Sua Julieta

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No Clube de Teatro, atrás do palco, Moira anotava cada detalhe, olhando fixamente para o vestido no corpo da sua amiga, ajustando mangas e cintura, o busto folgado e a altura da barra da saia, na cabeça dela, Betina tinha que estar perfeita e os croquis começaram a tomar forma quando viu a amiga dentro de um dos seus desenhos. Todo em veludo azul escuro esverdeado que lembrava o mar à noite, o busto e cotovelos em linho, um corset cobre com desenhos delicados na barriga, Betina não conseguia se enxergar no reflexo.

- Você tá perfeita. - Moira sussurrou enquanto terminava de alinhavar a bainha da saia.
- Essa não sou eu.
- Óbvio que não, é Julieta. E tá perfeita.
- Mas não combina, Moira. Fora que meu cabelo não tem nada a ver com uma mocinha virgem do século XVI.
- Ai amiga, só fazer umas tranças ou... presilhas. Mas assim te deixa com ar de Joana D'Arc, uma Julieta feminista.
- Julieta feminista? Logo ela que morreu por causa de pau?
- É amor, Tini, coisa que a gente não entende ainda.
- É... Por falar em "amor", acho que eu fiz besteira.
- Que besteira? - Moira perguntou distraída.
- Quando eu fiquei aqui sozinha com o Hale, na semana passada...
- Ahm...
- Eu disse que eu gostava dele.
- Ahm...
- "Ahm" o que, Moira?
- Pera, o que? Você disse que gosta dele?
- Foi o que eu acabei de dizer.
- Desculpa, não prestei atenção, to dando pontos fechados pra manter a bainha presa, só um minutinho. - Moira levantou e deixou aos alfinetes e agulhas em cima de uma mesinha de plastico. - COMO É QUE É?! VOCÊ ASSUMIU QUE GOSTA DELE?!
- Nao foi isso exatamente, calma. Ele ficou enchendo o meu saco e eu disse que gosto dele.
- Ue... Mas você gosta?
- Não sei, foi legal ficar sozinha com ele por um tempo, a gente riu e conversou, ele disse que queria ser meu amigo ou algo do tipo que não fosse se matando por aí, eu fiquei nervosa e fui dormir na outra sala.
- Que linda, toda tímida.
- Não fiquei tímida, só desconfortável. Ele tava ali, sozinho comigo... E se ele quisesse me beijar?
- Caralho, Betina, qual o problema?
- Não to preparada!
- Betina, você é empoderada, idosa ja, ta com medo do Hale te dar um beijo por que provavelmente ele gosta de você?
- Termina logo esse vestido que eu to ficando com calor! - Betina mudou de assunto.
- Você ta igual a uma criança... Lamentável.
- Eu não quero me foder.
- Ele que vai te foder, se Deus quiser, amiga. Que medrosa, pra quem perdeu a virgindade num festival de trance, ficar com um gatinho da escola é pinto.
- Você acha o Hale gatinho?
- E você não? Alto, forte, aquele cabelo grande agora ta uma gracinha, fora os olhos... ele tem um olhar intenso. E ESSES OLHOS BRILHAM POR VOCÊ. Cara, o Hale só falta babar...
- Parace que você gosta dele.
- Não, eu gosto do Greg, mas eu presto atenção em detalhes a mim volta e o Hale é doidinho por você. Aliás, doido mesmo, já que vocês ficam nesse vai e não vai.
- Acho que ainda não to pronta.
- Betina, se joga.

Moira piscou para a amiga e avisou que já voltava, saindo pela cortina da frente dos fundos do Teatro, a morena ficou se encarando no espelho comprido, dentro daquele vestido quente que apertava seus seios, ainda não tinha certeza de que queria dar esse passo longo, estabelecer a paz entre mundos, entra famílias já que estava vestida de Julieta. Havia se passado uma semana depois que os dois ficaram sozinhos na escola, não haviam tocado no assunto de  Betina ter deixado escapar que gostava dele, também não deu detalhes de como era esse sentimento, não passaram muito tempo juntos desde então, eram sempre aulas separadas, reforço em salas separadas, mesmo no Teatro ficavam distante um do outro por estarem cheios de tarefas, nem os olhares significativos do rapaz ela estava recebendo, nem ensaios juntos, nem almoço, não ouvia a voz de Hale há uma semana.

- Amiga do céu! - Moira entrou correndo.
- Que foi?
- Aluna nova. ALUNA NOVA.
- No final do ano? Que estranho.
- Super. O nome dela é Veronica Simpson e ela é uma deusa de olhos verdes. Ela parece uma versão adolescente da Diana Prince. Ela é do terceiro ano... acho que dá sala do Doss.
- Bom pra ela. - algo se remexeu dentro de Betina.
- Pode ser uma ameaça...
- Posso tirar essa coisa quente? Tá me sufocando! - Betina bufou.
- Ok.

Betina desvestiu a peça de veludo e logo estava de sutiã e saia atrás do palco, sentia o peito subir e descer com a respiração, Moira achou estranho enquanto colocava o vestido no cabide.

- Você ta morrendo?
- Acho que é uma crise de ansiedade.
- Ai, puta que pariu... O que eu faço?
- Cadê minha blusa? Quero beber água.
- Eu vou pegar.
- Não, eu vou lá beber, tenho que andar. - Moira jogou a blusa e a morena vestiu. - Já volto.

E quando Betina ia saindo do auditório.

- Ei, você aqui...
- Doss... Oi.
- Eu não esperava te ver.
- Acho que você não quer me ver tem uma semana. - Betina tentou passar.
- Não, não é isso. É que eu to com muitos problemas e apareceu mais um, eu to fugindo.
- De mim? - a garota estava na porta.
- Não, de você não.
- Não, não precisa se explicar pra mim, eu ja disse. - sorriu sem dentes. - Tchau.
- Perai. - ele a puxou pela mão, fazendo a garota arfar. - Desculpa.
- Pelo que? - parecia que seu coração ia explodir.
- Não falar com você essa semana. A gente começou errado.
- Começamos o que?
- A trégua.
- Se é trégua, você não precisa falar comigo. - Betina se soltou das mãos dele.
- Ai mulher, mas eu quero falar com você! Eu já disse.
- Hale, me dá um tempo, ok? Eu preciso beber água, to meio tonta.
- Você ta grávida?
- Que? Não. - Betina riu, sabia que era impossível estar. - Acho que só sufoquei com a poeira das roupas guardadas da peça.

A garota de cabelo castanho sentiu sua boca ser tomada pela de Hale no segundo seguinte em que acabou de falar, totalmente inesperado, seu corpo permaneceu estático com a invasão. Hale, pelo contrário, sentiu que não dava mais pra esperar que isso acontecesse, o selamento da paz entre os dois, não queria trégua, queria paz, queria estar com ela. O rapaz segurou o rosto de Betina nas mãos e colocou a língua em sua boca quando a menina abriu os lábios para reclamar, dando início a um beijo lento e sedento, ambos não sabiam que queriam tanto um ao outro até sentirem seus gostos pra valer.
Ao perceber que seu corpo estava grudado com o de Hale atrás das porta do Teatro, na ponta dos pés e com certeza descabelada, ela cessou o beijo, encarando os lábios inchados de Hale. Moira tinha razão quando dizia que ele beijava bem.

- O que foi isso?
- Não sei mas parece que não era só eu que queria.
- Eu to... Meu Deus.
- Foi ruim?
- Não, foi muito bom... Muito, muito bom. - Betina soltou um ar pesado. - Eu não esperava.
- Olha, eu não saio beijando qualquer garota por aí, a última vez que eu beijei alguém foi há oito meses atrás.
- Você não precisa me dar explicações, Hale.
- Desculpa, eu não quis te assustar.
- Hale?

O diálogo produtivo dos dois fora interrompido por um par de olhos verdes curiosos que entraram no Teatro, Hale abriu um sorriso de orelha a orelha e aquela mesma sensação de embrulho apareceu no estômago de Betina.

- Oi, Vee. Essa é a Betina, minha amiga.
- Olá. - Veronica disse sorrindo como um gato. - Aqui é o Teatro? Onde meu me escrevo? Tá tendo peça? Quero fazer o teste.
- Não, já teve os testes e o elenco já está escalado, Veronica.
- A peça é Romeu e Julieta. - Betina resmungou.
- Ai, que tudo! - ela jogou o cabelo. - Aposto que o Hale é o Romeu, ele é todo gostoso. Eu adoraria ser sua Julieta.

Veronica sorria mordendo os lábios e alisando o braço de Hale, Betina sentiu o rosto arder mas não poderia ficar vermelha na frente da garota nova por causa de Hale, então se virou de costas.

- Eu vou voltar pra Moira. - desceu os degraus.
- Foi um prazer, Betina.
- Igualmente! - revirou os olhos e resmungou. - Vaca.

Os erros que cometemos quando éramos cegosOnde histórias criam vida. Descubra agora