Capítulo 12 (Promessa)

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Logo depois que Uffrik passou suas impressões ao Conde, este ordenou que a casa fosse fechada, os guardas que deveriam estar de prontidão foram aprisionados e o menino foi levado para a Mansão Von Clifford ainda em estado de choque. O corpo de Jade foi levado pelo coveiro a fim de ser preparado para o funeral.
─ Uffrik, mande com que essa mensagem seja enviada com urgência para Plien. Charles precisa saber do destino de sua mulher e que seu filho está sob meus cuidados. ─ disse o Conde entregando uma tira estreita de pergaminho para o mordomo.
─ Senhor... Farei agora mesmo!
Existia uma forma muito simples de saber onde o Interceptor iria estar aportado.
Tirando Acanan e o Deserto Valek, existiam 10 cidades fortalezas ao redor de Thalema.
Geralmente Charles passava dois meses por ano em sua residência, Novembro e Dezembro. E os demais feudos ele visitava como base de abastecimento de provisões uma vez por mês. Como eram meados de Fevereiro era bem provável que Plien ainda fosse seu porto da vez. Mas, caso ele tivesse partido para Merikor, certamente o oficial responsável mandaria a mensagem ser repassada.
Berenice seguiu pelo corredor, tão familiar de tantos anos, em direção ao único lugar da mansão onde seu pai poderia ser encontrado, o gabinete.
Agora que ambos tinham se entendido em um acordo de liberdade condicionada, como ela gostava de chamar, se sentia mais a vontade para se dirigir ao pai de uma forma mais próxima.
Bateu à porta já a abrindo e projetando sua cabeça para o interior.
─ Pai? Posso entrar?
Allan ergueu os olhos da papelada para ela, fez uma falsa expressão de indignação.
─ Você nunca vai obedecer à etiqueta de ser anunciada antes de admitida num gabinete, não é? ─ ele manteve a cara azeda por mais alguns segundos, depois abriu um sorriso cansado para a filha ─ Entre, querida! O que precisa?
Ela sorriu de volta para ele, puxou uma das cadeiras para trás da mesa de mogno e sentou-se ao seu lado.
─ São alguns assuntos que estão pululando a minha cabeça. ─ começou ela ─ Fui à Cidadela dos Ratos hoje com Frank e a pequena Mag... Gostaria muito de poder ajudar aquelas pessoas! Vivem numa situação muito precária!
─ O que diabos o filho do Taverneiro tem na cabeça? Levar duas moças a um lugar como aquele? ─ Allan parecia estar ficando exasperado.
─ Acalme-se, meu pai! Não fomos muito adentro da periferia. Só até o mercado comprar alguns vestidos novos para a irmãzinha dele! Eles não têm muita condição de contratar alfaiates...
Ouvindo isso, Allan acalmou-se um pouco. Depois conjecturou que sua filha, apesar de um pouco inconseqüente, mostrava interesse real em melhorar a vida da população que um dia viria a comandar.
─ Muito bem... O que você sugere que seja feito?
─ Mestre Edwinn me falou sobre um reino onde os governantes e pessoas da nobreza construíam aglomerados de casas modestas. Ele chamou de apartamentos! Com preços acessíveis às pessoas de situação monetária menos favorecida. Assim todos saem ganhando!
─ É uma proposta interessante! ─ argumentou Allan verdadeiramente interessado nas idéias da filha. ─ Estaria disposta a coordenar esse projeto e calcular os custos de mão de obra, despesas e materias?
Ela mal acreditou no que ouvia. Quem era aquele homem incrível que substituíra seu austero e carrancudo pai?
─ Não posso apenas ter a idéia brilhante? ─ brincou ela fingindo preguiça. Ambos riram. ─ Sim, meu pai! Eu adoraria elaborar um projeto de melhorias da periferia de nossa cidade, afinal, o Rei nos incumbiu a missão de cuidar do povo!
Berenice parecia uma mulher muito mais segura depois de fazer amigos e andar entre os plebeus. Desde que sua real identidade não fosse revelada, não haveria motivos para ela deixar o convívio com os amigos. Ele sabia da importância de estar em meio às necessidades reais da população.
─ Muito bem, mandarei alguns documentos para que os analise em breve. O quê mais gostaria de esclarecer?
─ Quando fomos para a Cidadela, passamos pela Rua Herman...
─ Entendo... Você viu minha carruagem pessoal.
─ O quê de tão importante aconteceu para o próprio Conde se deslocar até o local? ─ indagou ela, curiosa. ─ E antes que pergunte nenhum dos guardas me viu! Tomei o cuidado de puxar o capuz sobre a cabeça.
Ele já se preparava para questionar esse detalhe quando ela o adiantou.
─ Um assassinato. ─ respondeu ele com certo pesar na voz.
─ Ainda assim, meu pai... Não vejo motivos para o senhor se deslocar até o local. O tio Clovis ou até mesmo o capitão da guarda poderiam lidar com isso!
─ Eles não contam com os conhecimentos de Uffrik para um caso como esse. Trata-se de um assassino do Ultimo Vislumbre. E a vítima é ninguém menos que a mulher que seria a sua sogra...
─ A esposa do Capitão Charles?
─ Sim, Beny... Charles vai virar Acanan de ponta à cabeça procurando pelo culpado se eu não o contiver. ─ Allan já conseguia imaginar os prejuízos para a Irmandade Azul.
─ E quanto ao... Bem, filho dele? ─ aquilo parecia meio constrangedor para ela. Não queria parecer preocupada com alguém que antes não queria nem saber o nome.
─ Se refere ao seu noivo?
─ Pai... Eu gosto do Frank...
─ Berenice, não vamos entrar nessa discussão! ─ por um breve momento ela teve a antiga visão de pai que marcara sua indignação de infância. Depois Allan mudou o tom de voz. ─ Sabe que esse namorico com o filho do Taverneiro...
─ Senhor Sullivan! ─ corrigiu ela.
─ Sim, o Taverneiro! ─ continuou ele ─ Não é algo que vai durar. Eu só permito que esteja com ele devido à integridade e o caráter do rapaz. E por que ainda faltam alguns anos para que possa se casar com o filho de Charles!
Berenice revirou os olhos, quase se arrependendo de ter perguntado.
─ O menino está aqui. ─ esclareceu ele para o espanto de Berenice. ─ Jade, a mãe não era de Thalema. Charles a conheceu na Ilha dos Esquecidos. E, o próprio também não tem família viva além do filho. Logo não havia com quem deixá-lo.
─ E ele vai morar aqui?
─ No futuro... Sim! Afinal, como eu poderia o deixar desposar minha única filha e não morar sob este teto? Mas por hora, é apenas temporário. Já enviei uma mensagem para Plien. Em uma ou duas semanas Charles deve estar aqui.
Berenice estava com o olhar perdido. Sua mente era uma torrente de pensamentos. "Como seu pai podia banalizar os sentimentos dela e de Frank?", "Será que o menino era pelo menos bonito?", "Em duas semanas iria conhecer o herói de Thalema?" e "Não me interessa saber se é bonito! Vou dar um jeito de escapar disso!".
─ Eu iria sugerir conhecê-lo... Mas não creio que seja o momento mais oportuno.

Joshua passou toda a estadia no quarto da Mansão Von Clifford.
Após o funeral de sua mãe, ele não verteu mais nenhuma lágrima. As aias levavam comida e bebida para o menino no quarto. Allan tentou conversar com ele certa noite, após o jantar, mas resultou em uma ação sem frutos, pois o garoto permaneceu emudecido.
A própria Berenice estava cogitando se deveria tentar consolar o menino que um dia seria seu marido, mas ele permanecia resoluto em não conversar com ninguém. Assim, ela desistiu antes mesmo de tentar.

Audred, Jason e Irenio uma semana após o ocorrido, foram julgados culpados por abandonarem seus postos e sentenciados a morte por enforcamento.

E exatos 12 dias após a morte de Jade, o Galeão Interceptor aportou em Acanan.
Capitão Charles deu as ultimas ordens aos seus homens e se dirigiu ao imediato.
─ Malcon, contrate mais homens enquanto estivermos aqui. Mande os carpinteiros ajeitarem aquela avaria no costado de bombordo e troque os cabos de amarra da vela principal.
─ Capitão, com todo respeito, senhor... Eu sei o que devo fazer. ─ disse o Imediato que também era um grande amigo de Charles desde a época em que eram cavaleiro e escudeiro na corte. ─ Vá buscar o capitãozinho! Eu cuido de tudo por aqui.
Charles viu a mais completa sinceridade nos olhos do amigo de tantos anos e tantas aventuras. Sabia que podia contar com ele para qualquer coisa e por isso o fez seu imediato na tarefa mais difícil de todas. Livrar as águas do Mar Dourado da praga dos piratas.
─ Sim, meu amigo... ─ disse ele seguindo para o cais. A carruagem do Conde o aguardava, com um cocheiro de roupas almofadadas e dois cavalos brancos eximiamente escovados. ─ Vamos o mais rápido possível! ─ disse ao cocheiro enquanto entrava na cabine.
Sabendo de quem se tratava o condutor não fez a mínima questão de contrariá-lo. Atiçou as correias de couro nos flancos dos animais e logo colocou a carruagem a toda velocidade em direção a mansão.
As rodas de madeira faziam um barulho seco de encontro às pedras do calçamento do interior dos muros da mansão. O cocheiro conduziu o veículo até a porta de entrada, Charles pulou fora da cabine antes mesmo de a carruagem parar totalmente.
Uffrik o aguardava da escadaria de acesso ao hall.
─ Capitão Sir Charles Drake! Sempre uma honra vê-lo... ─ disse o mordomo fazendo uma reverencia.
─ Menos amenidades, Uffrik! ─ respondeu Charles dando um tapinha nas costas do outro ─ Onde está meu filho? Você sabe o quê aconteceu?
Havia apenas três pessoas em Acanan que sabiam das reais capacidades do mordomo da Mansão Von Clifford; Allan, Charles e Berenice.
Uffrik olhou ao redor.
─ O Conde o está aguardando... Lá dentro podemos conversar melhor, senhor.
─ Para o Diabo com os protocolos! Primeiro vou ver meu garoto! Pode me mostrar onde está?
Uffrik havia esquecido como o Capitão Charles era nem um pouco formal. Desprezava categoricamente o protocolo de etiqueta da nobreza como com todas as suas forças.
─ Claro senhor! Certamente.
Adentrando o hall, Uffrik guiou Charles por uma porta lateral no sopé da escada, do lado direito da mansão e seguiram por um corredor. Berenice estava saindo da cozinha com um lanche quando viu o Capitão Charles passando acompanhado por Uffrik em direção ao quarto de Joshua. Era um homem alto, quase um metro e noventa. Bigode e barba vastos de cor castanha; corpo atlético apesar de aparentar seus 40 anos, botas de cano alto, casaca e calças azuis com detalhes dourados. Emanava uma presença que preenchia todo o ambiente por onde passava. Ela o olhou de longe imaginando se o seu filho teria uma aparência como a dele e talvez a mesma aura imponente. Eles continuaram seguindo e ela pareceu não ter sido notada.
─ Aquela que é a filha do Allan?
─ Sim, senhor. Lady Berenice Von Clifford... Sua futura nora.
Charles se permitiu dar um sorriso pela sorte do filho em desposar uma moça tão bonita.
Assim que chegaram diante do quarto, Uffrik ia bater à porta, mas o capitão o conteve. Charles adiantou-se e deu três batidas curtas, uma longa e mais três curtas. Passos apressados foram ouvidos lá dentro, depois a maçaneta mexeu como se quem estava lá dentro fosse abrir a porta e depois parou. Alguns segundos se passaram, e três batidas curtas e três longas responderam de dentro do quarto. Uffrik ficou olhando para o capitão sem entender aquele código.
─ Meninos e o inicio da puberdade... O restante você mesmo pode supor certo?
Charles abriu a porta e em seguida o menino correu e pulou no abraço do pai. Ficaram vários minutos ali, abraçados tentando suprir toda a saudade que estavam um do outro.
─ Pai... A mamãe... ─ Joshua começou a falar, mas sua garganta foi embargada pelo choro.
─ Eu já sei de toda a história, filho. Prometo que vou acabar com quem fez isso!
Após o reencontro de pai e filho, Allan recebeu Charles em seu gabinete. Foi uma conversa acalorada. Allan teve que garantir não medir esforços até encontrar o culpado pela morte de Jade. E ele sabia que se não cumprisse a promessa, Charles o responsabilizaria até o ultimo dia de suas vidas.

Scaleth & CiaOnde histórias criam vida. Descubra agora