EPÍLOGO

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Lótus estava ajoelhada no meio do imenso salão branco. A luz dourada de sua estrela mais próxima, iluminava o vitral atrás do trono, derramando sua luz, majestosamente, sobre o ser ali sentado: o deus ancião. Seu rosto inexpressivo lhe dava a certeza de que não devia importuná-lo com frivolidades.

Em sua mente, ela tentava captar o que deixara passar no dia de seu julgamento, mas por mais que procurasse, só se deparava com uma lacuna.

— Não é porque somos imortais que devo esperar uma eternidade para que fales! – Kiríus a exortou.

— Perdão, mestre! – pediu, encarando-o diretamente — A maldição foi quebrada e eu não entendo... imaginei que seria eterna...

Ela se deteve quando ele tamborilou os dedos na lateral do trono, aparentemente impaciente.

— "...enquanto os deuses forem deuses, enquanto o mundo for mundo, por quanto o engano durar e o amor verdadeiro se revelar..."

Lótus franziu o cenho confusa; ele estava ditando aquela que fora sua sentença.

— "por quanto o engano durar e o amor verdadeiro se revelar..."

Ela pegou-se repetindo para si. Agora se dera conta de que não ouvira sua sentença até o fim. Naquela ocasião, a dor extenuante da perda tomara seus principais sentidos e a audição fora um deles.

Não foi difícil deduzir que Kiríus sempre soube que Aurien houvera sido enganada por Layus.

— Obrigada, mestre!

— Pelo quê?

— Por ter me ajudado!

— Eu não fiz!

— Sim, fez!

Ele abriu um meio sorriso. Decerto, nunca confirmaria sua ajuda. Não importava. Ela sabia e isso era suficiente.

— Cuide deles! Acompanhe-os de perto! – Ele ordenou.

Ela estremeceu ao ouvir a ordem.

— Estive causando a morte deles por eras, não creio que me queiram por perto.

— São só crianças! Não têm escolha!

Ela assentiu, quando o humor dele mudou bruscamente; sabia que seria inútil discutir.

Nesse momento, foi alvejada com a lembrança do olhar frio da filha quando afirmou ser sua mãe. Certamente, ela era o último ser do universo que eles iriam querer por perto.

O ciclo de maldição chegara ao fim, mas não o resultado disso; ainda teria de lidar com as consequências e o ancião deixou isso bem claro quando a incumbiu de olhar por eles.

Mas o que tinha a perder?

"Absolutamente, nada". Disse para si.

***

O som abafado de seus passos lhe causavam arrepios. Aquele lugar respirava o mal que fora encerrado ali; um submundo dentro do mundo – a prisão dos deuses.

Diferente do mundo lá de cima, que resplandecia luz por toda parte, aqui pairava a escuridão, que só não era total graças à tochas acopladas nas paredes obscurecidas pelo tempo.

A cada passo que dava adiante, descendo mais e mais na escuridão, lótus sentia um estremecimento, quase um aviso de que não devia estar ali. A malevolência do lugar fazia seu corpo enrijecer, à medida que suava. Em termos de comparação, o local equivalia ao inferno para os deuses, que abominavam calor.

O contraste da prisão com o mundo superior era tremendo. Lá sempre frio, aqui sempre quente, o que se explicava pela posição da prisão próximo ao núcleo. Além do mais, a fortaleza tinha seus alicerces fortalecidos com magia ancestral, o que fazia com que os deuses que adentravam o lugar tivessem seus poderes suprimidos.

Lótus ainda podia sentir fagulhas do seu poder queimando, longinquamente, dentro de seu ser, porém, não mais que isso. Estava indefesa. Apesar que seus poderes não seriam nada para salvá-la se algo desse errado ali dentro; caso os "hospedes" que se acumulavam por eras se libertassem.

Não. Isso não aconteceria. A própria ausência de carcereiros lhe dizia isso, embora não pudesse evitar a sensação ruim percorrendo sua espinha.

Um pouco mais adiante parou de frente para uma cela e arfou. Então, empurrou a porta com cautela; o som estridente quase a fez tapar os ouvidos. Entrou.

A cena à sua frente levou seu coração a boca; Apolion estava prostrado, correntes de poder o enlaçavam por toda parte, atando-o ao chão numa posição extremamente desconfortável, até mesmo de se ver. No entanto, seu rosto não mostrava sofrimento ou dor, embora os gemidos e suplicas que ouvira no percurso até ali, denunciasse que a maioria vivia essa realidade, menos ele.

Ele tinha uma expressão de tranquilidade, mas no segundo em que a encarou, ela pode ver as trevas em seu olhar profundamente azul.

— A que devo a honra de sua ilustre visita?

A voz, grave e constante, contrastava com seu olhar feroz. Isto não a intimidou.

— Nossos filhos estão livres da maldição!

— Vieste aqui pessoalmente trazer-me as boas novas? Hummm... isso é tão altruísta!

Lótus estremeceu diante do brilho malicioso nos olhos dele.

— Achei que iria gostar de saber...

— Aproxime-se!

— O quê?

— Está com medo? – insinuou —Venha! Sou só um homem agora...

Ela encarou as correntes; não haveria problema em dar uns passos adiante. Assim o fez.

— Bem melhor! Os milênios me deixaram com a audição comprometida! – Ele explicou calmamente. — O que dizia mesmo?

— Ah! Que nossos filhos estão livres da maldição?

— Então, é verdade!

— Como soube?

— Vez ou outra temos visitas que, às vezes, falam demais... – desdenhou.

— É claro! Foi inútil minha vinda!

— Acredito que não!

— Como? – Confundiu-se.

— Não vieste neste inferno para noticiar as boas novas, somente.

— Não?

— Não! Tu querias me mostrar que venceu! Como és tola!

— Não, eu não...

— Sim! – vociferou — A sua filha bastarda permanecerá viva por pouco tempo. Eu pessoalmente levarei a desgraça até ela e para quem mais a estiver protegendo. Seu castigo Lótus, será ver-me queimá-la...

Ela sentiu o sangue queimar por seu corpo numa profusão de fúria e quando deu por si, se lançara contra ele; queria fazê-lo se calar a qualquer custo. Ele nunca mais chegaria perto de sua filha.

Apolion sorriu com sua movimentação impetuosa. Agarrou-a quando a teve ao seu alcance e derrubando-a no chão, a imobilizou.

As correntes ao redor de seus braços e tórax, queimaram sua pele e machucaram seus músculos, mas isso não foi o suficiente para detê-lo. Já estava habituado com a dor.

— Estúpida!

Ele sussurrou, enquanto ela se contorcia de dor e se encolhia tentando se proteger do contato com o poder que o prendia.

Deliberadamente, ele passou uma das algemas no braço dela, o que a fez gritar de dor.

— Por favor, me mata logo! – Implorou. — É isso que desejas...

— O quê? Não, não, não! Estou apenas começando! – Disse malignamente.

A porta da cela fechou-se como se soprada por forte vento.

Gritos de dor e agonia ecoaram pelo espaço tenebroso, fazendo os próprios presos temerem o que estava por vir...

Fim!!!?

A GRÃ- SACERDOTISAOnde histórias criam vida. Descubra agora