A insensatez da agressividade

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Era manhã de quarta-feira, faltava dois dias para o começo das férias de verão e o plano de sequestrar Betina Poleman estava dando certo. Mas porque Hale ainda tinha isso na cabeça? Era realmente uma atitude infantil? Por que ele insistia num plano tão bobo? Se fosse descoberto, poderia ser detido com 17 anos e isso com certeza acabaria com sua chance de se formar, mas tinha algo em Betina que o incomodava, aquilo tinha deixado de ser apenas um alvo de apostas, era pessoal.
No auditório vazio, Betina terminava de repintar alguns tijolos, ja havia pregado as árvores e, com ajuda de amigos do Teatro, conseguido mais verba com Judith para a peça, Carol poderia comprar tecidos e folhas falsas para enriquecer o figurino e cenário.

- Ei, gata.

Betina ouviu, como ela estava sozinha no local, só poderia ser com ela. Como o auditorio era um lugar escuro, a tal pessoa estava ofuscada pela luz dos corredores e o burburinho dos alunos, então pô a mão sobre os olhos e se deu conta de estava em má companhia.

- Não. - balançou a cabeça. - Me recuso.
- Do que você tá falando?
- Eu não quero estar no mesmo lugar que você, Hale.
- Você sabe que a gente estuda na mesma escola, né? Ou algo na sua cabeça sequelada te impede de saber disso?
- Vai se foder.
- Insultos pela manhã... Me deixa energizado.
- Olha, eu vou te ignorar e voltar para o que eu estava fazendo.
- E o que era?
- Pintando.
- O que?
- O cenário.
- Pra que?
- Pra peça.
- Que peça?
- Ai Hale, some! - Betina deu um gritinho, fazendo o rapaz rir.
- Te irritar é meu esporte favorito. - disse se debruçando sobre o palco, ficando perto das costas de Betina.
- Pena que você é simplesmente péssimo em tudo que faz. Até em existir.
- Fico pensando... - Betina arqueou uma sobrancelha, fingindo surpresa. - Você me ataca de graça e não gosta que eu faça o mesmo.
- Simples, eu odeio você.
- E pratica bullying comigo? Que descida de nível, Poleman.
- Sinceramente, eu até tento ser pacífica, mas você me tira do sério e me faz perder os limites da ignorância!

Enquanto Betina esbravejava sem olhar na direção do rapaz, ele ia se aproximando de seu corpo, até tocar a lateral de seu braço na coxa da menina. Parcialmente, foi intencional, queria ver o que ela estava fazendo já que estava sentada de costas para a porta, porém não percebeu que estava colado à ela.

- Se você não fosse tão nojenta, eu diria que você é boa com isso.
- Isso o que?
- Pintura e artes... Essas coisas.
- Já que você não disse, não tem porque eu agradecer.
- E tem cheiro de tinta.
- É por que são tintas. - Betina mostrou as latas de tintas. - Você tá literalmente no meio de um monte.
- Falo de você. - Hale deu uma fungada perto do ombro da menina. - Cheiro forte.
- Doss, para de me cheirar como um cachorro. E sai de perto de mim!
- Ahm... É. - percebeu que realmente estavam muito juntos. - É sempre bom te irritar, Poleman.
- Você não pode ignorar minha existência?
- E te deixar em paz? Não...

Betina se levantou rápido e pegou uma lata grande de tinta.

- Se você não sair daqui agora, eu vou jogar isso em você.
- A Carol vai odiar. - cruzou os braços, a olhando de baixo.
- Caguei. Vaza.
- E provavelmente você vai pra detenção de novo.
- Já disse que caguei, agora some daqui.
- Faça isso. - ele provocou.
- Hale Doss, eu não estou brincando.
- Tá, Poleman. - num pulo, Hale subiu no palco e novamente estava muito próximo da menina. - Você só ameaça, não tem coragem. Eu não espero nada de você por isso. É decepcionante.
- Ah é?

Com o balde que estava na mão, ela só o virou e logo parte da calça e os tênis de Hale estavam tomados por uma camada de tinta verde musgo. Betina sorriu, sabia que tinha o deixado furioso, mas não esperava uma explosão de fúria tão próxima de si.

- Tá maluca?! - Hale gritou, segurando os braços de Betina.
- Você duvidou. - não se mostrou abalada mesmo que seu coração estivesse acelerado pelo susto.
- Você vai limpar essa merda!
- Limpa você! São suas calças cagadas. - ela riu com a piada.
- Não me faça cometer uma loucura, Betina Poleman.
- Você tá me machucando. - disse baixo quando sentiu as mãos dele apertar mais seus braços. - E me solta!
- Você é uma vaca. E vai pagar por isso. - a soltou lentamente.
- Se meus braços ficarem roxos, quem vai pagar vai ser você! - ela apontou seu rosto. - Pode ser considerada agressão física e você vai preso, seu merda!
- Me denuncia. - Hale estava furioso mas conseguia mandar esse sentimento pra longe quando o assunto era vê-la irritada, era um propósito. - Vou te mandar fotos do meu pau quando estiver preso.
- MEU DEUS, SOME DA MINHA VISTA!

Betina gritou com raiva o empurrando, Hale tombou rindo das investidas da menina ligeiramente mais baixa que ele, era até divertido, pensou, mas deixaria sua energia para sexta-feira quando concluiria o plano com os rapazes. Saindo do auditório, Hale refletiu, ultimamente se ocupava em saber o que Betina fazia no dia a dia, onde ela estava, com quem, só pra implicar com a menina. O que ele não sabia, era que esse era o jeito mais antigo de começar a amar alguém, o cérebro finge odiar e do nada se dá conta de que era amor. Lembrou-se de como ela arregalou os olhos castanhos quando a segurou pelos braços, eles sempre mostravam surpresa mas nunca medo, mas a surpresa se transformava em desdém e deboche em questão de milésimos... Os olhos não mentem, ela o detestava tanto a ponto de achar graça.

***

Betina estava no banheiro depois da Educação Física, cansada e suada, rindo com Moira sobre como os shorts do sr. Roberts eram apertados e as incomodava, de relance viu os braços vermelhos no espelho, amaldiçoou o dia de nascimento de Hale Doss e se lembrou de seus olhos escuros olhando fixamente para os seus, pareceu sentir o cheiro da raiva que ele tinha ficado ao ver suas peças sujas por ela. Os olhos não mentem, ele não gostava dela e pelo jeito faria de tudo para que ela se sentisse mal.

- Tá pensando no que? - Moira perguntou enquanto lavava o rosto.
- Ahm... Eu tenho que fazer um monte de coisas no Teatro. - desconversou.
- Até o final do ano, né?
- Praticamente. A gente encerra antes do feriado de Ação de Graças, mas, por incrível que pareça, ainda tem muita coisa pra fazer. Os cenários não acabam, fora que a Carol ainda não escalou os atores para tirar as medidas das roupas que precisam ser novas ja que as que tinha eram de doze anos atrás.
- Caroline Seewet é enrolada, todos deveriam saber.
- E como você sabe?
- Eu já fui do Teatro, né amiga. - ela piscou convencida.
- Você fez uma peça e não estava nem escalada, Moira.
- Foi o suficiente. - seus olhos se perdiam no horizonte. - Enfim! Vai dar tudo certo, se quiser eu te ajudo, eu sei costurar.
- Eu sei, você faz minhas saias. - Betina piscou. - Mas não sei quem são os atores escalados, os testes são amanhã.
- Eu vou fazer. Moira Ackleberg para a Ama de Julieta Montecchio! - ela mostrava num outdoor imaginário.
- Ama de cabelo verde... - Betina riu. - Não vai fazer pra Julieta?
- Amiga, eu sou uma ótima atriz mas não tão boa pra ser Julieta. Você deveria fazer.
- Ok, você está insana.
- Tini, você ficaria incrível! Uma Julieta feminista e misandrica!
- Não sou misandrica, Moira!
- Nunca vi você gostando de algum homem que não fosse... Na verdade, nenhum.
- Apenas ainda não apareceu um da espécie que não fosse um babaca de pau negativo.
- Você perdeu a virgindade com o Jonah Bishop, ele tinha pau grande?
- Não.
- Eu posso falar que talvez esse seja o problema?
- Não Moira, não. Sua ridícula.

Os erros que cometemos quando éramos cegosOnde histórias criam vida. Descubra agora