seis anos, levei meses para simplesmente encarar aquela lápide por mais de um segundo; e talvez apenas depois de um ano tenha de fato conseguido não soluçar ao ler o nome escrito na pedra atrás de mim. Entrar naquele cemitério, percorrer uma multidão de túmulos e subir aquelas escadas de mármore, caminhar pelo corredor de lápides e então assistir os túmulos, a cerejeira na colina, as pessoas e todas as fases do luto possíveis... A rotina havia se tornado estranhamente terapêutica.

Aquele não era o único túmulo que eu costumava visitar, mas ele ficava abaixo de uma árvore — totalmente nua com o inverno — e em um ponto mais alto no cemitério, o que me permitia uma visão ampla para a entrada do local e todas aquelas lápides em estados diferentes de luto e decomposição. Não havia outra palavra para descrever tudo aquilo senão terapêutico.
Haviam as lápides repletas de flores, que reluziam; e ao mesmo tempo, haviam lápides que, eu sabia, não recebiam uma única rosa há muito mais que alguns meses. E aquele contraste me tinha por horas. Às vezes, apenas uma ou duas vezes no mês, outras três ou quatro vezes, e outras, semanalmente.
Normalmente, minha visita dependia inteiramente do quanto os dias eram difíceis, e naquele mês, aquela era a primeira visita. Enquanto erguia as pernas para abraçar os joelhos, eu não consegui evitar sorrir ao pensar naquilo.

Meus olhos dourados se viraram para a plataforma em que eu sentava, dando de cara com as rosas que eu havia levado naquela visita.
Minha mão enluvada em couro acomodou melhor as flores, bocejei novamente. Fechei os olhos com a cabeça ainda apoiada na lápide, largando os dois braços sobre os meus joelhos dobrados.

Enquanto estava ali, permiti que a minha mente percorresse todos os lugares possíveis, mas tudo que continuava surgindo no meu cérebro eram os dois últimos casos da FICJ. Aquele maldito incidente no armazém Sawasaki e o assassinato daquela família me mantinham acordada por boa parte da madrugada, e ainda assim, nós não sabíamos quase nada.

Reuni cães de caça dos outros esquadrões para procurar pelo demônio foragido ao redor do bairro, mas ninguém conseguiu encontrar nada além de rastros de sangue que se esvaiam aos poucos na esquina de uma rua. Nós sabíamos que ele não voava, ou não teria se dado ao trabalho de andar até aquele ponto, mas talvez aquilo significasse que alguém o havia ajudado. As câmeras de segurança das casas ao redor do bairro não mostravam mais do que já sabíamos: um demônio repleto de sangue andando pelas ruas.

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