Scaleth & Cia
Acanan era uma típica cidade portuária movimentada. Repleta de pessoas transitando de um lado para o outro em meio ao caos cotidiano de seus afazeres. Marinheiros estavam constantemente chegando e saindo para o mar; caixotes eram içados em roldanas puxadas por braços musculosos, para dentro e para fora de embarcações todo o tempo. Mulheres, crianças e todo o tipo de pessoas que viviam na Baía dos Afogados, se misturavam com os marujos e forasteiros na rua do cais. Tabernas e bordéis disputavam os clientes com os demais comércios, numa interminável briga pelos sacos de moedas pendurados nas cinturas dos aventureiros, que, buscavam algum tipo de prazer ou consolo nas noites frias perto da Costa Dourada.
O Mercado dos Trapos era outro lugar bem movimentado em Acanan . Esse porém, era mais freqüentado por aqueles que buscavam itens de procedência duvidosa ou de utilidade menos nobre.
As ruas, geralmente lamacentas, se ligavam umas às outras como uma grande rede, ramificando-se por toda a cidade.
O odor de maresia trazido pelos ventos marítimos predominava por toda a região, mas isso não parecia incomodar os habitantes do lugar. Na verdade o único incomodo real eram as pilhagens piratas feitas pela Aliança das Marés. Uma organização criada entre homens sem escrúpulos a fim de trocar informações sobre os lugares mais vulneráveis da Costa Dourada para serem atacados. Seu líder era um dos mais temíveis piratas que já navegou sob o sol, o Capitão Henry Kidd.
Sendo uma facção extremamente forte, a Aliança das Marés espalhava terror onde quer flâmulas negras fossem vistas. Seus membros não costumavam deixar sobreviventes onde quer que passassem. Chegavam sob uma chuva de bolas de canhão, pilhavam, matavam e evadiam dos lugares sem remorsos, para então comemorar o fruto de seus espólios.
Cansados de perder dinheiro para esses bandidos, os nobres de Acanan se reuniram pela primeira vez com um objetivo único. Unir forças para inibir a ação pirata nas águas do Mar Dourado.
Conde Allan Von Clifford, o nobre de maior título, sediou a reunião em sua Mansão enquanto sua esposa dava à Luz a uma menina de cabelos e olhos castanhos.
A reunião e o parto duraram por horas. Devido a grande discussão sobre os lugares estratégicos onde os soldados ficariam melhor alocados para prevenir que o avanço dos bandidos do mar chegassem até o centro da cidade e assim, às propriedades onde os bens de valor estariam guardados eles não chegavam a um consenso. Conde Allan defendia que era melhor criar postos de alojamento para pequenas tropas equipados com sinais de fumaça a fim de facilitar a comunicação entre as guarnições. Os demais lordes discordavam acreditando ser melhor deixar seus soldados baseados nas entradas de suas propriedades.
Um cavaleiro chamado Charles Drake que até então apenas ouvira a discussão até ali com os gritos da Condessa ainda ecoando em sua cabeça, aproximou-se sutilmente de uma armadura de decoração e a atirou sobre o tampo da mesa onde os demais lordes estavam reunidos. O barulho do aço se chocando com a madeira foi tão alto e repentino, que até mesmo a condessa pareceu parar de gritar durante o parto por alguns poucos segundos. Nem mesmo os guardas tiveram tempo de desembainhar suas espadas.
- Agora que tenho sua atenção, senhores... - disse o cavaleiro caminhando ao redor da mesa - Nunca chegaremos a uma solução enquanto continuarmos nos digladiando com palavras pomposas para proteger nossas posses individuais! - ele parecia muito seguro para falar daquele jeito com homens que estavam muito acima em títulos de nobreza. - Temos que colocar o bem comum antes dos nossos próprios.
- E o que sugere? - indagou Conde Allan batendo com as costas de sua manopla na armadura, jogando-a ao chão com um estrépito de metal. - Olhe bem o nosso território - disse apontando para o mapa sobre a mesa - Eles podem nos invadir absolutamente por qualquer lugar, e ainda temos um maldito deserto em nossas costas nos separando do reino. Não temos soldados suficientes para guarnecer toda a costa.
Sir Charles havia servido ao Rei como cavaleiro por anos, título esse que herdara do pai, Sir Hernandez Drake. Mas, após os primeiros anos de sua juventude arrecadou fundos o bastante e comprou o Corvetta, uma pequena nau para transporte de especiarias.
- Eu digo para levarmos a batalha até esses malditos! - Sir Charles bateu com ambos os punhos na mesa e logo em seguida apontou uma região no mapa afastada da Costa Dourada mar adentro. - Eu sugiro acabarmos com esses patifes antes mesmo que pisem em terra!
- E como pretende fazer isso? Com seu barquinho de temperos? - Allan conseguiu umas boas risadas dos demais lordes com aquela observação escarniosa.
Sir Charles refreou o sangue que fervilhava em suas veias naquele momento. Em dois anos transportando especiarias ele havia liquidado mais piratas do que qualquer um naquela sala poderia sequer imaginar.
- Para sua informação, Conde, o Corvetta levou a pique mais embarcações do que o senhor levou amantes para o quarto... - sem dar tempo de retaliação o cavaleiro continuou - Senhores, para esta grande tarefa precisamos de um grande navio.
Ele retirou um pergaminho enrolado de dentro de um estojo de couro e o arremessou sobre o mapa. Barão Leopold e o Baronete Frederick se adiantaram e o desenrolaram. Logo o projeto de um colossal galeão estava diante de todos. Conde Allan apenas vislumbrou parte do projeto de onde estava e sua mente analítica começou a calcular os custos de materiais e mão de obra para uma embarcação daquela magnitude.
- Está louco, homem? - indagou o conde exasperado - Acha que dispomos de recursos para arcar com um projeto megalomaníaco como esse?
Sir Charles apenas elevou sua palma direita para frear a torrente de objeções do conde.
- Este navio já está em fase de conclusão! - todos em volta da mesa se calaram - E com os recursos adquiridos do meu trabalho a bordo do... Como você o chamou? Ah, sim! O barquinho de temperos!
Conde Allan sabia, uma embarcação daquele tamanho custaria um verdadeira fortuna. Mas, era também verdade que o trabalho de transporte de especiarias era bem remunerado, logo, o cavaleiro podia estar falando a verdade.
- E o que pretende nos mostrando seu novo brinquedo? - indagou Allan visivelmente mais tranqüilo.
- Gastei praticamente todos os meus recursos para adquirir esta conquista. - Sir Charles falava agora com uma calma e uma aura de dignidade. - Preciso de autonomia para agir em nome desta aliança como corsário. Extinguirei os malditos piratas dessas águas ou morrerei tentando.
- E o que ganha com isso, Sir? Afinal estará arriscando bem mais que sua própria vida! - indagou o Barão Leopold cujos dedos ainda mantinham a planta do navio aberta.
- Ficarei com 70% dos espólios conquistados. - e antes que o conde pudesse opinar ele completou - Como devem imaginar precisarei manter um pequeno exercito de marujos em um navio desta magnitude e... Todos estarão arriscando suas vidas enquanto os nobres senhores poderão desfrutar da paz conquistada para administrar seus negócios sem se preocupar com os constantes ataques. De quebra, tem minha palavra de cavaleiro que 30% dos espólios serão endereçados a esta irmandade.
Vendo que os demais lordes concordavam com as palavras de Sir Charles, Conde Allan percebeu sua derrota e não mais objetou sobre aquele assunto.
Cerca de três horas depois, o tabelião chegou com os documentos de corso para o conde Allan assinar. Ele leu todo o documento, olhou mais uma vez ao seu redor, vencido pelos olhares de aprovação destinados ao cavaleiro, tomou a pena em mãos e a contragosto deu sua assinatura junto com o selo da Casa Von Clifford.
Dois meses depois o Interceptor partia para sua viajem inaugural, sob o comando do Capitão Sir Charles Drake e sua tripulação.
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Scaleth & Cia
AdventureDevido à acontecimentos fora de seu controle, antes mesmo de nascer, Joshua Drake, filho do incomparável Capitão Corsário Sir Charles Drake, é envolvido em uma trama na qual se vê obrigado a abandonar a honradez e abraçar uma vida de pirata fanfarã...