Seher tremeu de emoção ao olhar para o anel, como se tivesse sido transportada ao dia em que pela primeira vez Yaman entregou a jóia a ela. Cerrou as pálpebras, sentindo o vento frio varrendo sua pele, e, por um instante, era como se estivesse diante daquele homem que lhe propusera o casamento por formalidade. Apesar de tudo, ainda brilhava na face dele um olhar tão intenso e perscrutador quanto o daquele período, capaz de abalar o chão sob seus pés.
As palavras de Yaman ecoavam em seus ouvidos, tanto as de agora quanto as daquela ocasião, e desejou com todas as suas forças ser a mesma mulher da época do noivado, com as mesmas expectativas e esperanças, mas uma parte dela havia se transformado com tudo o que vivera desde então. Entretanto, com tudo o que passaram havia agora um desencanto do qual não conseguia se libertar, como se uma pequena parte sua a forçasse constantemente a lembrar do que passaram. Mas também havia uma ponta de esperança, talvez porque ainda existisse uma parte da Seher ingênua de antes.
Olhou para ele, que aguardava uma resposta, o rosto denunciando a expectativa. Recapitulou tudo o que viveram nos últimos dias e o significado de cada uma das promessas mais recentes e entendeu o que ele propôs desta vez. Sabia que agora seria um passo maior do que haviam dado até então. Também queria as mesmas coisas, mas a garganta parecia travada e não conseguiu responder. Então apenas estendeu a mão e deixou que o anel deslizasse em seu dedo, como na primeira vez. Depois assistiu ele levar sua mão à boca e beijar seus dedos com um sorriso aliviado e não conteve o curvar dos próprios lábios.
Yaman então uniu as mãos de ambos. Ficaria o quanto precisasse daquele jeito, só não queria que ela se distanciasse outra vez. Depois da iminência de perdê-la, no momento, qualquer toque bastava para ele.
Ficaram por algum tempo se olhando, cada um travando uma batalha interna contra suas próprias inseguranças, até que Seher soltou uma das mãos e levou até o cabelo acima da orelha dele, acariciando os fios como ele gostava de fazer com ela. Yaman fechou os olhos por um breve momento e quando os abriu outra vez, queimava. A essa altura, ela já podia decifrar esse olhar. Sabia precisamente o que ele faria a seguir então interrompeu o contato, a mão suspensa no ar, recusando-se a se afastar completamente.
- Seher... - ele disse num fio de voz, inclinando a cabeça o suficiente para que ela sentisse o calor de seu hálito, minando qualquer resquício de sanidade que restava.
Seu coração deu um salto, ao mesmo tempo ansiando o que sabia que viria, mas ainda receosa pelas coisas não ditas entre ambos. Precisava ganhar tempo ao menos até que pudessem conversar sobre as implicações desse novo compromisso que haviam assumido.
- Precisamos cortar seu cabelo - disse a primeira coisa que lhe ocorreu, sabendo, contudo, que não era por isso que havia acariciado ele.
E pelo visto Yaman também sabia disso, pois apenas assentiu, mas continuou parado a centímetros de seu rosto.
- Podemos fazer isso... - ele disse, mas obviamente não estava muito preocupado com o cabelo.
O coração de Seher batia enlouquecidamente e os dedos, como se tivesse vida própria, subiram outra vez para o rosto dele. Com certeza enlouqueci, ela pensou enquanto roçava a mão pela face dele. Tocou o bigode, como havia desejado pela manhã, e sentiu a respiração dele pesar, o hálito quente incendiando sua pele enquanto passava pelos lábios entreabertos dele.
Devo estar no paraíso, Yaman ponderou enquanto acompanhava a tímida exploração por sua face, apreciando o contraste dos dedos finos e delicados contra sua barba, seu bigode e depois alcançando os lábios. De todas as reações possíveis, jamais imaginaria que ela fosse fazer algo assim naquela noite. Era muito contida quanto a isso, embora por nenhum instante duvidasse de que ela o amava, de que o desejava também.
Não queria se precipitar outra vez, então foi lentamente posicionando as mãos na cintura dela e trazendo-a mais para perto. Seher não se opôs, então o próximo passo foi erguer uma das mãos, encaixando-a no rosto dela. Como era preciosa sua Seher, pensou enquanto notava o rosto dela praticamente sumir em sua mão. Depositou um beijo em sua testa e notou que ela fechava os olhos em apreciação à carícia. Então o inevitável aconteceu e o encontro dos lábios selou novas promessas silenciosas, o corpo pressionado ao dela, revelando o quanto a proximidade o afetava. Acalme-se, Yaman, dizia a si mesmo, enquanto se separava dela.
- Yaman... - ela sussurrou quando finalmente se separaram buscando fôlego, apertando os braços em torno dele como uma espécie de reencontro.
Ficaram mais um tempo abraçados em silêncio, até que um tremor percorreu o corpo de Seher. Yaman então pediu que ela aguardasse um instante, voltou até o quarto e, retribuindo o cuidado dela, trouxe duas mantas, além de travesseiros. Depois de circundar os ombros dela com o tecido, levou-a em direção a uma das árvores que ladeavam a casa, cobriu o chão com um tecido e posicionou os travesseiros para que se sentassem confortavelmente e apoiassem as costas no tronco da árvore.
- Queria ter te entregado o anel em outra ocasião, em outro local, mas não me contive... - confessou.
Calaram-se outra vez, mas o silêncio já não era de todo desconfortável. Sentados sobre aquela manta, os quadris se tocavam levemente, sem que nenhum dos dois tivesse a intenção de se afastar. Aos poucos, Seher foi relaxando o corpo e em pouco tempo havia encostado a cabeça no ombro dele e, com um suspiro, falou:
- Você disse que quer recomeçar, que quer viver uma vida comigo, mesmo que apenas pelos três meses. Acho que a essa altura você já sabe minha resposta. Mas a verdade é que não sei de onde partiremos. Quer dizer, não é a primeira vez que vamos recomeçar, mas ainda assim, não sei o que fazer.
Yaman engoliu em seco e pegou a mão dela, trazendo-a até sua coxa, onde a manteve enquanto acariciava os dedos numa tentativa de transmitir-lhe calor e, ao mesmo tempo, não perder o contato há pouco recuperado.
- Sei que o que houve conosco te machucou de uma maneira diferente. Acho que nunca havíamos chegado a um ponto tão doloroso, mas vivo pela esperança de que não foi o fim, de que há uma maneira de nos recuperarmos. Muitas vezes falei das minhas dores, e talvez não tenha ouvido suficientemente as suas. Então quero recomeçar desse ponto - disse, recebendo em resposta um olhar surpreso dela.
Vendo que ela esperava que ele continuasse, Yaman prosseguiu:
- Em outra ocasião, conversamos sobre o porquê de termos vindo a essa casa, e confesso que eu esperava que ela funcionasse como uma espécie de símbolo da nossa própria reconstrução. Pensei que poderíamos fazer como na casa de tia Guller, que enquanto trabalhávamos pela reconstrução do imóvel, recolheríamos nossos próprios escombros e reergueríamos nosso lar. Ainda acho uma boa ideia, mas vejo que se quisermos que as coisas sejam diferentes, desta vez isso não vai bastar. E se, por um momento, pudéssemos ir a um lugar onde estaríamos apenas você e eu, um lugar em que pudéssemos abrir o coração um ao outro de fato, falar do que realmente nos aflige em tudo isso?
Era uma ideia tentadora, Seher pensou, mas não disse nada. Apenas assentiu com um gesto e apertou levemente a mão dele, que aquecia as suas. Foi aí que sentiu a aliança dele e, num gesto inconsciente, começou a acariciar o local. Ainda havia muito a ser dito, mas naquela noite, não verbalizaram mais nada, apenas desfrutaram de um confortável silêncio. Bastante cansada, Seher foi lentamente repousando a cabeça no corpo dele. Só mais um pouquinho e logo irei para o quarto, pensou enquanto era vencida pelo sono.
Ao perceber que Seher havia dormido, Yaman ainda permaneceu por algum tempo na mesma posição, temendo que ela acordasse caso ele se movimentasse. Enquanto isso, agasalhou-a ainda mais sob a manta, trazendo-a para mais perto de seu calor. Ainda restava um longo caminho a ser trilhado, mas já estava muito mais longe do que imaginou que estaria a essa altura.
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Por trás do seu olhar
FanficApós o mais recente episódio de desconfiança de Yaman, Seher decide recomeçar a vida longe do marido, embora (ou justamente porque) o ame. Yaman, no entanto, propõe um acordo que poderá mudar os rumos da vida de ambos. Esta é, antes de tudo, uma jor...