Capítulo 10 (Infortúnio)

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Era uma manhã agradável de uma segunda-feira. O céu estava sem nuvens, o sol brilhava morno, o vento soprava suave e o solo ainda estava úmido do sereno. Frank estava, como de costume, sentado sobre as tábuas do píer observando os barcos que transitavam pelo cais da Baia dos Afogados. As vezes fechava seus olhos imaginando como seria navegar sob as velas infladas ao vento, com o respingos das ondas batendo em seu rosto. Viver incríveis aventuras para ter a sensação de que sua vida valeu à pena.
Todo tipo de embarcação podia ser encontrado ali. Desde pequenas caravelas a grandes naus, barcos menores circulavam entre os gigantes ancorados com homens gritando ordens e por muitas vezes impropérios.
─ Que dia maravilhoso para ficar aí parado sem nada para fazer...
Frank foi tirado do devaneio de ser um marujo por uma voz inconfundível. Levantou de um salto e virou-se para encarar Berenice com um sorriso.
─ Beny! Não esperava encontrá-la a essa hora...
─ Digamos que tive uma folga inesperada por hoje... ─ respondeu a filha do Conde indo em direção ao abraço do rapaz. Sentia-se segura quando estava com ele. Talvez fosse porque ele a salvara de uma situação que a estremecia só de lembrar, mas isso não vinha mais ao caso. Ele sempre era gentil com ela, e era só o que importava ─ Vamos passear?
─ Claro que sim! ─ respondeu ele de pronto ─ Mas, não quer passar antes em sua casa e trocar o vestido de trabalho?
Berenice gelou com aquela sugestão. Não teria como inventar um desculpa para ir sozinha trocar de roupa.
─ Por falar nisso, meu pai sugeriu pedir sua ajuda para comprarmos roupas novas para a Mag. Ela está ficando mocinha e as antigas já estão apertadas.
─ Perfeito! ─ respondeu ela imediatamente ─ Também preciso de um ou dois vestidos! Vamos lá buscar a raposinha ruiva!
Assim, Berenice seguiu com Frank para o Búfalo Bêbado e não para "sua suposta casa" na Cidadela dos Ratos.

Naquela mesma manhã, o jovem Joshua estava sentindo-se muito animado. Brandia sua espada de madeira com um dos guardas da residência. Audred era um jovem dedicado em sua função. Freqüentou a escola de guerra para se tornar um guerreiro com os esforços de seu pai, porém por falta de dinheiro não pôde concluir o ensino e assim suas opções eram tentar a vida como mercenário ou trabalhar na fazenda do pai como agricultor e pastor de ovelhas. Mas, graças a Sir Charles, ele conseguira um trabalho bem remunerado como guarda. Ganhava cerca de duas moedas e meia de prata por plantão. Era suficiente para pagar por comida e ainda lhe restavam alguns trocados para suas economias.
Jade observava enquanto Audred brincava de luta com seu filho. O menino tinha muito vigor, tal como qualquer garoto de 14 anos. Brandia a espada de madeira contra um graveto grosso que o guarda usava para duelar.
─ Receba a punição pelas minhas mãos, Capitão Sandoval! ─ dizia o garoto para Audred
─ Argh! ─ disse em resposta o guarda na sua melhor tentativa de imitar as interjeições piratas ─ Capitão Joshua, você nunca irá conseguir pegar o meu navio, o... ─ ele parou por um segundo tentando lembrar o nome da nau do Barba Grisalha ─ Josh, como era mesmo o nome do barco?
─ Ah! Era o Carcará Sangrento!
─ Argh! Isso mesmo! O Carcará Sanguinolento!
─ Sangrento! ─corrigiu o menino.
─ Quem é o Capitão malvado aqui? ─ indagou Audred cruzando os braços.
─ Você ora!
─ Se eu sou dono do barco, então eu o chamo como quiser. E "sanguinolento" é muito mais intimidador que só "sangrento"!
O menino deu risadas das trapalhadas do soldado.
─ Tudo bem, Barba Grisalha! Mas saiba que o nome correto é navio! ─ disse indo para cima de Audred com a espada em riste.
Ele aparou a espada de treino, mas seu graveto apesar de ser grosso acabou partindo e se tornando dois pedaços inúteis de madeira.
Audred caiu de joelhos no chão fingindo arfar derrotado, jogou o que era o "punho" de sua espada de lado e a "lâmina" do outro.
─ Você venceu Capitão Joshua. O Carcará Sonolento é seu!
─ Vou afundar ele com você dentro! Só quero a sua prancha para fazer uma bela mesa!
Audred ficou olhando para o menino por alguns segundos. Depois ambos irromperam em risadas.
─ Josh!? ─ chamou Jade da cobertura da varanda ─ Vamos entrar, deixe o Audred trabalhar em paz!
─ Está tudo bem, Senhora! Gosto de duelar com o jovem Capitãozinho!
O menino guardou sua espada na bainha ao cinto, fez um gesto de saudação entre os soldados e depois seguiu para dentro de casa rindo.
Jade caminhou até o rapaz que limpava os restos de graveto e lascas do gramado.
─ Tome, Audred! ─ disse ela estendendo uma bolsinha de couro para o soldado com algumas moedas. Você e os outros dois podem encerrar seu trabalho hoje às 18h.
─ Mas, Senhora... Nosso plantão só termina de manhã.
─ Então aproveitem bem o tempo livre! Bebam um pouco! Arranjem umas garotas com quem gastar o soldo. Eu sou mais do que capaz de cuidar da minha casa.
─ Senhora, o Capitão Charles pode não gostar se souber.
─ Eu me entendo com o Charles! Vão! Vão! Vão!

Andorius colocou um rolo com alguns documentos e cadernos de anotações sobre a mesa de mogno da sala de contratos.
─ A'z, tenho boas notícias para você!
A'zarrel pousou a pedra que estava usando para afiar sua lâmina da lua nova, colocou a arma de volta na bainha do antebraço e cobriu com a manga da blusa.
─ Descobri que nosso empregador, o famoso Capitão Henry Kidd está ancorado a algumas milhas a sudoeste daqui. E, aproveitei para fazer umas pesquisas sobre nosso alvo. Ele tem permanecido no mar por cerca anos, fazendo apenas pequenas paradas para abastecer de suprimentos.
─ Então como faremos para ele vir a terra?
─ É aí que você entra! ─ respondeu Andorius de forma sombria ─ Ele tem mulher e filho aqui em Acanan.
─ Quer que eu mate uma mulher e uma criança? Eles não são nosso alvo!
─ São os únicos meios para chegar a um fim... Acredite, eu investiguei bem a fundo. Nem mesmo uma convocação real o fez arrefecer do trabalho no mar. Mas tenho certeza de que a notícia da morte de sua família o faria entrar em luto. Pelo menos por tempo suficiente para que eu me aproxime e o elimine.
A'zarrel sabia que Andorius não era o tipo cruel, se houvesse alguma outra forma de atrair o Capitão Charles para a terra firme ele não mediria esforços para fazê-lo sem prejudicar terceiros.

Com o cair da noite, A'zarrel preparou seu equipamento e repassou o plano com Andorius. Teria que entrar na casa sem ser notada pelos guardas que ficavam de vigia durante a noite, localizar o quarto da mulher e do garoto e eliminar ambos sem fazer barulho. Era imprescindível eliminar os dois, para que o luto fosse mais pesado e desequilibrasse o emocional do alvo.
Andorius poderia facilmente resolver isso, mas era uma situação perfeita para A'zarrel começar a se acostumar com o trabalho. Por vezes teve que eliminar figuras políticas que ele mesmo admirava. Era parte do trabalho de um assassino, e ela teria que aprender a lidar com isso.
─ Estou indo! ─ anunciou ela caminhando para a porta.
─ Espere! ─ disse ele segurando-a pelo braço.
A'zarrel sentiu seu corpo inteiro tremer em um tipo de agonia que ela vinha suprimindo a meses. A familiar onda de calor e formigamento no peito veio com toda a força, se espalhando pelo corpo, indo se concentrar em uma baita contração muscular em suas partes erógenas. Sua face ficou ruborizada e sua respiração mais rápida e curta.
Aquilo não passou despercebido por Andorius e ele soltou seu braço. Apesar de todas as sua habilidades e maestria em ilusões, não achava sensato se arriscar em ficar no caminho de uma succubus esfomeada.
─ A'zarrel! ─ disse ele com firmeza, fazendo-a voltar a si. ─ Foco, menina! Você está indo para sua primeira missão! Deixe-me orgulhoso!
Ela se recompôs o melhor que pôde. Suas pernas estavam rígidas ainda sentindo a contração muscular um pouco menos intensa agora.
─ Me desculpe...
─ Eu sei minha querida. Não tem do que se envergonhar! Faz meses que não alimenta sua outra natureza... É compreensível. Mas agora tenha foco! A mulher que vai eliminar tem experiência de combate entre homens muito maiores que ela. Não a subestime!

Scaleth & CiaOnde histórias criam vida. Descubra agora