Tokyo, 2437.Kai Kubokawa.
A primeira coisa que senti foi o calor que me rodeava. E ele parecia, de alguma forma... seguro; talvez calmo; seja como fosse, eu decidi que não moveria um único músculo, não com o ardor dos cortes em minhas costas e braços, não quando eu sentia o meu corpo tão pesado.
Após o calor inebriante, senti cheiros. Cheiro de limão e eucalipto, fumaça de incensos e chá. Os cheiros frescos me tornaram ainda mais acomodado quando os inalei. Meu corpo pesava cada vez mais com a necessidade de continuar ali, perfeitamente petrificado.No entanto, onde exatamente eu estava fazendo planos de permanecer petrificado? O calor e os cheiros me pareciam familiares, e por isso lutei para lembrar onde estava, mas minha mente estava confusa, repleta de imagens e acontecimentos que eu não reconhecia como meus, como se jamais os tivesse vivenciado. Em que horário do dia eu estava? Dia ou noite? Manhã ou tarde?
Tudo parecia uma enorme manipulação de acontecimentos, cheiros e sensações para suspender a realidade. Até mesmo a sensação dos fios do meu cabelo contra meu rosto parecia errada, deslocada.Apesar da necessidade do meu corpo de me colocar de pé e pronto para me manter seguro, eu permaneci descaradamente imóvel, deitado de bruços em um emaranhado de lençóis no chão, pelo que algum resquício de lucidez finalmente conseguiu identificar. E então, o mesmo resquício de lucidez sentiu mãos repousarem sobre os meus ombros.
Sem qualquer cerimônia, o meu corpo se tornou completamente alerta. Ainda assim, permaneci imóvel. Talvez pronto para uma investida contra aquelas mãos, talvez apenas desnorteado demais para fazer qualquer coisa. As mãos nos meus ombros tocaram algumas das cicatrizes e cortes em minhas costas, sem qualquer hesitação. Ouvi uma voz sibilar algo enquanto as mãos repousaram firmes no centro da minha coluna. Quando alguém pareceu forçar o próprio peso sobre mim, abandonei totalmente a ideia de continuar dormindo.
- Levante e coma alguma coisa. Você parece um cadáver desde que se jogou aí.
A voz era inconfundível. E conseguindo identificar tal timbre, a lucidez finalmente me atingiu. Lembranças do dia anterior emergiram em minha mente uma após a outra, me deixando saber cada detalhe do que eu nem ao menos sonhei ter vivido.
As mãos mais uma vez jogaram todo o peso daquele corpo sobre mim, e eu não pensei duas vezes antes de agarrar um dos travesseiros lilás.
- Ayato! - Grunhi, lançando o travesseiro cegamente contra o rosto do demônio. A minha mira era miserável, a força do golpe, cômica.
Eu ouvi uma risada despreocupada preencher o ambiente e me virei lentamente para buscar o dono daquele som.Meus olhos imediatamente se fecharam quando a luz das janelas imensas me atingiu, mas os abri, e os mantive dessa forma enquanto olhava ao redor. Havia de fato um emaranhado de lençóis brancos e roxos no chão, acompanhados de travesseiros e almofadas.
E eu... estava totalmente sem roupas enrolado em um dos lençóis? Não... Não, eu não estava nu. Senti a calça jeans roçar os músculos das minhas pernas por baixo do lençol no instante seguinte. Estava desabotoada, mas definitivamente ali.
Voltei a olhar ao redor.
Eu estava no chão da pequena sala de estar do apartamento de Ayato, diante do sofá cinza. A mesa de centro havia sido afastada até a janela, e no chão, ao meu lado, observei o incenso queimar.A porta da cozinha estava aberta, e pude ver uma xícara de chá fumegante na bancada, enchendo todo o cômodo com seu cheiro; eu só precisei respirar um pouco mais profundamente para ter certeza: chá de menta e hortelã. Suave e revigorante, mas não era forte o suficiente para trazer a minha lucidez de volta, certamente nada que me interessasse, e tampouco nada com álcool.
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Fanatismo
General FictionNo ano de 2437, em Tokyo, um acidente no armazém do Hospital Sawasaki é o estopim de uma cadeia de eventos catastróficos que faz com que todo o Japão passe a questionar a coexistência com os demônios, criaturas de origem desconhecida que residem na...