- Quero o divórcio! E levarei Yusuf comigo...
Yaman fitou-a atônito, a frase ainda ecoando em seus ouvidos enquanto Seher o encarava fixamente, tentando mascarar a própria fragilidade com a decisão. Ficaram assim por algum tempo: Yaman tentando reorganizar seus pensamentos, com receio de que um passo em falso o afundasse ainda mais no precipício do qual se atirara nos últimos dias e temendo que em seu desespero afastasse irremediavelmente a esposa. Já Seher se preparava mentalmente para a batalha que viria, mas, ante o silêncio do marido, continuou:
- Sei que não posso oferecer a Yusuf a mesma estrutura financeira que você e não pretendo impedir que você tenha participação na vida dele. Pelo contrário: você ainda é o herói de Yusuf... Por outro lado, estou reorganizando minha vida e tenho certeza de que sou capaz de proporcionar a ele tudo o que é necessário para que ele cresça saudável e feliz.
Ouvir aquelas palavras tirou Yaman do transe em que se encontrava, despertando-o para um aspecto que ia além da relação entre Seher e ele: a guarda de Yusuf. Com o divórcio, havia um duplo risco de perder o sobrinho: primeiro, pela distância que isso significaria; segundo, pelo fato de ainda estarem sob a vigilância do Serviço Social.
No fundo, sabia que suas atitudes trariam consequências terríveis, mas custava a crer que outra vez estava a um passo de perder Yusuf e Seher. Divórcio, sem dúvida, era o seu maior pesadelo, ainda mais agora. Mantendo os olhos fixos no rosto dela, lembrou-se da escuridão em que vivia antes que ela entrasse em sua vida.
Na primeira vez que se encontraram, ele havia invadido a pequena casa em que Seher vivia, mas só muito tempo depois é que se deu conta de que, em contrapartida, naquele mesmo dia ela entrou em sua vida com os pés na porta, sacudindo suas convicções e reescrevendo as regras que ele impusera a si mesmo ao longo dos anos. Demorou a entender que a partir do dia em que se enfrentaram pela primeira vez, não havia ponto de retorno para ele: iniciara sua jornada por um caminho desconhecido e muito mais perigoso que os confrontos armados com os quais costumava se envolver, mas um caminho que agora trilhava de bom grado.
- Seher... - balbuciou, voltando a apoiar a cabeça entre as mãos enquanto tentava colocar os pensamentos em ordem. Inicialmente cogitou argumentar, explicando as razões pelas quais agira daquela forma abominável, mas ela já o conhecia o suficiente, então isso não bastaria - Não posso...
Antes que ele completasse a frase, Seher adiantou-se:
- Você diz que me ama e acredito nisso, então espero que me respeite o suficiente para me deixar ir em paz. Talvez assim possamos ao menos conservar boas lembranças do período em que estivemos juntos. Preciso partir e você sabe que não desistirei de Yusuf. Se estou conversando sobre isso neste momento é porque não quero que sejamos inimigos. Ainda somos os tios de Yusuf e não desejo que ele tenha que escolher um lado.
A cada palavra de Seher, o mundo de Yaman ruía um pouco mais. Amava a esposa com tanto ardor, tanto desespero que às vezes se questionava se isso era saudável. Sabia que algumas vezes exigia demais dela, especialmente quando perdia o controle das próprias emoções e a feria, ou quando colocava em seus ombros a expectativa de que ela o curasse de suas dores. Não sabia o que o afetava mais, se a perspectiva de perdê-la ou a possibilidade de feri-la ainda mais com a proximidade. Nesse momento, ela não ouviria seus apelos românticos e não a recriminava por isso. Resolveu então se apegar a questões práticas:
- Ainda que meu coração pudesse te dizer para ir, haveria a questão da guarda de Yusuf. Estamos muito próximos de resolver esse assunto... Mas um divórcio com certeza impactaria o processo e não podemos prever que consequências isso teria - Yaman ponderou, sentindo-se um covarde por ter que apelar para esse tipo de argumento.
- Sim, pensei muito sobre isso. Acho que poderíamos esperar para assinar os papeis até que a situação da guarda de Yusuf esteja resolvida de uma vez por todas. Enquanto isso, permanecerei em outra casa e conseguirei um emprego. Poderia ser até mesmo aquela em que ficamos quando o Serviço Social me deu a guarda provisória dele. Levo Yusuf comigo e por enquanto não precisamos falar nada sobre nossa separação. Podemos pensar em algo, não acho que seja difícil esconder, estamos muito perto... depois de conseguirmos definitivamente a guarda dele, podemos encontrar uma forma de você participar da vida dele. Você continuaria sendo o gigante, a referência de Yusuf, e por nada nesse mundo eu interferiria nisso.
- Esta casa está cheia, Seher. Temos, além dos funcionários, a presença de meu irmão, assim como Zuhal, sua enfermeira e Canan. Por quanto tempo acha que poderíamos manter isso em segredo? Até quando esconderíamos nossa situação? - Yaman argumentou, tentando ganhar tempo e encontrar uma forma de manter a proximidade. Uma coisa concordava com ela: não queria que fossem inimigos. Jamais guerrearia com ela como quando se conheceram. Mas como poderia viver se ela se fosse? Como dormiria à noite sabendo que jamais voltaria a sentir o calor dela ao seu lado na cama, o cheiro suave invadindo suas narinas ao adormecer e ao despertar? Como teria paz sabendo que nunca mais poderia apreciar o despertar dela, acompanhando o abrir dos olhos esverdeados pela manhã e o sorriso meigo? Talvez fosse um maldito egoísta, mas precisava acreditar que ainda tinha algo pelo que lutar.
Seher abriu e fechou os olhos algumas vezes, suspirando:
- Não posso nem por um dia a mais permanecer aqui - disse com franqueza. - Não vejo como eu poderia dormir no seu quarto outra vez, sendo sufocada pelas lembranças de tudo o que vivemos e pelas promessas quebradas aqui mesmo. Não consegui apagar o sentimento que me uniu a você, mas tenho medo de que estando aqui em pouco tempo nos reste bem pouco do respeito mútuo... eu poderia te dizer muitas outras coisas, mas acho que se formos mais longe nessa conversa, diremos coisas das quais nos arrependeremos e não haverá como desfazer isso.
Yaman olhou-a mais uma vez e lembrou-se das conversas que tivera com Cenger nos últimos dias. Depois da saída de Seher, revirou a cidade em busca dela. Tentou contato inúmeras vezes, mas sem sucesso. Depois de muito esforço Nedim tinha localizado Seher e Yaman já se preparava para ir até ela quando Cenger o aconselhou a esperar que ela viesse a seu encontro, pois certamente ela voltaria quando se sentisse pronta para conversar.
A ausência dela doía, mas agora, analisando-a de perto, se deu conta de algo que não havia percebido ainda: talvez sua presença ferisse ainda mais a amada esposa. Por muito tempo, considerou apenas o estrago que a ausência dela causava nele, mas percebeu que precisava deixar de lado a própria dor para evitar que ela sofresse. Foi então que de súbito algo lhe ocorreu e num impulso, antes que se acovardasse, disse:
- Entendo como você se sente, mas eu não viveria em paz se não tentasse outra vez. Proponho um acordo: em no máximo três meses teremos a resposta definitiva sobre a guarda de Yusuf. Peço que me deixe tentar reconquistar sua confiança e me redimir dos meus erros. Vou respeitar sua vontade de sair daqui, mas nesse período precisamos ficar na mesma casa, mesmo que em quartos separados. Se depois desse tempo você ainda quiser partir, eu respeitarei sua escolha.
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Por trás do seu olhar
FanfictionApós o mais recente episódio de desconfiança de Yaman, Seher decide recomeçar a vida longe do marido, embora (ou justamente porque) o ame. Yaman, no entanto, propõe um acordo que poderá mudar os rumos da vida de ambos. Esta é, antes de tudo, uma jor...
