- Se você quiser pegar a presidência, terá que se casar. Você já tem trinta e quatro anos, ninguém respeita um presidente solteiro ainda mais nessa idade! – Eiji estava ligeiramente exaltado, já quase sem paciência com a teimosia do filho.
- E você quer que eu faça o que? – Perguntou Paulo sem emoção.
- Se você tivesse uma personalidade um pouquinho melhor. Você já estaria casado. – Respondeu Eiji.
- Eu arranjei uma namorada, vocês não aprovaram.
- Meu filho, a última moça que você trouxe aqui tinha tanta tatuagem, que não se via que cor era a pele dela... – Disse Aiko, a mãe de Paulo.
- Vamos marcar um encontro às cegas para você. E a moça nem precisa ser japonesa. A reunião do conselho é daqui a dois meses.
- Era só essa que me faltava... – Respondeu Paulo desanimado, com o polegar e o indicador entre as sobrancelhas.
- Você pode abrir mão da presidência, seu irmão vai achar o máximo ficar no seu lugar e não vai ser problema nenhum para ele arranjar uma esposa. Um filho que é mais difícil, ele já conseguiu. – Eiji deu sua última cartada, claro que ninguém queria Henrique como CEO do Grupo Eon.
- Vocês ficaram loucos? Desde quando o Henrique conseguiria gerir o Grupo Eon? Que formação ele tem para isso? – Respondeu Paulo irritado, seu pai pegou pesado agora.
- Você está avisado. Dois meses. – Disse Eiji já levantando e saindo da sala junto com a esposa.
- Meu filho, pense com carinho nisso, seu pai se preocupa com você porque ama muito você. – Aiko beijou a vasta cabeleira negra do filho e acompanhou Eiji.
Paulo ainda ficou na sala de reuniões mais alguns instantes. "Será que meu pai tava falando sério quando disse que o Henrique poderia pegar a presidência? Ele é uma boa pessoa, mas não tem formação na área de administração, ainda mais de um grupo tão grande. Se eu não for o indicado, provavelmente os acionistas indicarão outra pessoa e eu não quero ninguém que não seja da minha família tomando posse dos negócios que meu avô e meu pai construíram. Aonde vou arranjar uma esposa"? Paulo tinha o olhar fixo num ponto da parede branca a sua frente.
Paulo Hideo Matsumoto tinha trinta e quatro anos e era o filho mais velho de Eiji e Aiko Matsumoto. Seus avós chegaram ao Brasil após a segunda guerra mundial e se instalaram numa grande região portuária no Brasil e lá começaram os primeiros negócios da família. Seu avô, com a ajuda de seu pai que aquele tempo ainda era adolescente, fazia transporte de pescados entre os portos, começando com apenas uma embarcação. Logo eles cresceram pelo comprometimento e trabalho com afinco e também porque a grande maioria dos japoneses que chegou àquela época se dedicava a agricultura e outros poucos a pecuária e alguns também na construção civil. A família Matsumoto foi a única que fazia transporte marítimo de mercadorias. Logo eles compraram outros barcos e hoje o Grupo Eon é a maior empresa de logística e transporte marítimo do mundo, com uma imensa frota de navios e containers. Ao longo de sua história, a empresa se dedicou não apenas ao transporte de mercadoria, mas também à construção de navios, produzindo até mesmo porta-aviões, atuando também no ramo de petróleo e gás natural. Paulo estudou administração e logística e fez seu mestrado em Yale. Sempre fora excelente aluno, era destaque por onde passava. Só não era melhor por causa da sua terrível personalidade, perfeccionista, não admitia erros e corrigia duramente seus subordinados. Trabalhar com ele era um verdadeiro suplício. Todos o temiam na empresa por causa da sua intolerância e mal humor. Seu porte físico era muito bem definido pela prática de longos anos de Kenjutsu (técnica de luta com a espada japonesa. O Kenjutsu possui em sua filosofia e técnicas uma forte influência do pensamento Zen. Para o samurai, a sua espada não era apenas uma arma: ela continha a sua própria alma. Assim, o Kenjutsu não era simplesmente um modo de usar a espada com perfeição, mas um caminho espiritual que exigia disciplina e concentração). Sua mãe costumava dizer que o Kenjutsu moldou o caráter difícil dele. Era alto, seu rosto tipicamente oriental chamava atenção pelos olhos bem puxados e sobrancelhas bem definidas. As raríssimas vezes que sorria, podia-se notar seus dentes brancos e bem cuidados. Seus cabelos sempre em desalinho, só se ajeitavam com muito gel. Na maioria das vezes ele deixava os cabelos ao natural. A única pessoa que ele realmente se importava era Lucas, seu sobrinho de quatro anos, filho de irmão Henrique. Lucas foi fruto de um relacionamento infeliz. Sua mãe o abandonou quando ele tinha oito meses. Mas o carinho dos avós e do tio supriu a falta da mãe irresponsável. Ele era uma das únicas pessoas que conseguia arrancar sorrisos de Paulo. Ele tinha mais afinidade com o tio do que com o próprio pai. Henrique cuidava bem do filho, mas era com o tio Paulo que ele se abria mais. Quando não estava trabalhando, ele passava os fins de semana com o sobrinho.
Henrique era dois anos mais novo que Paulo e tinham personalidades completamente opostas. Estava sempre bem humorado e tinha muitos amigos. Ele era formado em engenharia naval e adorava fabricar barcos, mas não tinha nenhum dom para administrar negócios. Todas as vezes que o pai ou o irmão tentaram colocá-lo na direção de algum setor, o setor afundava e exigia medidas emergenciais para não afetar outras partes da corporação. A única coisa que ele fazia por excelência era os projetos de navios, algo que ele conhecia bem. Depois de formado, ele passou dois anos no Japão e se especializou em projetos de grandes embarcações. Ele tinha grande admiração pelo irmão, mas por serem muito diferentes, não tinham muita coisa em comum. Depois do nascimento de Lucas, os dois ficaram mais próximos e até iam fazer pesca em alto mar juntos. Outra pessoa que era bem próxima de Paulo era Antônio, seu advogado. Por também ter personalidade forte, eles se respeitavam. Antônio o entendia bem e era tão exigente quanto ao amigo.
Apesar da casa de seus pais ser imensa, Paulo morava em um apartamento sozinho, num luxuoso prédio na zona central da cidade, seus únicos visitantes eram Lucas e às vezes o irmão e a mãe. Ele mantinha duas funcionárias, uma para cuidar de seus pertences e outra para cuidar da casa. Somente nos fins de semana ele fazia refeições em casa e ele mesmo gostava de cozinhar. Suas esporádicas namoradas nunca foram lá. A decoração era de tons escuros e ambientes amplos, sem muitos adereços. A única coisa que quebrava o tom bucólico eram alguns quadros na sala de jantar, no hall de entrada e na sala de estar. No seu quarto havia uma grande foto dele e Lucas, pendurada na parede acima da cabeceira de sua cama, tirada há pouco tempo, em uma das vezes que eles foram pescar.
(...)
Segunda feira era o dia mais puxado da semana, as principais reuniões, visitas de clientes e grandes fornecedores, fechamento de projetos e grandes pagamentos eram feitos nesse dia. Geralmente ele nunca chegava em casa antes das vinte e duas horas.
- Bom dia, senhor Paulo. A reunião com os diretores do Grupo Zanter é às dez horas e logo em seguida o senhor terá um almoço com dois de seus diretores. À tarde, às quinze horas, teremos a visita de um dos diretores da plataforma do sul. Parece que houve um problema em umas das plataformas de gás. Provavelmente o senhor terá que ir para lá, no mais tardar amanhã. – Sandra, a principal secretária de Paulo, ia passando a agenda do dia enquanto ele colocava a pasta sobre a mesa e pegava um café. Era uma das poucas funcionárias que se dava bem com ele, pelo nível de excelência do trabalho dela. Ela trabalhava com Paulo desde quando ele ainda era um dos diretores de planejamento. Assim que ele assumiu a vice-presidência do Grupo Eon, ela também foi para o cargo de secretária sênior e sempre o acompanhava nas viagens.
- Obrigado, Sandra. Você sabe se meu pai já chegou?
- Já, sim. Ele está em sua sala agora. – Respondeu. Paulo foi até a sala do pai para tratar sobre esse provável problema da plataforma.
A semana transcorreu sem nenhum acontecimento mais marcante e o problema da plataforma, era meramente técnico e não administrativo. Não necessitando assim da presença de Paulo ou de seu pai lá.
Seu treino de Kenjutsu era sempre quarta e sexta feira, no final da tarde. Seu mestre era um senhor com quase sessenta anos e sempre esteve com ele desde que começou seu treino ainda na adolescência. Na quarta feira, após chegar do treino, ele estava pensando em como arranjaria essa noiva e então ele teve uma ideia. Olharia em um desses sites de relacionamentos e "contrataria" uma noiva por um tempo determinado, no máximo um ano, casaria com ela e depois divorciaria, pelo menos até passar a indicação dos acionistas, que eram extremamente conservadores. Obviamente a suposta noiva ganharia uma grande soma em dinheiro e tudo se resolveria. Depois de mais de duas horas procurando, ele finalmente encontrou alguém que o agradou...
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Contrato de casamento
عاطفيةO que você faria pra realizar o sonho da sua vida? Clara aceitou casar-se com o excêntrico Paulo Matsumoto para conseguir dinheiro e ampliar a sua loja em um shopping. Mas até que ponto os negócios não serão afetados por sentimentos nobres que começ...