19 - A dor que ninguém sabe

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Remus estava na frente dele quando ele abriu os olhos. A visão dele estava limpando ao poucos da nebulosidade de quem acabou de acordar após dormir um longo tempo.

Ele estava completamente confuso e a última coisa se que se lembrava era de ver Remus no navio que viera reagatá-los. Depois disso se lembrava de pouca coisa.

Ele estava limpo, complementarmente limpo, a roupa branca e os cabelos arrumados.

Remus o olhou despertar. Queria tanto que ele acordasse. Não saia dali há três dias. Observou todos cuidarem dele. Observou ele ser limpo enquanto andava de um lado para o outro enquanto relembrava a explosão. A maioria dos soldados já haviam embarcado quando tudo aconteceu. Aviões alemães detonaram a praia. Os aviões ingleses detonaram esses aviões antes que chegassem nos navios.

Mas a praia se transformou em cinzas. Era tudo cinza. Como a neve de São Petersburgo.

Quando tudo se acalmou, depois dele gritar, voltaram a praia. Precisava encontrar. Precisava encontrar. Era tudo que Remus se lembrava de dizer repetidamente.

E o encontrou. E o encontrou também.

Existem tipos de dores que ninguém deveria sentir nunca. Remus sentiu quando perdeu o pai. Sentiu novamente naquele dia. Avassaladora. O corpo doía. A cabeça dóia.

Na hora da explosão ouviu o grito alto de uma das mulheres ao seu lado.

O grito sufocado de dor. Uma dor irreparável.

Remus o observou abrir os olhos. Ele estava desperto pela primeira vez. Não delirava de febre. Estava lúcido, mas não sorriu.

Ele mexeu os dedos vagarosamente. Uma mulher ao seu lado o abraçou. Ele retribuiu fechando os olhos e respirando fundo. Enquanto olhava as outras camas ao lado.

Procurando.

Ele estava procurando.

Os olhos de Remus marejaram. Ele não conseguia fazer aquilo. Que a mulher fizesse.

Era um covarde? Não, um covarde não se jogaria no mar depois se um bombardeio para salvar as suas pessoas mais importantes no mundo. Estava sufocando a medida que acompanhava o olhar do jovem deitado procurando instintivamente pelas camas cheias de russos.

Ele não estava ali. Ele nunca mais estaria ali.

Nunca mais. Que frase forte e dolorosa em muitos momentos.

O que é nunca mais? Nunca mais sentariam em uma escada e abririam uma garrafa de vodka, bebendo e rindo?

Nunca mais discutiram sobre Marx, sobre a sua pátria?

Nunca mais comeriam juntos e dançariam?

Nunca mais patinariam no rio?

Nunca mais seriam o trio mais inteligente da Rússia?

Nunca mais seriam futuro?

Não seriam presente ?

Só teriam o passado?

O passado de risadas sinceras? De abraços reconfortante? De conversas inteligente ?

Não eram mais o futuro da Rússia como o pai havia previsto?

Não eram nada. Estava tudo acabado.

Um zumbido insistente no ouvido de Remus fazia ele se lembrar que havia falhado.

Ele não os protegeu. Era um fracasso.

O jovem deitado olhou para Remus. Percebeu o olhar. O mesmo olhar e sentiu o peito arder. Os olhos não estava marejados, pareciam querer sangrar de dor.

Olhou para Remus sem dizer nada, apenas com um olhar questionador.

Remus fez um sinal de negativo com a cabeça. O jovem sentiu a dilaceração abrir seu peito e automaticamente momentos simbólicos vieram a sua mente.

Quando lidamos com uma dor irreparável sempre podemos ter essas memórias que voltam automaticamente.

- Eu e você para sempre. E para sempre.

Eles tinham sete anos.

- Tem o Remus também

- E ele é nosso irmão. Você é mais que isso. Você é a alma, meu irmão de Alma.

Eles entendiam um ao outro com um olhar. Coisa que nem mesmo Remus conseguiu decifrar, mas aceitava. Era o terceiro elemento do trio.

- Sim, Sirius, somos eu você daqui ate eternidade.

- James Potter, você nunca vai se livrar de mim.

Ele despertou da memória tentando dizer algo.

- Ele não morreu. – O jovem disse convicto. Afinal, era impossível. Eles prometeram que estarían juntos para sempre.

- O corpo estava carbonizado. Nós já enterramos. – Foi o que Remus dilacerado conseguiu dizer.

- Ele não morreu, Remus, eu sei. Confie em mim. Ele não encontrará. – O jovem disse com uma certeza que assustava.

- Não faz isso.– Remus pediu. Sabia que ele não aceitaria de primeira. Sabia que ele teria que mostrar a prova. – Não torne isso mais difícil. – Aqui. Achamos próximo ao corpo.

E foi então que ele viu. O único objeto que sempre andava com ele e seu coração se despedaçou.

O jovem deixou as lágrimas rolarem pelo rosto. A sensação de fracasso. Haviam o perdido. Não conseguiram protegê-lo.

Justo eles, que prometeram protegê-lo.

- Nós falhamos. – O jovem na cama mirou o irmão. – Ele era o melhor de nós.

- Eu sei. – Remus respondeu tentando abraçar o jovem.

- NÃO! – O jovem na cama pediu. – Não posso te abraçar agora. Você o deixou morrer. Eu o deixei morrer. Vai embora.

Remus saiu do prédio se sentando nas escadarias onde a viu. Ela estava com um garrafa de vodka nas mãos. Os cabelos bagunçados. Os olhos inchados.

Se sentou ao lado dela. Ela ofereceu a vodka e ele deu um gole.

- Eu sonhei que ele nos encontrava em Trevere quando tudo isso acabar. Como tínhamos prometido. – Remus disse já com a fala embargada. Ela o olhou. – Eu perdi os dois. Ele nunca vai me perdoar ter sobrevivido enquanto ele morreu. – Agora Remus chorava copiosamente.

A dor inundava seus ossos.

Ela deixou que ele chorasse. Eles haviam crescido juntos. Eram parte um do outro.

Ela já tinha quebrado tudo no seu quarto. Ela já havia bebido tudo que podia e nada tirava a ideia de que ele nunca soube o que tinha nas cartas.

Ela não se importava com todas as coisas que tinha escrito, a única coisa que ela queria que ele soubesse.

Era que ela o amava. Lily Evans amava James Potter e somente James Potter.

E ele não saberia.

Ele jamais saberia.

Jamais saberia que verdadeiramente e profundamente a aristócrata se apaixonou pelo comunista.

E isso matou um pouco dela também.

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