O Jóia da Rainha era um grande nau para cerca de 150 tripulantes, seu casco era coberto de cracas e suas velas eram escuras; sobre o mastro principal estava uma bandeira negra com uma âncora branca cruzada com um tentáculo de polvo. Qualquer um que avistasse esse navio no mar iria implorar para que um raio lhe partisse em dois antes da aproximação e abordagem.
Seu Capitão era o temível Henry Kidd e sua tripulação era costumeiramente taxada de sanguinária.
E foi essa mesma nau que se aproximou das águas da Costa Dourada, ficando ancorada atrás de uma ilhota a algumas milhas à sudoeste de Acanan.
Com o cair da noite, um boca aberta bem grande foi preparado e colocado atado por um par de cabos logo abaixo da escada de estibordo para acesso ao convés principal.
Na parte posterior do navio, no castelo de popa, uma porta se abriu deixando a luz de lamparinas iluminarem uma pequena fração do convés. Um homem corpulento, vestido com uma casaca marrom, chapéu tricorne, espada atada ao cinto e botas de couro caminhou com passos pesados.
─ Capitão, é mesmo sensato desembarcar aqui em Acanan? Aquele maldito Charles o está procurando há tempos.
Henry Kidd preparou seu braço para acertar um murro no insubordinado que ousou questionar sua decisão, mas parou o seu furor quando viu que era o seu próprio imediato.
─ Acha sensato questionar o seu Capitão? Os tubarões adorariam caçar sua carcaça malcheirosa, seu verme! ─ a voz parecia uma mistura de rouquidão com asma ─ Aquele estorvo não faz idéia que estou aqui. Debaixo do bigode dele; é onde menos imagina procurar... O mar é grande e me encontrar é quase impossível! Há! Agora afaste-se!
Imediatamente o homem deu um passo para trás. Sabia que aquilo não era uma ameaça vazia e que o capitão poderia facilmente o arremessar pelo costado de bombordo, do outro lado do navio, apenas para provar que falava sério.
Apesar do seu tamanho e peso, Henry Kidd desceu a escada com facilidade até chegar à embarcação a remos que o aguardava na água.
Com o peso extra, a borda do bote chegou bem próximo da linha d'água. Era de fato tão corpulento que teve dificuldades em retirar os remos debaixo do assento de meia nau. Assim que conseguiu, os posicionou nas forquilhas de bombordo e de estibordo e com movimentos vigorosos colocou o bote em movimento rapidamente.Na parte mais deserta de Acanan, a ponta de continente que se projetava para dentro do Mar Dourado, uma figura encapuzada se pendurava na borda do parapeito do farol. Seus pés balançavam perigosamente soltos no ar, enquanto seus dedos começavam a enfraquecer devido ao longo tempo suportando o peso do corpo. O vento marítimo açoitava com violência em rajadas fortes e entrecortadas, o que fazia com que a capa em suas costas tremulasse como uma flâmula de navio e favorecia o balançar nauseante do corpo como se fosse um pêndulo sem rumo. Se caísse seria morte certa, já que estava a mais de 55 metros de altura.
A apenas alguns metros de onde os dedos dormentes seguravam o peso, uma figura humanóide se debruçava, imóvel, no parapeito.
Fazendo um movimento de balanço com ambas as pernas e aproveitando o impulso do vento o escalador jogou seu corpo para cima, acertando o rosto da figura imóvel jogando-a para trás com os pés.
Com o impacto a figura balançou pela amurada e caiu 55 metros abaixo, inerte, no chão de pedras pontiagudas. O escalador ajeitou seu corpo e ficou de pé sobre a plataforma, olhando para baixo sobre o parapeito.
Havia conseguido chegar até ali fazendo o mínimo de ruído possível. Agora tinha que se livrar de mais uma figura no interior da câmara do farol.
Caminhou silenciosamente até o outro lado, até identificar a silhueta através do vidro da janela. Sacou a faca que ficava escondida numa bainha debaixo da manga direita. Nada mais que uma chapa de metal afiada e esmerilhada até tomar a forma de um punho e uma lâmina levemente curvada e completamente negra.
Usando toda a sutileza que havia praticado por meses, abriu a porta sem fazer ruído, esgueirou-se pela abertura e tomando um só fôlego projetou-se de um salto para a figura imóvel perto da chama do farol.
Usando a mão direita tapou a boca da figura, puxando sua cabeça para trás enquanto que com a esquerda fazia a lâmina curva deslizavar pela garganta.
Deitou o corpo da figura no chão gentilmente para que o impacto não fizesse mais ruídos desnecessários, olhou envolta e assegurou-se que não havia mais ninguém por perto.
A lâmina refletora girava sobre a plataforma devido a um complicado sistema de engrenagens que usava a força do vento em pás de moinho acoplado ao farol do lado posterior à costa, fazendo com que o mecanismo necessitasse do mínimo de intervenção humana. O faroleiro precisava apenas abastecer o tanque de óleo e acender os pavios às 17h todos os dias.
O escalador ainda com o capuz cobrindo seu rosto direcionou-se para o mecanismo, esperou com que o refletor chegasse a uma determinada posição e retirou uma das engrenagens. O restante do sistema continuou girando, mas o refletor ficou parado projetando a luz do pequeno incêndio para uma única direção. Usando a grande tampa do abafador, obstruiu o foco de luz em pequenos intervalos. Talvez algum tipo de código secreto.
Assim que terminou, colocou a engrenagem de volta no lugar e dirigiu-se para a saída.
─ Simplesmente perfeito! ─ disse a tão conhecida voz de Andorius acompanhada por palminhas de parabéns. ─ Minha querida, isso foi mais do que eu esperava!
O escalador jogou o capuz para trás deixando seu belo rosto aparecer sob a luminosidade do farol que agora girava continuamente.
─ Quantos desses bonecos de palha terei que degolar até você me dar uma missão de verdade? ─ indagou ela apontando para o espantalho com o pescoço aberto e cerdas de palha para fora.
Andorius saiu debaixo das sombras onde havia se ocultado para que A'zarrel não o visse e caminhou na direção dela.
─ Logo! Ao que me parece, um "certo" cliente tem perguntado por mim, em breve ele deve bater em nossa porta. ─ ele acariciou o belo rosto da jovem succubus ─ Tão linda e mortal... Você será uma assassina perfeita em breve. Esteja pronta quando sua primeira missão chegar.
Estranhamente, o corpo de A'zarrel estremeceu com o carinho de Andorius em seu rosto. Ela fez o possível para não demonstrar nada, mas sabia que pouca coisa passava despercebida por aquele homem.
─ Vamos, querida, estou louco para assar aqueles pães!
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Scaleth & Cia
AventuraDevido à acontecimentos fora de seu controle, antes mesmo de nascer, Joshua Drake, filho do incomparável Capitão Corsário Sir Charles Drake, é envolvido em uma trama na qual se vê obrigado a abandonar a honradez e abraçar uma vida de pirata fanfarã...