Capítulo 3 (Nasce Mirabel)

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Uma caravana vinha com suas carroças cobertas puxadas por pequenos burros, mulheres e crianças se revezavam pela estrada; ora caminhando e ora sentados na parte posterior dos veículos. Pareciam refugiados de algum lugar abandonado pelos deuses, pois suas roupas não eram mais do que farrapos. Muitos ali tinham costelas amostra e outras marcas evidentes de uma alimentação precária e pobre em proteínas. Os burros, também magricelos pelo capim escasso faziam uma força absurda para continuarem puxando as carroças carregadas de tralhas e móveis.
Um homem vinha à frente dos demais, parecia ter algum tipo de status mais elevado, pois mesmo em meio aos seus trapos, demonstrava uma altivez diferente. Dirigiu-se até os portões de Acanan e ajoelhou-se.
De cima das ameias do muro que separava a cidade do deserto Valeck, um cavaleiro responsável pela guarda, naquele turno, revirou os olhos vendo-se obrigado a descer para receber a caravana.
O homem em farrapos continuava ajoelhado com a testa colada ao chão mesmo depois que uma portinhola se abriu para o cavaleiro passar. A armadura lustrosa refletia os raios do sol e o metal tilintava enquanto ele caminhava acompanhado de outros quatro soldados armados com lanças.
- Quem são vocês e o quê desejam em Acanan?
- Meu senhor, somos apenas um povo humilde que busca abrigo dentro de seus muros... - respondeu o líder ainda sem levantar o rosto.
- E por que precisam de abrigo?
- Senhor, nossa casa, Brósvia, passa por uma séria dificuldade nas mãos de um soberano cruel, o Duque Marcus II.
- Brósvia não fica no território de Thalema, quer que eu acredite que cruzaram meio continente a pé e um estreito de mar a nado?
- Não tivemos escolha, meu Senhor. Todos nós adotamos a vida de viajantes para fugir dos maus-tratos. O Duque se diverte colocando plebeus nus para lutar contra seus lobos. Então, os perigos da estrada se mostraram menos temerosos que uma morte certa. - respondeu o líder medindo cuidadosamente suas palavras para não soar arrogante. Ele ergueu seu rosto do chão e mirou os olhos azuis do cavaleiro.
O cavaleiro por sua vez já parecia estar desinteressado com a história trágica.
- Bem, Acanan não tem lugar para mais mendigos! A Cidadela dos Ratos já está infestada com toda sorte de escória. - dizia o cavaleiro enquanto fazia sinal para os guardas afastarem as pessoas do portão.
O líder relutou ao ser tocado pelos guardas e insistiu em permanecer ajoelhado na tentativa de apelar para a piedade e honradez do cavaleiro, mas sem querer acabou fazendo um dos guardas se desequilibrar e cair no chão poeirento. Aquilo foi visto como um tipo de agressão pelos outros três e todos foram com as pontas afiadas das lanças na direção do pescoço do homem. Contudo, antes que o atingissem, uma moça de uns vinte anos, cabelos vermelhos, pele clara e olhos verdes se interpôs entre eles.
- Parem! - ordenou o cavaleiro.
- Senhor, por favor, perdoe meu pai! Estamos todos desesperados por um lugar onde descansar e recuperar as forças. Não queremos causar problemas à cidade.
O cavaleiro observou a moça com olhos famintos, não conseguia entender como não a tinha visto até aquele momento.
- Seu pai? - comentou com um pouco de desdém na voz - Ele agrediu um guarda a serviço do Conde Allan Von Clifford. Por que eu deveria perdoá-lo?
- Não temos nada a oferecer além de nossos braços a seu serviço, Meu Senhor. Tenha um pouco de piedade...
O cavaleiro pareceu avaliar a situação por um segundo. Seus olhos azuis brilharam como se uma idéia tivesse surgido em sua cabeça.
- Talvez eu tenha trabalho para vocês... - murmurou ele, fazendo um novo sinal aos guardas. Desta vez, para abrirem os portões da cidade. - Escoltem esses miseráveis até a Cidadela. Lá não irão causar problemas para as vistas do Conde. - disse ao guarda e antes que esse pudesse romper marcha para acatar a ordem ele o segurou. - Traga a moça corajosa até meu quarto no alojamento para "combinarmos" as condições de permanência do povo dela aqui.
O guarda demorou alguns segundo para entender a ordem. Sentiu-se um pouco enojado ao perceber as intenções do cavaleiro, mas deu de ombros. Ele era pago para seguir ordens, bateu continência e logo depois se apressou em cumprir as ordens.
O líder do povo Brósvio ergueu-se do chão, bateu a poeira das roupas e fez uma reverência agradecido. Depois, voltou-se para sua filha, passando seu braço envolta dela para tirá-la dali o quanto antes.
- Espere! - disse o cavaleiro. - Você, moça! Qual o seu nome?
- Clara, meu senhor. - respondeu ela.
- Muito bem, Clara, qualquer problema que seu povo causar será cobrado de você. - disse ele voltando ao interior dos muros.

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