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Karina's pov:

"Se destino realmente existe, você acha que nosso encontro foi a forma que ele encontrou de provar isso?"

O céu está mergulhando em escuridão e a brisa gélida assinala uma noite de frio mais intenso. Meus olhos se voltam para as luzes dos edifícios ganhando vida. Uma copia de Hamlet está esquecida sobre meu colo. Não sei quanto tempo passei no meu apartamento, mas isso não importa.

Depois do que aconteceu pela tarde, eu precisava espairecer e voltar para o estado de dormência no qual prefiro ficar. Ler é minha nova fuga, mas mesmo que eu tente não pensar em nada, a garota da livraria ainda passa por entre as fendas da minha mente a cada página do livro que eu viro. 

Era uma tarefa simples, livrá-la de Ningning e continuar com minha leitura. Mas foi só por os olhos nela para saber que eu não estava preparada. Aquela garota era… linda. E vê-la de alguma forma me lembrou dela. Me lembrou de tudo o que perdi e não posso mais recuperar. 

Pare, digo a mim mesma enquanto fecho meu livro com força.

Não há motivos para pensar nela. Aquela garota não passa de uma pessoa aleatória com quem por acaso eu encontrei na livraria. 

Mas aqueles olhos… Eu não consigo parar de pensar naqueles olhos castanhos.

Largo o livro sobre a mesa de centro e me levanto. Quando sinto que vou sufocar, sempre acabo no mesmo lugar, na varanda de casa, olhando para o céu enquanto minha mente é inundada de lembranças.

Quando eu estava na faculdade, passava praticamente todas as minhas tardes na galeria. Numa dessas visitas, minha mãe resolveu me contar a história da sua trajetória de vida. Somi se juntou a nós e ficamos sentadas no escritório dela o dia inteiro, absorvendo conhecimento. 

Minha mãe me repreendeu mais uma vez porque eu andava relapsa com minhas telas, dizendo que para se alcançar a maestria era necessário muita dedicação e comprometimento. Mas meu avô me ensinara que era preciso respeitar o meu tempo, ele dizia que, se não sentíamos a alma na coisa, não devíamos continuar nos forçando a fazê-la. 

Eu sempre me lembro das tardes no estúdio de arte da minha família. Lembro que Somi e eu mal conversávamos enquanto estávamos criando, que os traços e pinceladas fluiam naturalmente sobre as telas. Quando finalizávamos alguma obra, nós sempre olhávamos uma para a outra, com uma expressão de realização evidente no rosto. 

Somi sempre me abraçava e sorria. Não demorava para que esquecesse o mundo das artes e me concentrasse em beijar os seus lábios. Então não saíamos do estúdio até o anoitecer, mas fazíamos cada minuto valer a pena.  

Aquela foi uma das últimas vezes em que fomos felizes juntas.

Levo as mãos aos olhos enquanto a realidade da situação na qual me encontro faz minha cabeça doer. 

Pintar era minha grande paixão. Mas desde o incidente… bom, vamos dizer que as minhas chances de trabalhar em alguma tela no futuro são iguais às que eu tenho de voar. Uma esperança vã na qual não me agarro, porque não posso me enganar pensando que isso pode se tornar realidade algum dia. 

Quando escuto a porta da frente abrir, engulo em seco. Metade de mim torce para que seja minha mãe, e a outra metade está rezando para que não seja.

— O que faz aqui fora nesse frio? — Pergunta Aeri, parada no batente da porta. Um suspiro de alívio escapa dos meus lábios ao ver minha prima.

Uchinaga Aeri é alguns meses mais nova que eu, mas anos mais velha em termos emocionais. Esta vestindo uma de suas infinitas roupas sociais e tem os cabelos escuros soltos sobre os ombros. Ela parece bem relaxada, mesmo que tenha acabado de chegar do trabalho. 

Art and Soul - WinRinaOnde histórias criam vida. Descubra agora