Capítulo 6 - Sinto tanto a sua falta

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Mais tarde, enquanto Yusuf e o tio faziam a refeição, Seher aproveitou para preparar os quartos ao mesmo tempo que refletia sobre todas as mudanças ocorridas nos últimos dias. Não fazia muito tempo que estivera envolvida em outra preparação, aquela que, se tudo tivesse ocorrido como o esperado, teria culminado na entrega final ao seu amado, em sua rendição ao amor que ambos sentiam e a tudo o que isso implicava no casamento. Agora as condições eram tão diferentes, pensou enquanto segurava o pijama do marido, deslizando as mãos sobre o tecido frio, mas impregnado pelo cheiro dele, desejando correr os dedos por sua pele. Quando se deu conta do que fazia, Seher depositou a roupa sobre a cama do quarto em que ele dormiria e em seguida foi até o quarto que dividiria com Yusuf.

Como tinha observado mais cedo, dos três quartos disponíveis na casa, um não estava em condições de uso, restando, portanto, apenas dois: um seria ocupado por Yaman e outro por Yusuf e ela. Dormir em quartos separados havia sido uma das condições impostas por ela no momento em que decidiu aceitar a proposta do marido, afinal, não via como poderia se manter no mesmo espaço que ele por toda a noite, como se nada tivesse acontecido. Na ocasião, embora o amasse, estava ferida, queria distância, queria puni-lo. Além disso, embora não conseguisse esquecer os momentos maravilhosos partilhados, não podia deixar de lembrar de como esses bons momentos foram interrompidos abruptamente. Mas agora se perguntava: que espécie de punição era essa que doía tanto nela quanto nele?

Embora pouco tempo houvesse se passado desde o último confronto, a verdade é que a raiva que sentira na ocasião aos poucos amainava. O ardor da mágoa ainda queimava em seu peito, é claro, mas agora isso se misturava ainda mais à falta que sentia dele. Já estiveram em conflito em outras ocasiões e a cada uma delas, a separação doía muito mais, porque a cada retorno o amava ainda mais e tinha muito mais dele para se apegar. Talvez por isso dessa vez sentia uma insegurança diferente, mesclada ao medo de se lançar cegamente nos braços dele e ter de passar outra vez pelo que passaram. Não duvidava dos sentimentos ou da sinceridade de Yaman, mas a convivência tinha mostrado o quanto ele era suscetível a dúvidas e inseguranças que despertavam reações imprevisíveis.

Estava exausta, o dia fora intenso e mesmo assim ainda restava muito a ser feito. Imaginava que Yaman também se sentia da mesma maneira, pois assim como ela passara o dia envolvido em diversos reparos pela residência. Ainda não conseguia entender o estado da casa e a explicação que Yaman lhe dera quando chegaram pouco revelava sobre o porquê de a residência estar daquele jeito. Não tinha certeza sobre a situação em que estava o restante da propriedade, preferia não julgar pelo olhar de relance que dedicara à parte externa, mas ao menos a casa em si não condizia com o que ela havia esperado desde o momento em que viu a fotografia do lugar, antes de virem. Isso fez com que Seher pensasse sobre tantas coisas que ainda não entendia completamente a respeito de Yaman.

Embora estivesse cansada, sentia-se grata por ter do que se ocupar nos próximos dias. A faxina e os reparos na casa manteriam os dois atarefados. Especialmente nos momentos em que Yusuf não estivesse com eles, pensou enquanto olhava ao redor, satisfeita com o que via. Agora sim, estavam preparados para passar por essa noite, e esperava que com o decorrer dos dias as coisas se tornassem mais fáceis.

*

Já era madrugada quando Yaman acordou com o som de gritos. Inicialmente cogitou que fosse mais um dos tantos pesadelos que o assombravam e que se intensificaram nos últimos dias, mas depois constatou que vinham no quarto ao lado. Seher... Yusuf..., ele murmurou, já sentindo uma pontada de pânico enquanto corria até o local. Ao chegar lá, se deparou com Yusuf abraçado à tia, ambos encolhidos em um canto.

- Tio... - o garoto fez menção de correr até ele quando o viu, mas Seher manteve o sobrinho firme em seus braços, impedindo-o de ir.

Ainda sem entender completamente o que se passava, Yaman quis correr até eles, mas foi detido pelo comando dela:

- Pare!

- Seher, o que...

- Há estilhaços no chão, você vai se ferir - ela explicou, apontando para o chão e em seguida para seus pés descalços.

Só então Yaman conseguiu desprender os olhos dos dois e fitou ao redor, tentando entender o que tinha ocorrido. Foi aí que se deu conta da chuva que caía torrencialmente, o vento furiosamente balançando os galhos de uma árvore que ficava ao lado da janela. Provavelmente a violência da tempestade fizera com que os galhos se chocassem contra o vidro e este se rompesse, Yaman pensou. Passou os dedos entre os cabelos e respirou aliviado ao constatar que a esposa e o sobrinho aparentavam estar bem, embora o quarto estivesse um caos e tanto Seher quanto Yusuf parecessem assustados.

- Vocês se machucaram? - ele perguntou, voltando a fixar seus olhos nos dois.

- Estamos bem - a voz dela era pouco mais que um sussurro trêmulo elevando-se sobre a tempestade que caía e que, sem os vidros da janela, agora invadia parte do quarto - Você pode trazer meu chinelo para eu sair daqui com Yusuf? - ela pediu.

Yaman balançou a cabeça em sinal afirmativo, mas ainda não conseguia processar completamente o pedido dela. Estava assustado pela possibilidade de que algo tivesse ocorrido a eles. Sim, sabia que a casa precisava de vários reparos, mas antes de virem tinha se certificado de que não houvesse nenhum risco para Seher e Yusuf. Mas agora... será que sido imprudente?

- Yaman... - Seher o despertou de seus devaneios.

- Sim, sim... um instante, por favor... - disse ele, retornando ao próprio quarto para calçar os chinelos. Em seguida, voltou para junto de Seher e Yusuf e pegou o sobrinho no colo. Abalado, o garoto apertou os braços em torno do pescoço do tio.

- Tio...

- Calma, meu pedaço de fogo. Não tenha medo, estou aqui. Mas precisamos resgatar sua tia, tudo bem? - Yaman disse, inicialmente retribuindo o abraço, afagando os cabelos do sobrinho em sinal de conforto, mas depois afastando-se apenas o suficiente para olhar nos olhos do menino, que concordou com um gesto. Yaman o levou então ao próprio quarto, colocando-o na cama: - Espere aqui, sim?

Em seguida, correu até Seher, que o aguardava, agora abraçada ao próprio corpo, tremendo tanto pelo frio como pelo susto. Aproximando-se dela, estendeu os braços para que ela viesse até ele, mas Seher apenas o encarou.

- Seus chinelos provavelmente estão cobertos de estilhaços também... - Yaman explicou, apontando para o calçado em um local cercado por estilhaços.

Sem alternativa, Seher deixou-se acolher pelos braços dele, enquanto era levada até o quarto onde Yusuf já os esperava sob as cobertas. Nesse momento, Yaman lamentou que a distância entre os quartos fosse tão curta, embora isso pudesse ser providencial em outras ocasiões. Com algum custo, colocou-a de pé. Ali de perto conseguia ver com mais clareza ainda o quanto Seher estava amedrontada, embora ela tentasse disfarçar. Encararam-se por algum tempo, até que foram interrompidos por Yusuf:

- Tio, tia... fiquei tão assustado - o menino se aproximou se ambos, requisitando um abraço. - Podemos dormir juntos outra vez? - questionou-os.

*

Yaman despertou com o toque suave em seu peito. Abriu os olhos sobressaltado, enquanto Seher se aninhava ao corpo dele, os cabelos espalhados em seu entorno. Olhou ao redor, procurando Yusuf, mas não o viu. Precisava encontrá-lo, afinal, aquele ainda era um ambiente desconhecido para o sobrinho. Mas, por um instante, permitiu-se desfrutar da proximidade de Seher, recordando as vezes em que, na noite silenciosa, os corpos se buscavam na cama do casal, mesmo que fosse apenas para se abraçarem, se enlaçarem.

Queria parar o tempo naquele momento, mas não demorou a perceber que ela ainda dormia e provavelmente sonhava, murmurando palavras desconexas enquanto os lábios se curvavam suavemente num sorriso. Sabia que ela se envergonharia se acordasse naquela situação, então decidiu se afastar sutilmente para que ela não percebesse. Mas precisava, só por um momento, inalar o cheiro de seus cabelos, o que fez sem demora, carregado de saudade.

Seher ainda dormia, mas mesmo assim, como resposta, seu corpo achegou-se ainda mais ao dele, uma das pernas torneadas deslizando entre as dele. Engolindo em seco, Yaman conteve um gemido angustiado, detendo a vontade de deslizar a mão pelas costas dela, aproximando-a ainda mais. Sabia que isso precisava acabar agora ou enlouqueceria. Tocou ternamente a mão dela, quente e miúda, que repousava em seu peito amplo, e preparou-se para se afastar, mas foi interrompido pelo doce murmúrio:

- Sinto tanto a sua falta...

Por trás do seu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora