Betina's POV

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Eu estava com medo de andar na rua e ter um babaca querendo me apagar, eu andava por aí esperando isso, com raiva e inquieta. Ou que alguém invadisse meu quarto de madrugada para me levar pra longe da minha mãe e minha vó para mais tarde descobrir que foi só uma brincadeira de mal gosto... Eu estava tentando não deixar isso me abalar durante as férias onde eu tinha muito mais contato com mamãe e vovó Poleman, mas sinto que elas percebiam quando minha mente saía do ar e sintonizava naquela sexta-feira.
Eu moro com minha mãe e minha avó, Ava e Dinah Poleman, numa casinha rústica e com cheiro de pomada para assaduras graças à minha vó, nos fundos temos uma plantação de vegetais, legumes, hortaliças, frutas e flores variados que abastecemos o nosso horti frutti, todos conhecem a Poleman Mãe & Filha, nossos produtos são cultivados com carinho e música, minha mãe sempre põe música a noite para os legumes dormirem bem (???).
Era uma dessas manhãs de agosto, estava calor mas a noite esfriava, não morávamos no sul onde não tem nem resquício de frio, acordei meio tarde, minha mãe já estava na estufa colhendo as cenouras e reclamaria já que eu era obrigada a ajudar, minha vó havia deslocado o ombro e estava só no caixa, então vesti um chapéu e desci direto para o horti frutti.

- Bom dia, coelhinha. Pronta para as cenouras? - disse beijando minha testa.
- Mamãe, eu não tenho mais 12 anos.
- Mas ainda me chama de mamãe.

Ava Poleman-Fischer era linda, minha mãe, desculpa. Direto do Alabama pra cá, não escondia o cabelo ruivo, volumoso e quase grisalho, o sotaque e seu amor por botas brutas, dizia que antes de me dar a luz estava numa reserva de nativos há anos e tinha possíveis chances do meu pai ser um índio mas que ele tinha falecido numa dessas montanhas nevadas... grandes chances. Ela dizia que o sobrenome Poleman era da vovó, uma senhora crescida nos pântanos do interior que sabia caçar como ninguém, e que o Fischer era do vovô, um velho tarado comedor de índias nascido em New England, a escolha do hífen era dele.

- Bom dia, pequena Bet. - vovó acenou do caixa enquanto fumava seu cachimbo.
- Bom dia, vovó, odeio quando me chama assim.
- Deixa de ser chata.
- Tá, não vou reclamar. Mas é horrível.

Éramos uma família completa e feliz, nunca tive a necessidade de um pai, uma figura paterna para me ensinar a pescar ou andar de bicicleta, eu tinha Dinah e Ava, elas me ensinaram tudo o que eu sei, até empalhar uma gazela quando eu tinha 6 anos. Eu não me sentia sufocada mas sim morando com amigas, não escondiamos nada uma da outra e nos protegiamos de tudo que fosse possível, as vezes com a arma de caça da vovó mas eu sou contra. A gente não se reprimia de nada, tudo era falado, então as energias fluiam automaticamente, não havia aquele clima pesado.
Eu estava afofando a terra para o adubo, distraída ouvindo John Mayer com as beterrabas, quando o som foi desligado.

- Coelhinha, a Moira está aqui.
- Qual o problema? - o som nunca era desligado.
- Melhor você falar com ela.

Quando eu saí das beterrabas, Moira estava conversando com minha avó no caixa, nada no semblante dela indicava algo errado, pelo contrário, estava como sempre bem atenta nas fofocas da Dinah, com aqueles olhos bem abertos.

- Oi, amiga! - ela correu até mim e me abraçou.
- Oi. - retribuí o abraço. - O que houve? Você tá bem?
- Ah, eu to. - ela riu, simpática. - Meu pai que não ta.
- O que o velho Richard aprontou dessa vez?
- Ele morreu.
- É O QUE?!

As adultas nos olhavam com pena de longe e certeza que vi minha mãe chorar, mas Moira não, ela estava aparentemente bem. Minha reação foi arrastá-la para a faixada da minha casa, onde era mais afastado e ela poderia chorar se quisesse.

- Moira, eu... Como? - cruzei os braços.
- Ele teve um infarto há dois dias e eu levei ele pro Saint Peter, ele morreu ontem de noite e hoje me ligaram pra levar umas roupas e sapatos. Meu avô vai pagar a cremação mas vai ter a cerimônia.

Os erros que cometemos quando éramos cegosOnde histórias criam vida. Descubra agora