Eu sequer conseguia me manter firme sobre os meus calcanhares, exaustivamente respirando fundo contra a parede de madeira na frente da clínica, agora manchada com o mesmo sangue que manchava minhas roupas, luvas e braços.
Entrelacei as mãos enluvadas em couro repleto de sangue em frente aos lábios, assistindo enquanto o grupo de emergencistas e hagamas se preparava para levá-lo, e quem sabe, conseguir mantê-lo vivo... Porque eu não tive sucesso nisso. Eu definitivamente não tive sucesso nisso. Tentei por muito tempo fazer o possível: as técnicas certas, a massagem cardíaca, toda a merda do procedimento necessário, e ainda assim...
Aquela criança foi pega em meio ao tumulto de demônios, hagamas e funcionários da clínica; tudo aconteceu de forma tão rápida que agora se tornava doloroso para mim simplesmente estar parada ali e vê-lo sem respirar, tão pálido quanto um cadáver. Eu torcia tanto para que ainda não precisássemos considerá-lo um...
Minha cabeça latejou. A intensidade da dor repentina me fez fechar os olhos, pressionando as mãos ainda cruzadas entre as sobrancelhas. Sei que provavelmente estava me marcando com o sangue, mas aquilo ficaria para os minutos seguintes, não os atuais. Como eu falaria com os pais dele? O que eu poderia dizer? A simples ideia de que a qualquer momento aquela equipe anunciaria o horário de morte me fazia segurar a respiração por tempo demais.
- Inspetora, - Misa chamou por mim, parando de pé ao meu lado. A olhei no mesmo instante. - conseguimos os contatos dos familiares. Os pais dele estão vindo.
- Perfeito... - Murmurei, fechando os olhos com mais intensidade.
- Inspetora, - Chamou uma das enfermeiras da equipe de emergência, equipe essa que agora retirava uma maca da ambulância. - nós estamos otimistas com a situação do paciente, embora não possamos prometer nada ainda. Vamos levá-lo ao hospital agora. Como gostaria de fazer isso?
- Tem alguma chance de esperarem um pouco mais? Os pais dele estão vindo para cá. - Noah entrou na conversa, as mãos na cintura e a camisa amarelada manchada com sangue.
- De forma alguma. - Respondeu ela. - Ele não vai aguentar ficar aqui por mais tempo, precisa receber ajuda dos aparelhos e dos outros especialistas. Inspetora? - Ela chamou por mim novamente.
Exalei profundamente. - Podem levá-lo, vocês sabem o que fazem. Vou entrar em contato com os pais dele e dizer para irem ao hospital. Por enquanto, façam tudo como julgarem melhor para salvá-lo.
- Obrigada. - Disse ela, correndo em direção a sua equipe novamente para dar a notícia. Em poucos segundos, estavam posicionando o pequeno corpo da criança na maca, imobilizando e cuidando de cada parte antes de colocá-lo na ambulância.
- O que quer fazer sobre a imprensa? - Disse Naoki, aproximando-se com seriedade enquanto ajustava o comunicador com fio no ouvido. - Posso dispensá-los.
- Não sem antes explicar tudo isso. - Interviu Julie, parando ao lado dele com a arma ainda em mãos, a mira voltada para o chão. Só então lembrei que a minha arma estava presa na coxa, sendo mantida no lugar pela placa presa ao meu corpo. Estive tão preocupada com a criança que por um instante esqueci que estava armada. Exercendo o tipo de trabalho que eu exercia, aquilo não era algo que eu poderia me dar ao luxo de esquecer. - Se saírmos assim, isso vai repercutir muito mal. Mesmo que todo mundo aqui tenha te visto sobre aquela criança por minutos tentando fazê-lo acordar.
Eu descruzei minhas mãos para cobrir o rosto, enterrando cada parte dele entre elas. - Oh... - Só então percebi que as luvas manchariam o meu rosto com o sangue.
Misa estendeu para mim um pedaço de tecido rasgado que havia sobrado da roupa de um dos demônios detidos. Esfreguei o tecido no rosto, acompanhando com os olhos enquanto a ambulância deixava a rua, seguindo para o hospital mais próximo da clínica.

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Fanatismo
Fiksi UmumNo ano de 2437, em Tokyo, um acidente no armazém do Hospital Sawasaki é o estopim de uma cadeia de eventos catastróficos que faz com que todo o Japão passe a questionar a coexistência com os demônios, criaturas de origem desconhecida que residem na...