Capítulo 3

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Congelante.

Mesmo que cada centímetro daquele apartamento fosse aquecido, o frio havia me chacoalhando brutalmente para fora do sono pesado em que eu estava. Em algum lugar entre o sono e a realidade, eu, de alguma forma, consegui prensar os lábios.
Aquele era um novo tipo de frio, percebi, ao sentir a cama quente contra mim. Eu era a única coisa fria ali?

Ainda de olhos fechados, rolei nos lençóis macios, me aninhando em um novo ponto na cama, sentindo os tecidos quentes tocarem minhas pernas nuas. Pensei que só poderia me limitar ao resultado mais óbvio com as pernas expostas daquela forma, é óbvio que estaria frio quando eu vestia apenas uma camisola curta. Puxei o cobertor até que cobrisse minha cabeça, me encolhendo um pouco mais entre o emaranhado de lençóis.

- Que ideia ridícula... - Murmurei ainda de olhos fechados, ou pelo menos imaginava que sim. A voz não havia passado de um sussurro rouco no escuro.

Quando rolei pela cama pelo que parecia ser a milésima vez, grunhi em frustração e, finalmente, abri os olhos.
Pisquei algumas vezes, lutando para mantê-los abertos, mas as minhas pálpebras pareciam pesar tanto que os fechei novamente. Não sabia se havia se passado alguns segundos ou se havia chegado a ser um minuto, mas permaneci de olhos fechados até que o frio me percorreu novamente. E então os abri novamente, erguendo as sobrancelhas, arregalando os olhos, tentando não ceder ao peso das pálpebras da melhor forma que eu conseguisse.

O quarto estava totalmente preenchido por uma escuridão profunda, que se projetava por entre cada um dos móveis e cantos, entre os meus cabelos e por todo o meu corpo.
Encarei aquela escuridão que me cercava como se encarasse uma velha amiga, uma muito antiga e inquebrável companhia. Ela parecia me encarar de volta como se apreciasse uma parte de si da qual gostava muito. Ela havia me adotado ou eu havia me vendido para ela...? Eu não sabia se era culpa do sono ou do meu humor altamente duvidoso, mas soltei um leve riso anasalado com a ideia.

Eu me vi encarando a escuridão pelo que me pareceram alguns poucos minutos, até que o frio arrepiante estava ali novamente, me cercando. Eu queria conseguir personificar aquela temperatura, gostaria que tivesse alguma pessoa a quem recorrer, alguém para implorar ou ameaçar para que meu frio não voltasse.

Grunhi baixinho novamente. Eu era o tipo de pessoa que não conseguia estar feliz ao acordar cedo, boa parte do que eu fazia pelas manhãs envolvia grunhidos e suspiros. E com todo aquele frio...
Quando eu tive a brilhante ideia de usar uma camisola como aquela para dormir no inverno? Algum lugar do meu cérebro havia parado de funcionar?

E então, tão rápido quanto aquele pensamento me ocorreu, os meus olhos de fato se abriram. Pela primeira vez na eternidade em que havia durado os últimos minutos, eu acordei. Dessa vez, acordei como se nem ao menos estivesse dormindo antes.

A ideia de vestir uma camisola não foi minha. Eu não me lembro de tê-la vestido. Tudo que lembro era de sair para beber com os amigos do trabalho, e então... Mais nada. Eu não conseguia lembrar mais que borrões de luzes, suor, dança e álcool.
Sem qualquer pudor, o gelo tomou conta da minha espinha, da minha barriga.

Saltei na cama, sentando com olhos arregalados na escuridão infinita ao meu redor. Comecei a tatear o meu corpo sem enxergar um único ponto de luz. Tateei cada curva e centímetro de pele, cada canto. Pude sentir que não havia nada ali, mas eu precisava ver.

- Luzes! Janelas! Luz! - Lancei comandos para a escuridão, o coração acelerado, mas me mantive respirando profundamente, encenando o retrato da mais pura tranquilidade para as paredes, para mim mesma.

Em instantes, a escuridão do lado direito começou a se modificar, a se esvair lentamente. Eu observei enquanto as cortinas grossas e pesadas começaram a subir, enroscando ao redor do enorme cabo de madeira no alto da parede. Quando terminaram, a imensa parede de janelas de vidro fumê estava totalmente exporta, revelando os prédios de Tokyo e a fraquíssima neve que caía de manhã cedo. A luz da manhã adentrou o quarto como um cavalheiro cobiçado adentraria um salão de festas, reivindicando cada canto e atenção para si, mesmo que estivesse totalmente alheio aos que o admiravam e aos que se enchiam com algo caloroso diante da sua presença.

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