Capítulo 20 - Não posso prosseguir...

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Yaman esperou até que Seher adormecesse e só então abriu os olhos outra vez, um sorriso dançando em seus lábios ao pensar no que ela havia dito pouco antes. Havia algo de poético em estarem ali, pensou enquanto aconchegava-se ainda mais a ela com um beijo suave em sua têmpora, usando uma das mãos para afastar mechas que teimavam em cair sobre os olhos dela, ocultando parcialmente a face cálida e serena. Suspirou ao tocar nos fios macios, enredando uma mecha entre os dedos, deliciado com a suavidade e o cheiro dela e sentindo-se, mais do que nunca, realizado por enfim poder desfrutar desse momento.

Depois de tudo, aquela cama ainda era o primeiro leito do casal. Era o local que havia testemunhado uma parte preciosa de todo o percurso deles até que hoje estivessem nessa posição, completamente enredados um no outro, as almas ligadas de tal modo que talvez não houvesse fronteiras entre quem era Yaman e quem era Seher. Por quanto tempo havia sonhado com o momento em que a tomaria em seus braços e, assim como acontecera há pouco, naquela mesma cama percorreria as linhas de seu corpo, amando-a até não restasse distância entre eles? Nesses mesmos sonhos, depois do amor ela permaneceria como agora estava: repousando em seus braços, os cabelos espalhados ao redor de ambos, demarcando seu espaço e gravando nos lençóis o seu cheiro sem que qualquer barreira existisse entre eles, nem mesmo a dos tecidos.

Ou pelo menos era essa a sensação que tinha quando olhava para baixo e via o rosto delicado dela amparado em seu tórax, enquanto a mão pequena, como um toque de cura, suavemente se apoiava onde uma marca de tiro contava de um dos tantos infortúnios do casal. Então, inevitavelmente, seus pensamentos foram atraídos para instantes antes, como se com isso pudesse gravar em detalhes todas as minúcias do momento.

Yaman, maravilhado, encarou a esposa enquanto desnudava seus seios, devorando-a com o olhar. Quando enfim a deitou na cama e pairou sobre ela, fitou seus olhos, o peito se enchendo de ternura ao notar uma vez mais o rubor que tomava conta das bochechas dela e se espalhava pelo colo delicado, por onde ele já antecipava o momento em que correria os lábios sentindo o cheiro, o gosto e o calor.

Ao mesmo tempo que seu peito se enternecia, o corpo clamava ainda mais veementemente por ela, especialmente ao perceber na face da esposa o quanto ela também ansiava por ele. Isso se confirmou quando Seher timidamente levou as mãos ao peito dele, permitindo que os dedos finos passeassem por sua pele deixando uma marca em brasa onde tocavam, pousando, enfim, no local que gravava a marca da grande tormenta que fora a separação entre eles.

Para sua surpresa, viu quando ela, depois de acariciar a cicatriz em seu peito, beijou a marca na pele alva e o olhou outra vez nos olhos. Voltaram a unir os lábios, Yaman agora tomado pelo desespero de tê-la ali, na cama que tantas vezes fora palco da sua solidão, o lugar em que tantas vezes desejara tê-la para si, mesmo em períodos em que isso parecia um delírio inalcançável. Se fosse possível, diria que o gosto dela era ainda melhor nesse momento, mas sabia que isso também era a loucura da iminência da consumação de um desejo há tanto tempo represado. Ao mesmo tempo que invadia a boca dela e sentia a retribuição passando de tímida a voraz, começou a deslizar as mãos pelo corpo que estremecia sob o seu.

Quando enfim se afastou, o fez somente pelo tempo suficiente para que minimamente recuperassem o fôlego. Em seguida, voltou a passear pelo corpo dela, deixando que os lábios percorressem os caminhos já traçados tantas vezes em sua mente. Primeiro passou pelos seios pequenos que se moldavam com perfeição aos seus lábios e às suas mãos, depois prosseguiu, adorando-a com seu toque, até se aproximar de seu quadril e, em retribuição ao gesto anterior dela, beijar a cicatriz onde ela fora baleada ao se colocar diante dele quando ainda lutavam um contra o outro, selando, com isso, mais uma das tantas promessas forjadas no calor de um encontro que transcendia a mera junção dos corpos.

De volta ao presente, voltou a pensar no murmúrio suave dela antes de dormir: Como eu poderia viver sem você?, ela havia dito. Como se sua situação fosse diferente, Yaman ponderou. Entendia o quanto era difícil para ela fazer declarações de amor e isso em nenhum momento o fazia duvidar dos sentimentos dela. Mas a entrega e o cuidado dela, tanto antes quanto agora, eram provas irrefutáveis do que ela sentia. No entanto, reconhecia que declarações como a que ela pronunciara antes de sucumbir ao sono talvez fosse o mais próximo que chegasse de ouvi-la verbalizar o quanto o amava. Ainda era cedo, mal tinha anoitecido, mas provavelmente não retornariam ainda para a casa fora da cidade, visto que agora Seher dormia placidamente, a respiração compassada enquanto a cabeça se apoiava em seu peito.

Permaneceu assim um pouco mais, então decidiu providenciar o necessário para que passassem a noite tranquilamente. Para isso, levantou-se e informou a Cenger que dormiriam na mansão, pedindo que ele cuidasse para que Yusuf se alimentasse e depois fosse dormir em seu próprio quarto. Em seguida, voltou para a cama outra vez, disposto a, ao menos aquela noite, tentar deixar os problemas da porta para fora.

***

Ainda era noite quando Seher abriu os olhos, a princípio sem reconhecer o lugar em que estava, mas depois percebendo que estava de volta ao quarto do casal na mansão. Ao seu lado, Yaman é quem dormia agora, o braço pesado mantendo-a firmemente segura ali. Diferente da noite anterior, agora estavam ambos nus, mas, surpreendentemente, Seher não estava desconfortável. Se era pela penumbra ou porque Yaman dormia, não sabia dizer, mas, nesse momento, nada fazia mais sentido do que estar onde estava, sentindo o calor que emanava dele.

Ainda não entendia exatamente a que Yaman se referia na ligação mais cedo, mas fosse o que fosse, havia acendido um alerta em sua mente. Naquele momento, não evitou pensar em como havia chegado naquela situação. Foi na madrugada em que resolveu preparar a surpresa para Yaman que decidiu também se assegurar de que ele assinaria o divórcio. Na época, ainda não estava segura de que ao final dos três meses, se quisesse ir embora, ele aceitaria sem tentar mantê-la ao seu lado, especialmente depois que voltassem a compartilhar o quarto, mas desta vez sem nenhuma barreira entre eles. Era o preço que pagaria pela decisão de se entregar a ele...

Agora essa insegurança parecia infundada, até por reconhecer que não precisava dos três meses para decidir. Sua vida não era um teste, então só havia uma decisão a ser tomada nesse momento: não se arriscaria a perder o que há pouco conquistaram. Sabia que podia estar outra vez se lançando de um precipício, assim como havia acontecido outras vezes em seu matrimônio, mas preferia pensar que haviam superado tudo isso.

Levantou-se e, assim como na noite anterior, pegou a camisa dele para cobrir a própria nudez. Em seguida, foi até o escritório contíguo ao quarto, pegou o celular e sem se importar com a hora, discou o mesmo número que discara dias antes, quando havia decidido iniciar seu plano.

- Nedim?

- Seher? – ele respondeu.

- Não posso prosseguir com o plano.

Ouviu a respiração pesada dele do outro lado da linha e reconheceu o suspiro aliviado. Sabia o quanto custara a Nedim colaborar com seu plano, especialmente considerando a lealdade dele em relação a Yaman, então podia imaginar como ele se sentia agora, vendo-se liberto de um encargo que tanto lhe custara nos últimos dias. 

- Tudo bem. Amanhã levarei os papeis para que você os destrua – ele suspirou aliviado por enfim se ver livre daquela situação que, a contragosto, tivera que enfrentar. Quando Seher ia desligar, ele prosseguiu: - E, Seher... fico feliz que tenha voltado atrás.

Como se um fardo tivesse sido tirado de seus ombros, Seher desligou o telefone e retornou para o quarto. Após um breve instante de indecisão, voltou a desabotoar a camisa, um ligeiro tremor nas mãos enquanto aconchegava-se novamente ao corpo quente do marido sob a coberta, encontrando, uma vez mais, um lar naquele abraço.

Por trás do seu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora