A HÓSPEDE

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Aurien entrou no carro do doutor com certa apreensão. Jamais vira um, porém não ousou questioná-lo a respeito.

"Que nave peculiar". Pensava.

Durante o percurso até a casa do homem, não desgrudou os olhos da janela. Sentia o coração na boca. Estava parecendo uma criança, mostrando-se deslumbrada com tudo que via.

Ele, claro, se perguntava até quando ela manteria a fantasia de afirmar ser de outro planeta. Decidiu, então, entrar no que imaginava ser um jogo dela.

— De onde foi mesmo que você disse que veio?

— Por que me perguntas se não acreditas em mim?! –Indagou-o com a suavidade que sempre tivera.

— Desculpe! É que sempre me pareceu absurdo a ideia de vida em outros planetas. –Foi franco.

Ela sorriu em resposta. Lá fora chovia e os vidros do carro começaram a ficar embaçados. Chegando-se mais para a ponta do assento, ela começou a rabiscar o para-brisa com o dedo. Fazia um desenho.

— Esta é a constelação de Meríade em relação a sua galáxia e aqui é Meríade. –Ela apontou.

— É bastante convincente, mas você me parece tão humana.

— É porque sou! Meus ancestrais foram coletados aqui há milhares de anos. A maioria vive como escravo.

— E você?

— Os deuses me escolheram para ser sua representante. Tive um destino diferente, como grã-sacerdotisa.

Apesar de achar a estória interessante, ele não acreditou em nada. Imaginou que ela estivesse fantasiando tudo. No entanto, a marca em seu peito e a pulseira com aquela escrita diferente, deixaram-no curioso. Teve de indagá-la a respeito.

Foi difícil engolir a explicação. Para ele a marca no peito era uma tatuagem e não uma marca de nascença, como ela afirmara. E definitivamente, deuses não davam pulseiras de presente com sua escrita. Sequer existiam. Talvez, tivesse diante de si uma moça afeita a bruxarias.

Aurien, também, contou a ele como havia se machucado.

Bryan revirou os olhos. Era, demasiadamente, absurda a ideia de mulheres lutando numa arena por um homem. Disfarçou a frustração pelo teatro que ela teimava em representar. Ia se ater apenas a sua beleza e delicadeza. Apesar de que seus modos refinados não distinguiam em nada aos da realeza.

Não. Não se deixaria levar. A existência de vidas em outros planetas era algo inconcebível para ele. O que dizer, então, de humanos abduzidos e escravizados? Estivera a ponto de pedir para ela parar com aquela fantasia toda, mas aí começou a gostar da estória e relaxou, um pouco.

***

Bryan adentrou em casa ainda no clima de faz de conta e saiu apresentando a ela cada cômodo e cada coisa, indicando para que serviam. Seu natural deslumbre não deixou de ser-lhe desconcertante.

Uma boa atriz. Pensava.

Até quando ela manteria o papel? Era a pergunta que não queria calar.

Verificou na geladeira alguma coisa para comerem. Não havia nada interessante. O eletrodoméstico fazia parte do grupo de coisas quase sem uso em sua casa, o que se justificava pelo fato de viver mais no trabalho que ali.

— Que tal comida japonesa?! –Sugeriu.

Ela o encarou perplexa.

Ele ignorou sua cara de quem não entende nada. Fez o pedido por telefone e meia hora depois, o rapaz da entrega bateu a porta.

A GRÃ- SACERDOTISAOnde histórias criam vida. Descubra agora