Confissões de adolescentes em crise

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Podia se ouvir os grilos no gramado alto da parte de trás do colégio, sentir o frio do orvalho por toda a quadra, ver a luz da lua e dos holofotes do campo refletirem nas folhinhas verdes e, se prestassem bastante atenção, podia ouvir a risada de Betina vinda de dentro da escola. A garota ria junto com Hale quando ele terminou de contar de uma certa vez que Beth Simons furou sua mão com uma flauta por querer cortar o cabelo dela.

- Ainda da pra ver a cicatriz. - disse recuperando o fôlego.
- Meu Deus. - Betina respirou fundo. - Isso foi muito bem feito.
- Eu era um babaca quando era mais novo. - Hale fez uma bolinha com o pacote vazio de salgadinhos de queijo e jogou na lixeira perto da mesa.
- Você era? - Betina desdenhou.
- Eu era bem pior do que sou hoje.
- Não quero imaginar. - levantou as mãos em sinal de rendição.
- Me conta uma coisa sua.
- Contar o que?
- Sei lá, qualquer coisa que você ache ridículo hoje mas quando era pequena foi algo muito ruim.
- Eu era uma boa menina. - ela sorriu, terminando de comer.
- Aham, sei.
- Ai, ta bom... Teve uma vez que eu quase matei Randy Michaels envenenado quando estudávamos na Escola Secundária Ophelia Haddon.
- O Randy otaku? O careca?
- É. - Betina riu lembrando de sua atitude.
- Pelo menos eu nunca planejei matar alguém.
- Ah, cala a boca, Hale. Eu tinha 9 anos.
- E como assim "envenenado"?
- Eu e a Shara estávamos planejando colocar qualquer substância de qualidade duvidosa no almoço dele, mas a gente esqueceu e ficou por isso mesmo. Ele nem sabe disso.
- Eu vou contar!
- Não vai, não! Eu já tenho fama de feminista doida.
- E não é?
- Doida não.

Hale deu de ombros e se deitou na mesa, observando Betina prender o cabelo e bocejar, a escondia orelhas avantajadas e sardentas mas Hale não achou feio, era algo nela que só ela tinha além das outras milhares de coisas.

- Odeio quando você fica me olhando assim.
- Eu fico pensando, por que a gente não fica bem?
- Ah, porquê? Existem muitos sentimentos ruins nos rondando pra gente ficar bem.
- Não discordo. Mas é desgastante ter que lidar com eles.
- Poderia ser fácil e fazê-los desaparecerem. Mas somos crianças confusas e perdidas sem entender nada do que ta acontecendo. Na vez dos nossos pais ninguém explicou, se eles não sabem pra nos explicar, como vamos saber?
- Procurando entender sozinhos.

Betina deitou a cabeça na mesa do professor, olhando em direção oposta a Hale, para que não tivesse que encarar seu rosto beijante de novo.

- Sabe, Hale, se eu não tivesse cultivado raiva por você todos esses anos, até seríamos amigos.
- Eu nunca tive raiva de você. É engraçado, eu sempre implicava com você pra você falar comigo. - riu.
- Não podia fazer como uma pessoa normal? "Oi Betina".
- Você não falava com ninguém, só com a Moira e eu era um babaca, eu tinha que chamar sua atenção de qualquer jeito.
- Chamar minha atenção? - Betina sentiu seu rosto esquentar como em todas as vezes que estavam sozinhos.
- É... É. - Hale respirou fundo e ficou de pé, descendo da mesa.
- O que foi?

Logo ele estava a sua frente, ainda sem camisa com a luz laranja dos postes iluminando a sala, mostrando apenas a silhueta corpo de Betina e metade da barriga de Hale.

- Eu... quero ficar perto de você. - Hale puxou uma cadeira e se sentou de frente para ela.
- Você está.
- Não, eu quero ficar perto de você sem querer explodir sua cabeça.
- Isso não é legal de falar pra uma garota.
- Eu não sei o que falar pra uma garota.
- Você tava indo bem.
- Enfim. Dá pra gente parar de brigar?
- E os sentimentos confusos? Eles ainda estão aqui.
- Eu sei que não dá pra ignorar, mas eu to cansado disso. Nossos amigos querem ser amigos, a Moira e o Greg se gostam e eles não ficam perto por causa da gente.
- Tá propondo uma trégua?
- Não somos inimigos pra ter trégua, Betina.
- Somos inimigos naturais. - a garota riu fazendo Hale rir.
- Eu gosto de te ver rir.
- Hale...
- E das suas orelhas.
- Você não consegue ficar muito tempo sem me zoar, ne? - Betina revirou os olhos.
- Não to te zoando, chata.

Betina ficou em silêncio, olhando para seus pés juntos e os pés dele mais abertos logo a frente, não gostava da sensação de lindos insetos voadores em seu estômago e sabia que ele lhe causava isso, outra coisa que não te deixava confortável.

- Por que você não assumiu que me beijou porque quis? - Betina torceu os lábios, tentando manter a voz firme, não sabia se queria ouvir a verdade.
- Ah...
- Não mente.
- Ta. - bufou. - Acho que... Orgulho. Eu não queria demonstrar que eu queria beijar você e eu nem sabia que eu queria beijar você.
- Eu acho que ficar na escola sozinha com você tá me deixando esquisita, eu vou dormir na outra sala. - Betina ficou de pé.
- Fala sério, Betina. Você vai fugir?
- Que fugir o que, Hale. Eu só não to me sentindo confortável.
- Só por que agora você sabe que eu queria beijar você? Tá, eu queria, não quero.
- Não quer? Ai, ta. Eu vou dormir. - Betina pulou algumas cadeiras e saiu da frente do garoto.
- Não foi isso que eu quis dizer.
- Não precisa se explicar! Boa noite, Hale.

***

Hale acordou sentindo frio nas costas fora a dor de dormir numa superfície reta, desejou estar em casa mais do que nunca, mesmo que seu pai não falasse mais nenhuma palavra após o adeus de Helen. Olhou no display do celular que avisava estar sem bateria, eram pouco antes das seis horas, precisava levantar já que o zelador chegaria em poucas horas para abrir a escola. Não pensou duas vezes em ir acordar Betina, mas ela já estava acordada, se espreguiçando em pé em frente ao bebedouro.

- Quando você vai parar de ficar me encarando?
- Quando eu puder falar com você igual a duas pessoas normais. Você ainda fica me dando patada.
- O que mudou entre a gente? Ainda somos duas pessoas que têm motivos pra se odiar.
- Já disse que eu não odeio você.
- Eu odeio. Eu me odeio...
- Por qual motivo?
- Deixa isso pra la.
- Fala, por favor.
- Hale, deixa pra la.
- Esse pode ser um motivo pra eu continuar te perturbando até você falar.
- Cristo... Hale, me deixa em paz.
- Não. Fala.
- Ai, quer saber?! Eu gostei. Eu gostei de estar com você ontem, de rir. Mas acaba por aí. - sentia seu coração bater forte.
- Eu gostei também, qual o problema?
- Somos inimigos naturais, eu já disse. Tudo o que você faz, eu odeio, eu abomino.
- Mas gosta de mim.
- Exatamente. NÃO!

Hale riu, mesmo sentindo seu coração arder pela confissão da menina, ele riu pela cara que ela fez ou de nervosismo.

- Já era.

Os erros que cometemos quando éramos cegosOnde histórias criam vida. Descubra agora