Capítulo 2 - Há promessas que não podem ser cumpridas

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Já havia se passado uma semana desde os eventos que culminaram na saída de Seher da mansão e da vida de Yaman. Na mesma noite em que tomou a decisão, Seher saiu de casa assim como chegou: apenas com a pequena mala e alguns poucos pertences, num ato simbólico de renúncia à história que construíra com Yaman. 

No momento em que cruzou o portão, não pôde deixar de lembrar da primeira vez que esteve ali e sentiu-se tão desgarrada quanto naquela época. Lembrou-se de como se agarrou à existência de Yusuf para que sua própria vida tivesse algum sentido, especialmente nos dias que se sucederam à morte de Kevser e do pai.

Na fatídica noite em que saiu da mansão, estava sem rumo, os pensamentos desordenados, mas não era mais a menina ingênua e impetuosa que chegara às portas dos Kirimli. Tudo o que tinha passado durante o período que vivera sob o teto de Yaman contribuía para que ela fosse quem era hoje. Agora, ela mesma era uma Kirimli, com o que quer que isso significasse. Nem que quisesse poderia voltar a ser a garota de antes, mesmo porque, por mais que saísse de casa, que cortasse laços com o marido, ele estava gravado em sua alma.

Mas em comum com aquele período tinha a decisão de lutar pelo sobrinho. Sabia que não seria fácil, que jamais poderia dar a Yusuf o mesmo padrão de vida que ele teria crescendo na mansão. No entanto, agora mais do que nunca lutaria para que a criança vivesse em um ambiente saudável, que tivesse chances de aproveitar plenamente sua infância e de se tornar um homem do qual Kevser e seu pai se orgulhariam. O que Seher tinha financeiramente não era o bastante para manter Yusuf, mas isso não refrearia seu desejo de mudança.

Agora, com a testa apoiada na janela de vidro enquanto observava Nedim se afastar levando Yusuf, sua mente retornou ao momento em que teve a conversa com Yaman.

[Dias antes]

Sabia que ele estava enlouquecido procurando-a pela cidade. No início, apenas olhava para as chamadas em seu telefone, aguardando que o toque cessasse e a ligação caísse na caixa postal. Em seguida foram as mensagens de texto e voz, mas não as abriu. Depois do que havia ocorrido, viveu um misto de emoções: primeiro estava destroçada e confusa demais, recapitulando em que momento teria errado, se havia uma parcela de culpa nos eventos que culminaram no confronto entre ambos. Paralelamente a isso, seu coração se condoía pensando no sofrimento a que ambos foram submetidos, sem entender o porquê das constantes provações. Não tinham sofrido o bastante? Não podiam ser um casal comum, como os casais dos clichês românticos? 

Passados esses primeiros sentimentos, veio a revolta. Revolta por ter de enfrentar problemas que pensava que haviam superado. Revolta porque uma vez mais estiveram à beira de um precipício por causa das desconfianças do marido. Sim, entendia o sofrimento e os traumas de Yaman. Sim, queria ter o poder de curá-lo. Mas isso não estava sob seu poder. Além disso, em situações como essa conhecia uma face dele que não podia mais ignorar: um homem capaz de varrer o mundo com sua fúria, como uma tempestade, destroçando principalmente a ambos. Esse Yaman era uma incógnita: aparecia quando ela menos esperava e nunca sabia o que esperar dele.

Ao mesmo tempo, seu coração não deixava de amar o outro homem sob a casca: o Yaman que era seu porto seguro, seu farol, em cujo peito podia repousar no fim do dia e cujo cheiro aquecia seu coração. A montanha em que podia se apoiar. Nos dias ruins, vivia pela espera do retorno desse Yaman, com o olhar doce e os toques gentis que lhe prometiam muitos mundos.

Havia ainda o cansaço de continuamente ter de provar seu valor. Suspeitava que nem mesmo Yaman podia controlar os próprios sentimentos nesse tipo de situação, mas até quando o casamento resistiria a essas intempéries? E, nesse caso, o que restaria dela ou de Yaman? E Yusuf, como ficaria em meio a tudo isso? Não era apenas uma questão de amar. Ou talvez fosse, mas de amar a si mesmo, e ambos careciam disso. Da maneira como estavam, já não eram capazes de manter as promessas que trocaram, tanto as que foram proferidas quanto as silenciosamente firmadas por gestos e olhares.

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