Capítulo 10 - Quero uma vida com você

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Seher despertou com a luz dos primeiros raios solares, sentindo o calor familiar de Yaman no espaço apertado em que dormiram. Olhou ao redor, a princípio sem reconhecer onde estavam, e só então percebeu que haviam adormecido em uma espreguiçadeira na varanda e ele ainda descansava depois do sono conturbado do início da noite. 

Depois que Yaman despertou com um pesadelo na noite anterior, ficaram acordados por muito tempo conversando. Perderam-se nos braços um do outro, embalados pela canção do casamento entoada pelas vozes saudosas e apaixonadas de ambos, os lábios se buscando, ressentidos pela distância a eles imposta. O dia já se aproximava quando deitaram-se ali mesmo na espreguiçadeira, na ocasião sem se importarem com o desconforto do móvel estreito.  

Embora suas costas agora doessem, Seher não se levantou de imediato. Aproveitou para sentir um pouco mais o braço pesado do marido em sua cintura, a respiração compassada dele em sua nuca, o corpo grande colado a suas costas. Não precisava ver o rosto de Yaman para imaginar cada traço da face dele, mas ainda assim queria ser desinibida o bastante para virar-se de frente para ele, acariciar seu rosto, o olhar demorando-se em cada centímetro de sua pele. Tudo nele era cativante, então, se fosse essa Seher, roçaria os dedos por sua barba, acariciaria aquele bigode que a fascinava há tanto tempo, tocaria seus lábios enquanto veria seus olhos se abrirem sob os cílios espessos, e então mergulharia nas promessas contidas no olhar dele... 

Suspirou ao lembrar que não fazia muito tempo desde que decidira sair da vida dele, e, não obstante, agora estava ali, enredada em seu corpo, sem nenhuma vontade de se afastar. Não voltarei a romper seu coração, ele havia dito na noite anterior, depois de compartilharem parte de suas inquietudes um ao outro. Seher sabia que nem todos os problemas estavam resolvidos entre eles, mas, depois da conversa que tiveram, decidiu experimentar, ao menos pela última vez, a vida com ele, como deveria ter sido desde o início: tentariam um relacionamento franco, sincero, honesto.  

Era sua última tentativa. Provavelmente o simples fato de assumirem esse compromisso não garantia que teriam sucesso nessa empreitada, mas não queria no futuro pensar que tinha deixado de tentar. Depois que resolvessem a questão da guarda de Yusuf, então tomaria a decisão de ir ou ficar, e esperava mesmo que ele fosse capaz de cumprir suas promessas caso decidisse partir. 

Ainda estava presa nesses pensamentos quando ouviu o telefone tocar. Não se lembrava de ter trazido o aparelho, então se sobressaltou com o barulho e sentiu um frio no estômago ao ler o nome da tela. Fikret. Sentiu como se retornasse ao fatídico dia em que Yaman e ela se confrontaram pela última vez na mansão. Não queria reviver aqueles momentos, então relutou um pouco antes de pegar o aparelho e atender a chamada.

- Olá, Fikret abi... - disse, inicialmente sem conseguir se concentrar totalmente nas palavras dele. No entanto, conforme ia ouvindo o que ele dizia, seu coração batia com mais pressa, seus olhos se arregalaram de surpresa, ao mesmo tempo que uma promessa de paz se acercava, ameaçando pousar em seu peito. 

Ainda estava ao telefone quando sentiu Yaman despertar. Notou a respiração dele pesar em sua nuca, o toque se tornando mais firme, prendendo-a ali. Queria poder ver o rosto dele e decifrar sua expressão, mas na posição que estava não conseguia fazer isso sem que ele percebesse.

- Bom dia... - ele murmurou quando ela encerrou a ligação. A voz rouca de Yaman reverberou em cada célula de seu corpo e isso a afligiu um pouco, pois mostrava o quanto era suscetível a ele. 

- Bom dia - Seher respondeu, agora virando-se para ele como havia desejado instantes antes. Como imaginara, ele a encarava com um olhar intenso que parecia desnudar sua alma. Antes que se perdesse naqueles olhos, anunciou: - Preciso preparar o café da manhã, Yusuf não vai demorar a acordar.

- Você tem razão - ele respondeu, mas não se afastou de imediato. 

Depois de um tempo em silêncio, apenas olhando-a, Yaman moveu a mão que estava em sua cintura, afrouxou o abraço e alcançou uma mecha de cabelo que caía no rosto dela. Seher quis desviar o olhar, mas uma força impediu que ela fizesse isso, então aguardou o próximo passo dele. Yaman tocou naqueles fios com a costumeira veneração, afastando-os para trás da orelha dela, e então depositou um beijo suave em sua testa. 

***

Durante a manhã, continuaram empenhados em pequenos reparos pela casa, que agora se parecia um pouco mais com um lar. Seher ainda estava impactada por tudo o que acontecera nos últimos dias e a ligação de Fikret não saía de sua mente. Não havia conversando sobre isso com Yaman, mas sabia que ele ouvira a conversa, afinal, na ocasião os corpos estavam próximos demais para que ele não percebesse. 

Fikret havia ligado para dar notícias a respeito de Melek e só então Seher soube da participação de Yaman no tratamento da menina. Soube também que Yaman havia procurado Fikret para desculpar-se. Entendia o quanto isso custava a ele, por isso não podia deixar de valorizar a atitude. Talvez por isso fosse tão difícil romper com ele, ponderou: Yaman nunca perdia a capacidade de surpreendê-la com gestos bonitos e sensíveis. Nesses momentos, ele todo se transformava em poesia. 

A questão é que sempre voltavam a ser assombrados por problemas que julgavam superados, como se vivessem em um infinito loop de desgraças, e ele voltava a ser um Yaman desconhecido.

Depois que almoçaram, Yaman anunciou que apresentaria a eles a propriedade. Seher aprovou a ideia, pois desde que vira a casa em fotografia, algo a atraíra para ali, e ao chegar no local e verificar o estado deplorável, foi tomada pelo desejo de transformar aquele ambiente em um lar, ao menos durante o período em que viveriam ali. 

No início tentou se convencer que era apenas por Yusuf, mas agora tinha que ser honesta consigo mesma e reconhecer que não era apenas por isso. Ainda sonhava com uma vida ao lado de Yaman, apesar de tudo o que viveram, apesar de ainda ter receio de se ver outra vez na mesma situação que os trouxe até ali.

Aquele foi um dia de muitas descobertas. Passearam pela propriedade, conheceram os arredores, compartilharam muitos momentos juntos. Aos poucos, a tensão entre eles foi se dissipando conforme iam conversando e expondo seus medos e anseios, mas ainda pairava uma sombra sobre eles. Diversas vezes se observavam furtivamente, como se tentassem decifrar um ao outro, mas não era o bastante.

Quando a noite chegou, Yusuf não demorou a dormir, exausto pelas atividades do dia. O outro quarto ainda não estava pronto para ser ocupado outra vez, então permaneceriam com Yaman. De todo modo, depois dos últimos eventos, Seher já não queria toda aquela distância dos dias anteriores, embora também ainda não se sentisse completamente pronta para dividir outra vez a cama com o marido.

Como também estava cansada, ela se preparou para trocar de roupa e deitar, mas antes que pudesse fazer isso, Yaman bateu à porta:

- Yusuf dormiu?

- Sim. Já estou me preparando também. Você não vem?

- Sim, mas antes, tenho algo para você - ele disse, estendendo a mão num convite.

Hesitante, Seher aceitou a mão estendida e deixou que os dedos dele se entrelaçassem aos seus. Para sua surpresa, a mão dele parecia tão trêmula quanto a dela. Caminharam lado a lado até a mesma varanda onde estiveram na noite anterior. Então, ao chegarem lá, tendo as estrelas como testemunhas, Yaman enfiou uma das mãos no bolso da calça, retirou algo e estendeu em direção a ela.

Seher sentiu os olhos se encherem de lágrimas quando viu. Era o anel de noivado. Nem sabia que ele ainda tinha a jóia, pois a abandonara quando pensou que ele havia matado Kevser. Aquele anel era símbolo de tantas coisas!

- Pensei em comprar uma jóia nova, um símbolo que não houvesse testemunhado nossas dores. Mas depois entendi que se hoje tenho a chance de reparar os erros do passado é porque não posso esquecer nem quem fui, nem quem desejo ser com você. - ele disse, as mãos estendidas, aguardando uma resposta. - Quero recomeçar... quero uma vida com você, mesmo que por esses três meses.

Por trás do seu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora