Capítulo 5

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A água quente da banheira envolvia meu corpo, a luz azul coloria os azulejos brancos do meu banheiro, finalmente podia relaxar, é claro que eu não estava sozinha, a Mary Jane me acompanhava.

Ao fundo, Liszt tocava como um louco, sério, aquele homem tinha mesmo só dois braços? Recomendo que ouça a Rapsódia Húngara, leitor, não irá se arrepender, pense em mim quando estiver ouvindo, quero ter os créditos de ter sido quem lhe mostrou essa obra magnífica. Sinta seus problemas se dissolverem em meio as notas do piano, seu coração palpitando a cada salto na música, é assim que me sinto.

Acho lindo a arte de tocar piano, até tentei tomar algumas aulas deste, mas não tive muito sucesso, talvez em outra realidade eu fosse uma bela pianista, dedilhando as teclas com furor, sentindo o êxtase da música da ponta dos dedos até a raiz dos meus fios de cabelo.

Droga meu celular vibrou, quem será o filho da puta que roubou minha brisa? Eu estava tão concentrada nos meus pensamentos, tão concentrada falando contigo que nem vi a hora passar, está quase na hora do almoço. 

Era o Jeff, esse maníaco trocou de número de novo? Cansei de bloquear ele, melhor eu mesma mudar de número. 

Jefferson era meu ex namorado, a gente ia se casar algum tempo atrás, eu estava quase, QUASE me unindo de vez a ele, era um relacionamento péssimo, só eu não enxergava, a mídia noticiou todo nosso relacionamento, só a parte boa, é claro. Ele tinha alguns problemas de raiva, e quando bebia com os amigos, piorava ainda mais, ele foi ficando ciumento, até que me bateu, foi nesse momento que decidi que o melhor era cancelar tudo.

Eu não tornei esse fato público, o cancelamento acabaria de vez com a vida dele, todos conhecem a fama do Jeff, já brigou em vários eventos, até mesmo com outros famosos, que merda, onde eu tava com a cabeça? 

Terminamos em outubro do ano passado, quando era Ano Novo ele já tinha começado a me perseguir e dizer que me queria de novo, e que seria tudo diferente, aquela velha historinha de todo cara louco, já deve ter visto algo assim. Bloqueei ele e ele parou, agora estamos no fim de setembro e ele voltou a me perturbar, nas últimas semanas isso tem se intensificado, isso tá muito estranho. 

Ele me disse que está com saudades, devo responder?

Não vou mandar ele se ferrar nem tomar no… ele mandou outra mensagem, disse que quer me ver…

Tem razão, melhor deixar pra lá e bloquear de novo. Se ele continuar assim vou ter que pedir uma medida protetiva.

Melhor sair da banheira, está na hora do almoço. Me sequei e vesti uma roupa qualquer, estava em casa e não havia paparazzi' s no meu quintal (não hoje).

Desci e a mesa já estava posta, hoje tínhamos frango, eu adoro o frango que a Janete faz, é o melhor que já comi, meu pai e minha mãe chegaram em seguida e se sentaram à mesa comigo.

O silêncio só não ocupava todo o espaço da sala de jantar porque nossos talheres batiam no prato, aquele tintinar de garfos e facas era o que nos salvava da mudez total.

—Assisti alguns minutinhos do seu desfile.— disse mamãe, quebrando a quietude da mesa. Em seguida deu um gole em seu suco e me fitou nos olhos.

—O que achou? Eu até que gostei do primeiro vestido que usei, o neon.

—Anelise… você estava chapada de novo na passarela?— ela deixou seu prato de lado por um instante.

Droga, ela percebeu, eu me odeio, eu me odeio, eu me odeio…

—V-você só percebeu porque me conhece mamãe… os outros não sabem que…

—Para de ser burra, uma hora eles vão perceber, que que é? Tá querendo estragar sua carreira de vez? Se afundar?

Permaneci em silêncio, nada que eu dissesse adiantaria mesmo.

—Tá achando que eu paguei todas as suas aulas, todos os seus figurinos em concursinhos de beleza, pra não dar a mínima pra essa merda? Acho melhor começar a se esforçar e pelo menos fingir que sabe fazer algo direito.— ela não gritava, toda aquela frieza e aquele tom amargo de decepção me deixavam ainda pior do que se ela estivesse surtando.

—Você desfila muito bem Lise, foda-se o que ela diz.— droga, lá vamos nós, papai acaba de se meter no meio, as vezes penso que ele só faz isso para poder implicar com ela, e não porque realmente gosta de mim e quer me defender. Isso é briga garantida, me desculpe por te fazer ver isso.

—A conversa é entre eu e a minha filha, não se meta.— as vezes ela dizia como se tivesse me feito sozinha, como se ele fosse só uma peça inútil pro meu nascimento. —Na sua idade Lise, eu estava dando o meu melhor, eu não decepcionava sua avó como você faz comigo. Faz favor de começar a se comportar como uma Montenegro decente e honrar seu sobrenome. 

—Eu estava cansada aquele dia, era meu segundo desfile do dia, queria algo pra ficar menos tensa, eu pensei que…

Ela me interrompeu, como sempre, ela nunca me ouve, eu disse, não adianta.

—NÃO QUER MAIS, É ISSO? DIZ DE UMA VEZ! É MELHOR COMEÇAR A DESFILAR DIREITO, SE MANCHAR A IMAGEM DA NOSSA FAMÍLIA EU JURO QUE EU MESMA CORTO SUAS PERNAS, INGRATA!

Eu recuei, quase caí da cadeira, que tipo de ameaça era aquela? Quando eu era criança ela dizia que me protegeria para sempre, mas e agora? Quem pode me proteger dela? Quem pode me proteger das ameaças da minha própria mãe? Me desculpe, eu não consigo conter minhas lágrimas, eu deixo meu almoço e vou em direção as escadas.

—Lise… desculpe, não foi isso que eu quis dizer… eu… LISE VOLTA AQUI!— ela gritava, mas eu não voltaria, dessa vez, eu não obedeceria, aquilo era demais pra mim. 

—Tá vendo só? Ninguém suporta a sua presença, seria melhor que fosse pra bem longe daqui.— antes de sair ainda pude ouvir meu pai, saindo da mesa, em seguida gritos e discussões que (felizmente) eu não pude escutar.

Entrei no meu quarto e me deitei em minha cama, deixei que as lágrimas molhassem a fronha do meu travesseiro, quase pude rasgar meus pulsos com as unhas de tanta dor. Não era uma dor física, destas que cicatrizam tão fácil, era uma dor na alma, que eu sentia me perfurar e me roer, eu não odeio ela, eu odeio a mim. Odeio a mim por não conseguir ser a sua garotinha perfeita como quando era criança, odeio a mim por não ser o motivo de seu orgulho, odeio a mim por não conseguir controlar esse vício, odeio a mim, somente a mim, talvez fosse melhor se tudo acabasse por aqui.

Que merda… eu tô pensando isso de novo… eu não posso, não posso ser egoísta assim, não posso ser mais ingrata.

Você me acha ingrata? Seja sincero. Eu preciso da sua sinceridade. Eu sou uma ingrata pra você?

Me desculpa por te meter nisso, eu preciso de um tempo sozinha, preciso sair, preciso ficar sozinha, preciso das cores de novo, tenho que esquecer isso.

Por que você ainda tá aqui? DÁ PRA ME DEIXAR EM PAZ?

O Último AtoOnde histórias criam vida. Descubra agora