Capítulo 1

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Eu estava no fim do meu baseado quando minha maquiadora começou a bater na porta do banheiro, furiosamente.

—Anelise pelo amor de Deus garota, faltam 10 minutos, cadê você?— em seguida ela bateu ainda mais agressiva, lá vamos nós de novo.

Tirei o pano molhado de baixo da porta e abri as janelas do banheiro de meu camarim para que o cheiro que Kelly tanto odiava fosse embora. Então abri a porta já com minha roupa pronta, o desfile de hoje seria épico, mas não por qualquer outro motivo e sim por que eu estava nele, me aguardavam do lado de fora, ansiosos para me verem desfilar.

Assim que abro a porta a loira faz careta e tosse com toda aquela fumaça vindo contra seu rosto:

—Que merda Lise, passa isso daqui…— ela pega um dos perfumes caros da penteadeira e borrifa em meu corpo, afim de disfarçar o cheiro.

—Obrigada.

—Dê uma volta, deixe-me ver como está. 

Obedeço e assim que me viro para ver sua expressão, não poderia ser mais satisfeita, seus olhos brilhavam ao ver meu vestido rosa neon e minha maquiagem impecável.

—Está maravilhosa, como sempre… venha se juntar as outras modelos, estão esperando.— ela andava apressadamente pela porta, a segui nos mesmos passos, estava tão ansiosa quanto eu (apesar de não ser nosso primeiro desfile juntas).

Assim que me juntei às outras, algumas se remexeram, pareciam desconfortáveis, até intimidadas, mas era só eu, o que faço qualquer Silva poderia fazer, eu nem sou tão boa assim.

Na verdade não faço ideia do porquê alguém pagaria para ver simplesmente andar, eu sou apenas uma garota rica e mimada vestindo roupas elegantes, nada novo.

Aquele vestido mais parecia um carro alegórico, mas até que era um bela peça, eu gostei, é um dos mais bonitos que já usei em um desfile, e o melhor, eu o ganharia de presente da marca.

Uma das garotas parecia super nervosa, estava ofegante e seu olhar mal conseguia se manter fixo em algum lugar, peguei um copo d'água no bebedouro da sala e a entreguei, sorrindo. Não queria que achasse aquilo forçado, eu só queria ajudar, eu já estive no lugar dela uma vez, ainda me lembro bem como é a sensação, ela sempre volta para mim e não me deixa dormir algumas noites.

Me sinto tão aliviada que alguém finalmente me ouve, leitor. Alguém de fato, real, que pode me entender e me ver assim… além da minha aparência e além do meu vestido neon.

Chega a hora do desfile, posso ouvir as vozes lá fora e a música, eu seria uma das últimas então apenas aguardei minha vez, como as outras.

Essa é minha vida desde os 7 anos… claro que sem a parte da maconha, era bem mais sem graça, bem mais cinza. Essa era a sensação, não sei descrever, apenas cinza, você entende? Quandos seus dias são longos e iguais, maçantes? E principalmente quando tudo parece te pressionar e te sufocar? Suponho que sim.

Ela deixa tudo leve, tudo colorido.

"I like to see everything in neon"…

Calma lá, não estou fazendo apologia as drogas, não me cancele, você cancelaria seu amigo maconheiro quando ele tá chapado perto de você por que a vida dele tá um saco? Eu acho que não, eu sou só a Anelise, tá legal? Esquece essa merda de top model.

Chegou minha vez, uhul! Vamos lá Lise, impressione eles com seu andar bonito. Mas não tropece, senão…

Respiro fundo e vou, desfilando como se estivesse sozinha, os flashes das câmeras, as luzes, os celulares apontados para meu rosto, tudo passava em câmera lenta enquanto eu andava, talvez efeito da minha doce Mary Jane, (inclusive, espero que você não seja um efeito dela, seria fudidamente traumático).

Aquela passarela parecia não ter fim, parecia maior quando tudo estava em câmera lenta, assim que termino volto para me trocar novamente no camarim.

A noite parecia mais longa que o comum, mas não terminamos tão tarde, apenas minha noção de tempo que estava horrível hoje, sem contar que minha cabeça parecia querer explodir, era uma sensação estranha, um misto de memórias nunca lembradas… eu não sei explicar. 

Minha mãe me diz que devia levar tudo isso a sério e parar de agir como se não me importasse, como uma garotinha mimada, por que muitas garotas queriam estar em meu lugar e terem essas mesmas oportunidades, me sinto culpada por isso as vezes. Sei também que mamãe não faz por mal quando diz isso, ela só sofreu demais e eu a amo mesmo com as palavras duras. Você também ama sua mãe depois das brigas, sabe o que quero dizer… eu acho.

Não quero tornar isso tão melancólico, ser uma modelo famosa e renomada tem seu lado bom, afinal. As festas, as bebidas chiques, as roupas glamurosas, as viagens, isso até que não é tão ruim, mas… depois de um tempo, você só deseja ser alguém comum, eu nunca fui alguém comum, sabe? Queria uma família normal, sem tanto tumulto de paparazzi 's no portão de casa.

Quando eu estava saindo, fui fotografada mais do que posso contar, uma garotinha atravessava a multidão, vindo na minha direção, com um caderninho lilás e um caneta com um coraçãozinho na ponta, em mãos:

—EI ANELISE… ANELISE MONTENEGRO! AQUI!

Seu pai veio correndo em sua direção enquanto gritava pela filha:

—JULIA, VOLTE AQUI, NÃO PODE SAIR CORRENDO ASSIM… com licença, por favor, é a minha filha…— ele empurrou um dos fotógrafos que insistia em ficar parado em seu caminho.

Fui então até ela, que estava contida por trás da cerca de aço que separava os fãs e fotógrafos dos famosos, eu não podia simplesmente ignorá-la:

—ANELISE MONTENEGRO PODE ASSINAR AQUI PRA MIM? SOU UMA GRANDE FÃ!

—Claro que sim, qual o seu nome?— disse enquanto segurava seu caderninho.

—JULIA! SEM ACENTO!

Então eu autografei (claro, sem o acento), e assim que eu entreguei a ela, pude ver seus olhos brilhando, eu inspirava alguém.

—QUERO SER IGUAL VOCÊ QUANDO CRESCER!

—Você com certeza vai ser! Uma bela modelo! Eu amei o seu cabelo.

Seu cabelo era afro, preso em um coque abacaxi e enfeitado com um laço amarelo, ela usava um vestido da mesma cor e tom, que combinava perfeitamente com o enfeite em seu cabelo, aquela mistura de cores me fazia imaginá-la como um girassol ambulante.

Nos despedimos e segui meu caminho até a limusine que me esperava, pude ver de relance seu pai a pegando no colo, certamente afim de controlar aquele ser minúsculo e agitado.

Entrei na limusine, outras modelos já estavam lá dentro, a noite estava apenas começando.


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