Capítulo 4 - Tenho uma condição

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Retornando ao presente, Seher afastou-se da janela, sem conseguir mensurar ao certo por quanto tempo permaneceu absorta nas lembranças de sua conversa com Yaman. No último encontro com o marido, para sua surpresa ele havia proposto que enquanto esperavam a guarda definitiva de Yusuf, Seher permitisse que ele tentasse recuperar sua confiança, garantindo que a deixaria partir se, ao final do período, ela assim decidisse. 

Agora, enquanto terminava de fechar as malas, outra vez suas lembranças levaram-na à última conversa com Yaman.

Seher relutou, pois não tinha imaginado que a conversa iria por esse caminho. Havia se preparado para algum tipo de confronto, mas a proposta de Yaman havia sido uma surpresa. Ele tinha razão, não podiam se arriscar a perder Yusuf outra vez, justo agora que estavam tão perto de ter a guarda definitiva do sobrinho. Entretanto, não tinha certeza de que no final dos três meses ele a deixaria ir sem tentar impedi-la.

Além disso, temia que estando outra vez na mesma casa que ele não resistisse ao marido. Ainda o amava demais, sentia falta daqueles detalhes de convivência e proximidade de que desfrutaram, coisas simples como adormecer sentindo o calor reconfortante dele ali ao seu lado na cama, a voz enrouquecida dele sussurrando um boa noite, e, no dia seguinte, despertando-a com um bom dia carinhoso... ou ainda os toques furtivos ao longo do dia, sempre que tinham ou criavam oportunidade. 

Ouvir a proposta balançou o coração de Seher, principalmente quando percebeu o desamparo refletido no semblante de Yaman, que certamente não era diferente do que seu próprio rosto demonstrava. Estava tentada a aceitar e buscava enganar a si mesma dizendo que não podia se arriscar a perder Yusuf outra vez, mas seu coração sabia bem que não era apenas por isso. No entanto, não demorou a ser assaltada pela lembrança de seus motivos para partir. No dia em que decidiu sair da mansão estava determinada a nunca mais se sentir daquela maneira. Como em tão pouco tempo voltaria atrás em sua decisão? Não, por mais que o amasse, por mais que o quisesse, tinha um compromisso consigo mesma.

Yaman, pressentindo a recusa, continuou:

- Como eu disse, depois desse período, se não pudermos mais ficar juntos, não voltarei a discutir, nem a importunarei a respeito da sua decisão. Yusuf irá com você e encontraremos uma maneira de eu participar da vida dele...

Seher ainda não conseguia decidir. Parecia um bom acordo, mas estava tão enlevada pelas palavras e pela proximidade dele que se questionava se teria capacidade de decidir no momento. Que poder era aquele que ele tinha de se infiltrar em suas células e roubar-lhe a razão? Há pouco estava decidida, tinha um roteiro em sua mente... mas agora, o controle que julgava ter da situação escorria por entre seus dedos, assim como a determinação em manter-se longe dele. 

Por outro lado, se se esforçasse o suficiente, quem sabe conseguiria manter o mínimo de distância dele, ainda que permanecessem na mesma casa. Para isso, precisava impor alguns limites não apenas a ele, mas a si mesma também. Sim, Seher começou a se convencer, podia se esforçar.

- Tenho uma condição... - ela disse, por fim.

Decidiram que nesse período iriam para outra casa, entre outras coisas para evitar que as pessoas com as quais conviviam se dessem conta de que algo mudara entre ambos. Inicialmente Seher quis ir para uma residência alugada, mas Yaman argumentou que isso soaria muito estranho. Por que, se supostamente estavam bem, iriam para uma casa alugada quando ele mesmo tinha diversas outras residências? A solução que encontraram foi a ida para uma outra casa, mas que pertencesse a ele. 

Mostrou algumas opções a ela, e, dentre todas, Seher optou por uma localizada nos arredores da cidade. Lá teriam mais privacidade para viver nos novos termos, pensou Seher. Além disso  parecia um ambiente completamente diferente da mansão, muito menos suntuoso, mas agradável. Yaman, por por vez, só conseguia pensar nas possibilidades que o lugar oferecia para que reconquistasse a esposa. Sabia que havia o risco de que ao final dos três meses Seher mantivesse a decisão, mas, honestamente, quando a ouviu tão firme instantes antes, não conseguiu pensar em outra alternativa e disse a primeira coisa que lhe ocorreu. Não podia voltar atrás, ou ela não o ouviria outra vez.

Lá estariam apenas com Yusuf. Embora fosse um pouco afastada, a residência não era tão longe que atrapalhasse Yusuf frequentar as aulas normalmente. Todos os dias o levariam à escola e depois retornariam para a casa. Yaman e ela ocupariam quartos distintos e tentariam impor alguma distância entre ambos... Inicialmente, Seher organizaria alguns aspectos relacionados à partida. Yaman, por sua vez, cumpriria alguns compromissos na empresa, num arranjo similar ao que já estava vivendo, e depois só iria pessoalmente ao trabalho quando estritamente necessário. 

Assim, no tempo em que estivessem na nova casa, poderia dar alguma atenção à propriedade, que permanecera praticamente inabitada nos últimos anos, exceto pela presença de funcionários que mantinham o local em algum estado de conservação. Yaman tinha algum apreço por aquele local, mas teve seus motivos para ter partido sem olhar para trás... agora, depois de muito tempo retornaria e teria que lidar com lembranças dolorosas. Mas isso realmente não importava, desde que ela estivesse ao seu lado outra vez, mesmo que em circunstâncias diferentes do que ele gostaria.

Depois de acertarem esses e outros detalhes a respeito da partida, Seher voltou para a casa em que estava, levando consigo o sobrinho. Ficariam por enquanto Yaman terminava de organizar outros detalhes e depois iriam os três...

Outra vez Seher despertou de suas lembranças, mas agora pelo som da campainha. Mesmo sem tê-lo visto, sabia. Era ele. Com o coração aos saltos, como uma menina, se apressou, retorcendo as mãos. Acalme-se, pensava enquanto corria até a porta, ansiosa por revê-lo. Embora não tivesse passado muito tempo desde que o vira, para ela era quase a eternidade. Abriu a porta e deparou-se com ele, ainda mais belo e impressionante do que ela se lembrava. Yaman, por outro lado, encarou a esposa com indisfarçável alívio. Não haviam conversado desde aquele diálogo em que fez a proposta e às vezes temia que ela mudasse de ideia. Mas quando ela abriu a porta, pôde respirar outra vez. Ali estava sua linda Seher... não sabia o que dizer, apenas fitou-a com amor, agradecendo mentalmente por encontrá-la ali.

Foi Seher quem quebrou o silêncio:

- Olá... entre. Já organizei o necessário para levarmos. Comprei algumas coisas, estão todas ali nas caixas - apontou para o canto da sala pequena. 

- Yusuf...?- Yaman inquiriu, também nervoso como um garoto, temendo perder-se na imensidão esverdeada de seus olhos. Nunca estivera naquela situação, nem mesmo com ela. Sabia que desta vez estavam vivendo algo completamente novo na relação e tinha consciência de que agora a aposta era muito alta... tinha muito a perder.

- Nedim o levou para a escola e depois o deixará conosco... você tinha razão, não temos certeza de como estará a casa. Sei que havia pessoas cuidando de tudo, mas precisamos ver como estão as coisas por lá. Assim, quando Yusuf chegar já teremos organizado o necessário... - Seher murmurou quase que para si mesma, convencendo-se de que essa era a razão para ter aceitado ir apenas com Yaman e depois levarem Yusuf.

Yaman apenas assentiu. Em seguida, sem que trocassem mais palavras, começaram a levar as coisas para o carro dele. Não demorou muito para finalizarem essa atividade. Com um último olhar, Seher trancou a porta da minúscula, mas aconchegante casa que a acolhera nos últimos dias. Não conseguia antecipar o resultado do que estavam fazendo agora, mas sabia que sua vida não seria a mesma depois disso.

Por trás do seu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora