Um possível intruso

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Moira esperava ansiosa por Betina nos degraus entre o primeiro e segundo andar, faltavam poucos minutos para o sinal da primeira aula tocar e os jovens entravam se empurrando, alguns desanimados, outros eufóricos, outros nem compareciam na escola. Betina apareceu no último degrau com um rabo de cavalo alto e a franja bagunçada, o uniforme amassado e casaco sujo de comida.

- O que houve com você? - Moira a rodou.
- Meu domingo foi uma bosta.
- Caiu um meteoro em você?
- Pior! - Betina esfregou o rosto, estava pronta para falar, mas o sinal tocou. - A gente se fala depois.

As duas subiram para o segundo andar, indo para suas respectivas turmas já que a mocinha de cabelo verde era do segundo ano, a primeira aula seria com a Sra. Robustez, professora de artes que cheirava a cigarro e gatos, mas era uma boa pessoa, Betina sempre fora parcialmente ruim em artes. Ao entrar na sala, todos a olharam diretamente e alguns fizeram cara de nojo, se lembrou de que vestia seu casaco sujo e o tirou, amarrando sobre a saia.

- Bom dia, meus péssimos aspirantes a artistas! - a mulher ficou de pé ao lado da mesa. - Como foram as férias? - iniciou-se um vozerio pela sala. - Jenna, gostei do corte do cabelo. Mas enfim, não quero ser a professora chata na primeira segunda depois das férias. Como temos duas aulas hoje, na primeira vamos desenhar um objeto, um objeto que nos marcou nessas férias. Na segunda, vamos trabalhar manualmente, vamos passar esse objeto para a argila.
- Professora, pode ser... qualquer coisa? - Rita Jones disse sugestivamente olhando para suas amigas que deram risadinhas.
- Sem pênis.
- Poxa.
- Todo mundo sabe que você perdeu a virgindade nas férias, Rita. - Betina balbuciou mas todos ouviram, deixando a professora sem graça.
- Betina, isso foi...
- Pelo menos eu transei, Poleman, ninguém te comeu nas férias. - a loira esguia rebateu de duas carteiras do lado.
- Como se eu precisasse transar pra me sentir feliz comigo mesma...
- Acontece... - Rita ficou de pé. - Que ninguém te quer.
- Cara, foda-se? - Betina riu, ignorando que ela provavelmente a chamou para brigar.
- Eu quero.

A discussão das duas fora interrompida quando um dos famosos arruaceiros do terceiro ano entrou na sala, Peter Hitman piscou para Betina, ela revirou os olhos mas continuou quieta. Ao pronunciar-se, Peter deixou muitas meninas desiludidas ao saberem que ele possivelmente estava afim de Betina. Peter não era alguém ruim, na verdade nenhum dos meninos eram, mas ele era o que nunca prestava muita atenção nos planos, ia por que era divertido estar com seus amigos, os únicos que queriam ele por perto sem interesse. Peter parecia ser o único além de Helen que percebeu que o interesse de Hale por Betina ia além de implicações bestas de adolescente.
Quando a sra. Robustez anunciou que era hora de ir para a sala de artes no terceiro andar, todos correram para fora da sala, menos Peter e Betina.

- E aí.
- Olá, Peter. - foi seca.
- Eu só quero falar que não foi minha ideia parecer que eu estava te defendendo da Rita.
- Pareceu que você estava tentando me ajudar, mas eu não precisava.
- Eu sei, você se vira bem sozinha.
- Sim, obrigada por notar que eu não preciso de alguém pra me defender, Hitman.

Enquanto Betina caminhava em direção a outra sala, Peter a seguia à espreita.

- Que foi? - ela bufou, parando de andar.
- Acho que podemos ser amigos.
- Em que realidade? - ela riu, descrente.
- Nessa mesmo, ue. Não tem nada contra mim e nem eu contra você.
- Eu tenho muitas coisas contra você, Peter. E uma delas é aquele seu amigo tosco.
- Ah, você gosta do Hale. - ele abriu um sorriso largo.
- É o que?! - Betina riu com vontade. - Se você continuar falando essas piadas, acho que posso pensar na ideia de sermos amigos. Onde já se viu...
- Ok, não vou insistir nesse assunto. Já que eu quero ser seu amigo e isso te incomoda, não vou mais falar do Hale.
- Justo.
- Mas tem isso aqui. - Peter tirou um papel dobrado do bolso e mostrou para a garota.

Era um desenho mal feito de Betina e Hale, rodeados de corações e flores, escrito "senhor e senhora Hale Doss". A garota sentiu suas bochechas esquentarem enquanto Peter observava qualquer que fosse a expressão.

- Quem fez isso?
- Não sei, não tem remetente, mas chegou até mim. Acho que não sou só eu que vejo que vocês se gostam mas escondem isso com essa coisa de criança.
- Eu não gosto do Doss. Isso é ridículo, já cansei de dizer. Ele me sequestrou, me humilhou, me fez passar vergonha, não tem nada que eu goste nele.
- Sequestro? - Peter fingiu surpresa, fingiu mal.
- É por isso que não podemos ser amigos. - Betina fez um círculo no ar com o dedo indicador. - Passar bem, Hitman.

***

Era hora do intervalo, Hale caminhava calmamente enquanto comia a pizza ruim que vendia na escola. Eram tantas pessoas num lugar só, se esbarrando, se ignorando, pareciam formigas ocupadas demais com seus problemas para prestarem atenção nos outros, Hale pensou. Atrás de todos, sentada abaixo da vidraça com argila no cabelo, Betina encarava o nada sozinha, talvez estivesse tão perdida quanto ele, talvez fosse uma outra formiga que parou para observar as outras ou só uma formiga cansada de fazer as mesmas coisas todo dia. O que ele estava fazendo em pé no meio do refeitório olhando pra ela, se perguntou, e porque continuava? Seus olhos se encontraram mas sua feição não mudou, ela ainda parecia estar em outra órbita.

- Tá olhando o que?
- Que susto, porra. - Hale reclamou baixo quando notou Moira do seu lado de cara feia. - Há quanto tempo você tá aqui?
- O suficiente pra ver você encarando minha amiga. Tá pensando em sequestrar ela de novo?
- Não!... Ela contou pra todo mundo?
- Ela contou pra mim, sou a melhor amiga dela.
- É, eu sei.
- Tá olhando pra ela por que, Hale?
- Moira, eu não sei. - disse pausadamente, sendo sincero. - Eu só parei aqui e ela tava ali sentada... foi coincidência.
- Olha, eu não sei você, mas eu amo a Betina e o que você fez foi horrível demais.
- Eu já pedi desculpas pra ela, isso ela não disse?
- A gente ainda não conversou hoje, ela parecia perturbada e cansada.
- Ontem foi difícil.
- Sim! Ela tem medo de trovo... Como você sabe?!
- Eu estava com ela na hora da tempestade, eu vi ela com medo.
- Vocês estavam juntos ontem? Juntos? No mesmo lugar sem se matar? Que?!
- Foi quando eu pedi desculpas. Olha Moira, esse papo me incomoda, falar com você é legal apesar de falar muito, mas eu não to afim de falar sobre ontem, ok?
- Ok... Mas pensa comigo, se apenas por estarem juntos vocês já ficam perturbados, imagina na hora do beijo, né.
- Beijo?
- O beijo de Romeu e Julieta, vocês são os atores escalados. Esqueceu?
- Caralho... Eu esqueci completamente dessa merda.
- O que seriam de vocês sem mim, hein?

Os erros que cometemos quando éramos cegosOnde histórias criam vida. Descubra agora