Capítulo 8 (Scaleth)

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A Rua Herman, localizada na parte nobre de Acanan, era lar das residências de boa parte dos nobres da cidade fortaleza. Vários baronetes tinham suas residências enfileiradas em casas grandes e bem ventiladas.
A rua recebeu esse nome devido ao navegador Thalêmico Herman Ortiz que, segundo relatos, foi o primeiro homem a visitar os três continentes conhecidos e fazer um intercambio cultural entre os diferentes povos.
Mais ou menos no final dessa mesma rua, havia uma grande residência de onde se podia ver pela sacada, ao longe, uma parte do Mercado dos Trapos. Esta era casa de número 45, a Residência Drake.
Do lado de fora, era possível ver o gramado sempre bem aparado, vidraças límpidas e soldados circulando a casa de tempos em tempos.
Havia dois andares na residência e o segundo contava com uma grande sacada que pegava de um lado ao outro da frente da construção.
─ Josh! Venha logo jantar! ─ Jade gritou do sopé da escada que levava ao segundo andar, mas não obteve resposta.
Ela sabia, por experiência própria, que crianças quando ficavam em silêncio por muito tempo, ou estavam dormindo ou estavam aprontando alguma traquinagem. E conhecendo seu filho, a segunda opção sempre parecia a mais acertada. Respirou fundo, previamente se preparando para o que quer que fosse encontrar no quarto do menino e subiu os degraus.
A porta do quarto estava encostada e por isso talvez Joshua não tivesse ouvido-a chamar. Sorrateiramente ela se aproximou e esticou-se nas pontas dos pés para olhar pela escotilha de navio que havia na madeira da porta. Jade não era uma mulher muito alta e por isso ela não conseguia ver o chão do quarto olhando pela escotilha, mas ainda assim, podia ver claramente o pequeno barco de boca aberta que fora adaptado para ser a cama do menino, os aquários com as miniaturas de celebres navios feitos por ele mesmo, e a mesa de estudos onde o menino se encontrava debruçado. Gentilmente ela bateu à porta.
Joshua ergueu a cabeça ainda segurando uma peça de madeira a qual havia acabado de passar uma mistura de ossos, cartilagem e tecido animal para unir as partes. Deu um largo sorriso ao ver a testa e os olhos de sua mãe pela escotilha.
─ Pode entrar, mamãe!
Jade girou a maçaneta que era idêntica a usada na porta da cabine do Capitão do Interceptor e entrou no quarto do filho. As flâmulas dos Navios piratas abatidos por Sir Charles de um lado do quarto e as bandeiras de aliados do outro. Estava claro há muito tempo qual seria o futuro de seu filho. Seguir os passos de seu pai e tornar-se um grande capitão corsário.
─ Qual navio é esse que você está replicando? ─ indagou ela demonstrando interesse genuíno pela maquete sobre a mesa do menino.
Joshua deu um leve sorriso para a mãe. Fazia apenas dois anos que ele aprendeu a ler os projetos de construções de navios. Começou, é claro, com navios pequenos. Mas hoje conseguia apontar erros de construtores renomados.
─ Esse é o Scaleth. ─ respondeu para Jade.
─ Scaleth? ─ Jade pareceu pensar por alguns segundos tentando se lembrar quem era o capitão desse navio, mas não conseguia achar na memória. ─ Não me lembro de nenhum Scaleth... Quem é o capitão?
─ O capitão do Scaleth... ─ começou o menino com um ar de diversão na voz ─ é um grande homem, tão incrível quanto o papai!
─ Mas parece ser apenas uma pequena nau... Seu pai comanda um galeão!
Jade, além de uma esposa apaixonada era também uma grande fã de seu marido. Não admitia que nenhum outro homem fosse tão excepcional quanto ele.
─ Vamos! Diga o nome desse mandrião! ─ continuou ela avançando com ambas as mãos na direção das costelas do menino ─ Ou vou fazer tantas cócegas em você que vai precisar trocar as bermudas!
Joshua pulou da cadeira dando risadas, ainda segurando as peças recém unidas.
─ Então a Bucaneira Jade está diante desse homem! ─ respondeu o menino aos risos.
─ Oh!!! ─ disse ela de forma exagerada parecendo uma donzela de teatro em apuros ─ Capitão Joshua Drake!? O único homem no mundo que pode ser comparado com o grande Capitão Charles!
Ela colou o dorso da mão à testa e jogou-se para trás, sobre a cama do menino. Joshua soltou as peças na mesa com cuidado, certificando-se de que permaneceriam unidas e pegou sua espada de madeira, pulou sobre a "proa" da cama com a espada apontada para sua mãe.
─ Renda-se, Bucaneira! E admita que o Capitão Joshua é o maior de todos!
─ Simplesmente não posso, Capitão! ─ respondeu ela ficando um pouco mais séria ─ Primeiro você precisa descer para jantar! Depois que estiver bem alimentado, vai crescer e estará um passo mais perto de ser um grande capitão!
Joshua franziu o cenho com a repentina saída da encenação.
─ Eu queria terminar o Scaleth antes...
Jade olhou sobre a mesa. Várias varetas de madeira fina, uma substância pegajosa que mestre Edwinn ensinara ao menino, pequenas lâminas e serrinhas para cortar espalhados sobre o tampo da mesa que antes fora "a Prancha" do Carcará Sangrento.
─ Faltam ainda muitos anos para poder pisar sobre esse tombadilho, Capitãozinho... Espero que até lá, seu pai já tenha terminado o trabalho dele e que essas águas sejam pacíficas para você. ─ ela respirou fundo, como se estivesse pensando nos perigos pelos quais Charles estaria passando sem ela, depois sorriu para o filho ─ O Scaleth não vai fugir. Quando acabar de jantar, pode continuar.
Joshua guardou a espada de madeira que, apesar de parecer um simples brinquedo pueril, era perfeitamente balanceada para ser igual uma espada de treino e desceu junto de sua mãe.
Na cozinha, sobre a mesa estava um dos seus pratos prediletos, posta de filhote de tubarão cozida com rodelas de tentáculos de polvo marinado ao suco de limão e cortes de batata.
Ele saiu correndo para puxar a cadeira e se sentar, mas Jade o deteve pelo colarinho.
─ Primeiro lave as mãos!
A contragosto ele se dirigiu para a tina de água sobre a pia da cozinha e higienizou as mãos levemente. Apesar de não ter muito conhecimento sobre doenças, Jade sabia que a maioria delas era devido a se alimentar com as mãos sujas. Sua avó sempre dizia que "a sujeira dentro do bucho dava dor de barriga".
Joshua comeu com avidez o prato que a mãe preparou e ainda repetiu meia porção.
Logo após, lavou sua boca com água e hortelã macerada, despediu-se de sua mãe e correu escada acima para continuar seu trabalho.

Scaleth & CiaOnde histórias criam vida. Descubra agora